Opinião

Navegando por mares bravios

Em 16 de Setembro, o Conselho Executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI) aprovou a Terceira Revisão do programa de Angola no âmbito da linha de financiamento alargado, um mecanismo que apoia a estabilização económica em economias emergentes.

07/11/2020  Última atualização 11H25
 Isso permitiu o desembolso imediato de mil milhões de dólares a Angola. Cerca de 2,5 mil milhões de dólares já foram desembolsados desde o início do programa em 2018 e a previsão é de que, quando o programa for concluído no final de 2021, sejam disponibilizados mais dois mil milhões.

O desembolso recente foi aumentado em comparação com os planos iniciais, a fim de ajudar os esforços das autoridades em controlar a propagação da pandemia COVID-19 e aliviar os seus impactos. Vale ressaltar que o apoio financeiro do FMI tem condições financeiras "brandas”, com quatro anos de carência para o principal e taxas de juros abaixo do mercado.A decisão do Conselho de Administração do FMI de aprovar a Terceira Revisão é uma prova da confiança que os países membros do FMI depositam nas instituições angolanas e nos esforços que têm sido feitos para implementar reformas difíceis, mas críticas. É um sinal claro de que a comunidade internacional considera que o programa está no caminho certo e merece um apoio contínuo, especialmente neste momento de crise.

A jornada até agora não foi fácil. No entanto, é importante não perder de vista o ponto de partida, caracterizado por grandes desequilíbrios estruturais e macroeconómicos, acumulados em anos anteriores. O Governo desde então empreendeu uma profunda transformação institucional, alterando o quadro legal e regulamentar de forma abrangente, num esforço para implementar boas práticas de governação. Preparou um conjunto de leis novas ou revistas que irão regular as finanças públicas, as instituições financeiras, as empresas estatais, o Banco Nacional de Angola (BNA), o investimento e o quadro jurídico na luta contra o financiamento ao terrorismo e o branqueamento de capitais.

Medidas importantes foram implementadas para avaliar e melhorar ainda mais a solidez do sector bancário em Angola e as suas práticas de gestão de risco. O BNA fortaleceu a regulação e supervisão dos bancos e implementou importantes reformas para promover uma maior flexibilização da taxa de câmbio, em linha com as forças do mercado, a fim de estimular uma alocação mais eficiente dos recursos em moeda estrangeira.A transparência está sendo reforçada em várias frentes, com a publicação de um plano de gestão da dívida pública, de contas auditadas de grandes empresas estatais e de relatórios de execução orçamentária, entre muitas outras iniciativas. O Governo angolano embarcou num programa de privatização ambicioso. Empresas estatais estão a redireccionar o seu foco para as suas actividades essenciais e a melhorar os seus sistemas de controlo interno, assim também como as suas estruturas de governação.

O esforço para colocar as finanças públicas em uma posição firme tem sido notável, apesar de uma crise sem precedentes. Por causa dos recursos financeiros escassos, o orçamento precisa ser administrado da maneira mais eficiente possível. Projectos públicos devem ser cuidadosamente avaliados para garantir o máximo retorno económico. No entanto, mesmo com limitações fiscais, garantir gastos sociais adequados e proteger os segmentos mais vulneráveis da sociedade continuam a ser de vital importância. Esses são objectivos importantes, especialmente quando um país tem um alto nível de endividamento, como Angola. Recentemente, foram celebrados acordos de reformulação do perfil da dívida com dois dos maiores credores de Angola. Além disso, Angola também está a beneficiar da Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida dos países do G20. Essas operações estão a reprogramar o pagamento de vários milhares de milhões de dólares americanos no médio prazo e, assim, permitem um serviço contínuo e ordenado do serviço da dívida.

É verdade que quando o Kwanza se deprecia, existe uma pressão ascendente sobre a inflação. No entanto, à medida que o preço dos produtos importados aumenta em moeda local, os incentivos estão a mover-se no sentido de aumentar a produção nacional. Isto não só impulsiona o sector privado nacional, mas também ajuda o consumidor angolano a médio prazo, ao trazer para o mercado produtos nacionais mais baratos. Para que essa transição seja eficaz, esse esforço precisa ser acompanhado por um ambiente de negócios melhorado e estabilização económica para atrair investimento directo estrangeiro. Neste contexto, a luta do Governo contra a corrupção deve continuar.

O Governo continua empenhado em diversificar a economia e as fontes de receita pública para diminuir a dependência de Angola das exportações de petróleo bruto ao longo do tempo. Esta é uma necessidade absoluta, porque as reservas de petróleo são limitadas e as perspectivas de longo prazo para a procura internacional de petróleo são desfavoráveis devido à viabilidade das fontes renováveis de energia. Não há solução mágica aqui. O sector produtivo de Angola precisa de mais estradas e melhores ligações de transporte, mais electricidade e água em todos os lugares, para que a economia possa se recuperar e crescer de forma sustentável e inclusiva, trazendo oportunidades e melhores condições de vida a todos os angolanos. Isso levará algum tempo.

Ainda há muito trabalho a ser feito. A pandemia que assola o mundo ainda não foi controlada. O FMI continuará a apoiar e trabalhar com o Governo, para que esta crise seja superada da forma menos dolorosa possível e para que o programa de reformas em curso continue. Nesta difícil conjuntura, a comunidade internacional, os amigos de Angola na região e além, assim como o FMI, continuam a estar firmemente ao lado do povo angolano.

*Chefe da Missão do FMI para Angola**Representante residente do FMI em Angola