Entrevista

Pratos afectivos da Chef Elizabeth

É actualmente um dos rostos principais da culinária em Angola. Jovem, dinâmica e dona de uma beleza de atrair a atenção de todos, Elizabeth Martins, aos 40 anos de idade, transmite todos os seus conhecimentos sobre a profissão que ama no programa “Entre Tachos”, emitido na ZAP TV todas as manhãs de segunda a sexta-feira. Natural de Luanda, Elizabeth Martins é uma estrela em ascensão no ramo da gastronomia e no universo das celebridades. Ela é criativa e bem sabe usar os temperos da cozinha angolana. O Caderno Fim-de-Semana contactou a chef e apresentadora por via das plataformas digitais e ela, que se confessa “com alma de cozinheira”, prontamente respondeu às questões que lhe colocamos, dando-se a conhecer, de modo exclusivo, aos nossos leitores

01/11/2020  Última atualização 14H00
© Fotografia por: DR
Ano após ano, a gastronomia vem ganhando um novo status, sobretudo em função dos programas de TV, cada vez mais numerosos. Aos cozinheiros, muitas vezes, acaba sendo atribuída uma função que os torna, não raro, profissionais quase inatingíveis. Você concorda com essa afirmação? 

Não, não concordo.  Penso que o que acaba por acontecer é, primeiro, dar visibilidade e valorizar esses profissionais; segundo, tornar a profissão tão bem vista, conotada e respeitada quanto todas as outras que existem.

Como iniciou a sua relação com a cozinha, até se tornar chef?

Digo sempre que eu já nasci cozinheira e aos sete anos de idade mostrei logo que pertencia ao fogão e aos tachos. Tenho alma de cozinheira.

O que é imprescindível para quem deseja tornar-se uma cozinheira profissional e ser um chef de sucesso?

Para se tornar numa cozinheira profissional, precisa-se de formações na área. O profissional de culinária está em constante formação e aprendizado. Não é uma profissão estática e, pela velocidade que evolui, exige que acompanhemos com formações e imensas pesquisas. Horas de trabalho árduo, experiências acertadas e às vezes frustradas. Chega-se a chef de sucesso com a trajectória que fazemos e com o curriculum que criamos. Um chef é muito mais que um cozinheiro, ele é o cérebro da cozinha e o coração da comida que serve, por isso só os anos de experiência, dedicação e criatividade é que fazem com que cheguemos lá.

De onde vem a sua inspiração? O que sai da sua cozinha?

A minha inspiração vem das memórias que tenho de cheiros e sabores dos tachos das minhas avós. Da minha cozinha sai comida afectiva, que cria memórias. Sou apaixonada por cozinha de fusão, então, é esse tipo de comida que sirvo... tudo com imensa alma e amor.

Em que actividades profissionais você aplica esses conhecimentos?

Aplico-os principalmente nos jantares privados (faço serviços de "private chef”), nas formações particulares que dou e no programa que apresento na Zap, o "Entre Tachos”.

Qual é a diferença entre ser cozinheira e ser chef de cozinha?

Todo chef é cozinheiro mas nem todo cozinheiro é chef. Um chef é um cozinheiro que conhece todas as produções clássicas, e não só da cozinha internacional, assina a criação de pratos, elabora menus e domina todas as funções de toda a hierarquia da cozinha. Ele é a autoridade máxima na cozinha. O cozinheiro é o responsável pela confecção de pratos diversos.
E qual a diferença entre gastronomia e culinária?

Gastronomia é o ramo que abrange a culinária, as bebidas, os materiais usados na elaboração e confecção da alimentação. Abrange também todas as técnicas da culinária, práticas e conhecimentos que ajudam a construir uma alimentação com qualidade. A culinária é uma arte... a arte de cozinhar, de confeccionar pratos. De transformar simples ingredientes ou alimentos em verdadeiros manjares.

O que é e como é definido o conceito de "boa comida”? Quem define isso?

Na minha opinião o conceito de boa comida varia de paladar para paladar e, lógico, de cultura para cultura. Lembrando que a culinária é parte importante da cultura de um povo. Hoje, com o surgimento de prémios e concursos, existem os críticos gastrónomos que ajudam a identificar os melhores restaurantes, as melhores comidas, os pratos mais bem elaborados e que tecnicamente mais se destacam.

No universo da cozinha teoria e prática têm o mesmo peso?

Não. E acredito que isso acontece em todas as profissões, a prática leva à perfeição. Daí afirmar que a nossa trajectória como cozinheiros é que vai ditar em que grau nos encontramos dentro de uma cozinha.

A actual popularização e mediatização da gastronomia, principalmente pela televisão, é bom para quem trabalha na área?

A TV dá visibilidade e ajuda a acabar com o estigma que ainda existe à volta da profissão de cozinheiro. É bom para quem trabalha na área e é bom para quem conhece pouco da profissão e a discrimina.

Mas não tem o caso de pessoas a marcar o espaço sem terem uma história nem preparo na área? Qual é a sua visão sobre o assunto?

Acontece imenso e o que eu penso é que essa pessoa está a queimar o seu próprio filme. Os desafios dentro de uma cozinha, na própria culinária, são inúmeros... pular etapas torna essa pessoa uma má profissional ou uma profissional com imensas lacunas e limitações.

A gastronomia é acessível? Quem ganha pouco pode estudar e fazer bons pratos?

A gastronomia noutros países é acessível, pois existem até universidades públicas com esse curso. Agora as formações de culinária é que nem sempre cabem no bolso de todos, infelizmente. É importante lembrar que nem todos que se formam em gastronomia são cozinheiros, logo, fazer bons pratos são outros quinhentos porque nem mesmo muitos que fazem formações na área da culinária conseguem confeccionar bons pratos.

O que você acha do fenómeno da "gourmetização”?

Devemos primeiro saber o que significa a palavra "gourmet” para de seguida contextualizá-la. O "gourmet” está associado a uma ideia de "alta cozinha” ("haute coisine”, em francês), feita de forma criteriosa, com produtos de imensa qualidade e cujo empratamento remete-nos a obras de arte. Hoje, infelizmente, de tão banalizado que se tornou, o "gourmet” é uma expressão aplicada incorrectamente.

Tradicionalmente, em Angola, as mulheres são as responsáveis pela cozinha no quotidiano. Apesar disso, grande parte dos chefs de cozinha de referência no país são homens. Por que isso ocorre?

As mulheres são donas de casa, esposas, mães, filhas... e cada uma dessas que somos têm mil funções. Quem cozinha profissionalmente abdica quase na totalidade de uma vida "normal”, são de 10 a 14 horas das nossas vidas dedicadas à profissão para que ela realmente renda louros e gira sucesso.

Existe diferença entre o homem e a mulher na cozinha?

Por que haveria de existir? Na cozinha somos todos profissionais da área, ponto final.

Como você enxerga o cenário da gastronomia? Devia haver feiras anualmente?

No nosso país está completamente parado. As feiras são só algumas das formas... mas muito mais precisa de ser feito.
Já pensou em construir um restaurante onde as pessoas pudessem usufruir dos seus pratos típicos?

Não, nunca foi a minha ambição. Quando larguei a televisão e fui me formar, foi com a intenção de contribuir para melhorar a qualidade da nossa culinária e os serviços oferecidos pelos restaurantes de Angola, formando melhores profissionais da área. Temos uma lacuna enorme na área e sentimos isso sempre que vamos comer a um restaurante.

Que tipo de pratos típicos lhe interessam mais?

Dentro da nossa culinária é o mufete, a moamba de dendém e a nfumbua que na verdade é um prato típico do Congo mas adoptado por nós. Pelo mundo a fora confesso-me apaixonada por comida asiática (Índia, Tailândia, Japão) e comida dos países do mediterrâneo.

Que tipo de acções podem estimular a qualificação da gastronomia em Angola?

A gastronomia faz parte do património turístico e cultural. O uso que o turismo faz desse património noutros países faz com que a gastronomia ganhe cada vez maior importância para promover um destino e para captar atenções. O turismo e a gastronomia são inseparáveis, assim sendo, penso que uma das acções devia ser juntar as duas áreas, alavancando-se mutuamente, pois não tem como se pensar em turismo sem prever, entre outros itens, a alimentação. O turista não pode abster-se dela e desta forma sempre tende a experimentar a cozinha local.

O que você acha do "fast food”?

Não sou consumidora, nem aconselho... embora tenha um filho pequeno que adora "fast food”... Tem o seu espaço no mercado e respeito os fazedores e consumidores de "fast food”.

Que contribuição espera deixar para Angola e, claro, para a comida que é preparada pelos angolanos?

No que cozinho pretendo sempre deixar a mensagem de que a nossa história pode ser e é contada através daquilo que cozinhamos ou comemos. Assim sendo, a minha contribuição é o meu respeito pela comida-matriz de Angola. O respeito pelos nossos ingredientes e pratos típicos, que ficam nas nossas memórias aonde quer que vamos.
Perfil

Nome
Elizabeth Patrícia Ferreira Martins

Data de nascimento
31 de Agosto de 1980

Naturalidade
Luanda

Filiação
Alberto Assunção Martins e Ana da Conceição Martins

Estado civil
Solteira

 Cônjuge Boaventura Martins

Filhos
 Eric Martins

Perfume
Trésor da Lâncome

Marcas de roupa e sapatos
 Não tenho

Cor predilecta
Tons de verde e azul

Defeito
 Ter o coração e o pensamento perto da boca

Prato preferido Mufete

Passatempo
 Estar com o meu filho, ler, viajar, ouvir música e ver o mar e TV

Local para férias Adoro viajar para lugares que acrescentam mais cultura, história,  sabores e aromas,  conhecimento e que me transmitam paz. Nesse momento, o meu foco está virado para Marrocos e Austrália

Cidade predilecta Toda aquela que me acolher

Sente-se realizada?
Realizo-me todos os dias um bocado mais

Sonhos
Inúmeros... O principal? Ver uma Angola maior e melhor, em que todos os seus filhos sejam verdadeiramente tratados como tal,  sem miséria, sem fome, sem uma taxa de mortalidade infantil tão alta, sem o abismo enorme entre classes, sem um povo tão maltratado. Uma Angola que ocupe um lugar na lista de países do primeiro mundo. Temos tudo para isso...