Entrevista

Dom Belmiro Chissengueti: “Não encontrei uma Igreja dividida”

Alberto Coelho | Cabinda

Jornalista

Dom Belmiro Cuica Chissengueti foi ordenado bispo, em Luanda, por Dom Filomeno do Nascimento Vieira Dias. No dia 7 de Outubro de 2018, o novo bispo da Diocese de Cabinda tomou posse

22/05/2021  Última atualização 08H55
© Fotografia por: DR
A Igreja Católica, em Cabinda, passou alguns anos por uma "turbulência”, provocada pela rejeição, por parte de alguns membros do clero e da comunidade cristã, da nomeação de Dom Filomeno Vieira Dias como bispo da Diocese, depois da morte de Dom Paulino Madeca. 

Os pilares da Igreja abanaram, alguns padres foram excomungados e a comunidade cristã ficou dividida. O Papa Francisco nomeou um novo líder para a Igreja em Cabinda e a 30 de Setembro de 2018, D.Belmiro Cuica Chissengueti foi ordenado bispo, em Cabinda, por Dom Filomeno do Nascimento Vieira Dias. No dia 7 de Outubro de 2018, o novo bispo da Diocese de Cabinda tomou posse. À chegada, Dom Belmiro Chissengueti foi recebido em apoteose pelo clero, comunidade cristã e a população em geral, sob o lema "um só coração e uma só alma”. 

Uma das tarefas prioritárias do novo líder na actividade pastoral foi reconciliar e estabelecer a comunhão entre o clero com o bispo e com a comunidade cristã católica desavinda. Na conferência de imprensa, no quadro das comemorações das Bodas de Prata sacerdotais, Dom Belmiro Chissengueti disse que quando chegou a Cabinda não encontrou uma igreja dividida, antes pelo contrário, muita comunhão, participação e colaboração.
Para o prelado, os problemas que tiveram lugar no passado foram ultrapassados e o seu predecessor, Dom Filomeno Vieira Dias, fez o caminho e deixou uma igreja tranquila."Não encontrei essas divisões e devo dar o testemunho de ter uma boa colaboração de todos os sacerdotes. Agora, estes têm de se adaptar a um novo andamento, uma nova velocidade e a novas exigências.”A expressão de uma igreja unida, de acordo com Dom Chissengueti,  foi manifestada no apoteótico acolhimento que lhe foi brindado quando chegou a Cabinda.

"É naquele bom acolhimento e a partir daquela velocidade que começamos a fazer o nosso trabalho. Não tenho registo de nenhum acto que pudesse pôr em causa a realização tranquila da minha missão”, referiu. Devido à crise que a igreja viveu, o padre Jorge Casimiro Congo desvinculou-se da Igreja Católica Apostólica Romana e criou a representação em Cabinda da Igreja Católica das Américas, tendo "arrastado” consigo um bom número de crentes da igreja-mãe. Questionado se a Igreja das Américas tem dificultado a actividade pastoral da Diocese de Cabinda, Dom Chissengueti disse que no quadro das liberdades individuais, de religião e de culto, devem ser respeitados os processos, na medida em que toda a criação se baseia num contexto, numa história e num propósito.Reconheceu ter havido, no passado, "pequenas rixas circunstanciais”, que foram prontamente resolvidas com cordialidade ao nível superior. "Tenho uma relação bastante sadia com o padre Jorge Congo. Sempre que há problemas comunicamo-nos para encontrar soluções , o que tem permitido uma convivência saudável. Até porque somos todos católicos.” 

Vinte e cinco anos de sacerdócio Dom Belmiro Cuica Chissengueti nasceu a 5 de Março de 1969 no Chinguar-Bié. Ingressou no Seminário Menor do Espirito Santo no dia 31 de Outubro de 1984. Doze anos depois, foi ordenado padre. Durante os 25 anos de sacerdócio, considerou um período no qual viveu com bastante alegria e intensidade, com altos e baixos na sua história, cujo balanço só a Deus pertence. "É um momento de acção de graças. Com a missão de evangelizar aos outros e a mim mesmo. Estou feliz, porque o sacerdócio ajudou a moldar o meu próprio carácter e a equilibrar a nossa maneira de sentir, pensar e viver.”Adiantou que a Diocese que dirige tem múltiplos desafios a enfrentar naquilo que a vida missionária se impõe e no quadro da identidade que acompanha a História da Igreja Católica, nomeadamente, a formação de sacerdotes, de catequistas para as paróquias e o incremento dos movimentos apostólicos juvenis.

"Queremos tornar a Diocese de Cabinda Eucarística, Missionária e Mariana, no sentido de haver mais jovens comprometidos, mais casamentos, mais catequistas, mais pessoas a participarem dos sacramentos da vida da igreja, mais missionariedade nas aldeias e mais educação cristã.”Dom Chissengueti quer que a Igreja Católica em Cabinda jogue um papel mais incisivo no resgate dos valores e uma Igreja com sentido crítico, que não seja uma que tenha de engolir todos os sapos. "E os sacerdotes que sejam também críticos, mesmo com o bispo. O bispo não é Deus e não é perfeito. Quero que as pessoas me interpelem sobre determinadas decisões e ajudem a encontrar novos caminhos de missão.” Em relação à Concordata, assinada entre a Santa Sé e o Governo angolano, o bispo explicou que ela constitui o instrumento jurídico que permite que se reconheça a personalidade jurídica da Igreja Católica no país e o trabalho que ela realiza. 

"A Concordata é um corolário natural de um processo de reconhecimento mútuo. O documento traz aspectos pertinentes para a Igreja, como a questão ligada aos impostos fiscais, o reconhecimento dos casamentos, para não multiplicarmos cerimónias entre o civil e o religioso, mas fazer-se somente a respectiva convalidação nos cartórios.”O reconhecimento pelo Estado angolano dos estudos dos seminários é outra das mais-valias que a Concordata traz para a Igreja Católica, de acordo com Dom Belmiro Chissengueti , já que em termos de qualidade não deve em nada a outras universidades, porque "alguns seminários formam com muito mais qualidade e consistência do que algumas instituições do ensino superior.”"Grande parte dos quadros que assegura a gestão do país foi formada pela Igreja. Na ausência do ensino médio e superior, os seminários foram, em alguns casos, a porta de saída para a formação de quadros. E os bispos faziam isso com a consciência de não só formar sacerdotes, mas também quadros para Angola Independente”, sublinhou o prelado, lembrando que "a Concordata tem essa valência de tornar reconhecido e assumido o trabalho que a Igreja realiza.”Uma voz crítica.

Dom Belmiro Chissengueti é uma voz crítica em relação aos problemas que afectam o desenvolvimento socio-económico da província de Cabinda e o bem-estar das populações, bem como os aspectos que desvirtuam os valores morais, culturais e éticos da região. Parafraseando o Papa Francisco, Dom Chissengueti referiu que "a Igreja não deve ter medo de sujar as mãos para defender os irmãos” e, ao mesmo tempo, deve ser interventiva, não só a nível da evangelização, mas também no compromisso social. "Uma igreja que ajude na mudança de mentalidades, sobretudo, na análise crítica dos aspectos culturais.”   

O bispo sublinhou que as críticas que faz não são um mero exercício de diversão, mas apresenta aquilo que são as suas convicções, na certeza de que se pode fazer mais e melhor, bastando, para o efeito, as pessoas serem mais honestas e alarguem o leque dos beneficiários, para que não sejam sempre os mesmos a receber. "Não podemos ter condomínios desabitados porque os donos já têm casas na cidade e ainda ocupam casas nos municípios e fazem aquilo como lugar de fim-de-semana, enquanto outros estão a padecer sem espaço para habitar."E esclareceu: "Gosto de dizer as coisas como penso e isto não agrada a muitos. Assumi a missão de evangelização para agradar a Deus e não as pessoas. Estou consciente dos riscos que corro por causa disso, mas não estou amedrontado por nada.”

Disse mais: "Qualquer um de nós tem o princípio e o fim e os que vão em primeiro só passam à frente, porque os outros virão pouco depois. Com a vantagem de que eu posso ir com a consciência limpa e os outros talvez morram com a consciência verdadeiramente desfocada.”Apesar do seu pendor crítico, o bispo de Cabinda assumiu que tem boas relações com os governantes da província. "Há assuntos que são sérios e nós não devemos permitir que ocorram, sob pena de estarmos a ser cúmplices do sofrimento de muita gente.”Segundo o prelado, quando reclama pela solução dos problemas que afectam Cabinda, como a ausência de um porto de águas profundas, o aumento de mais frequências de voos para a província, a questão da empregabilidade que afecta os jovens, fá-lo para o bem de todos, incluindo dos próprios governantes. 

"Eu represento as populações desta Diocese em qualquer circunstância e em qualquer lugar. As oportunidades que tiver para apresentar os nossos problemas e a nossa visão de sociedade não serão desperdiçadas. Até porque o que estamos à procura não é nada de extraordinário senão o bem desta terra e dos seus habitantes.Outra questão que preocupa o bispo de Cabinda é o problema relacionado aos ex-militares das FAPLA, FALA, FLEC e outros movimentos que fizeram guerra no país. Para Dom Belmiro Chissengueti, este é um problema sério a ser resolvido, na medida em que existem promessas que devem ser cumpridas e sonhos que devem ser realizados, sob pena de se repetirem os erros do passado.

"Faço disto a minha missão e a minha responsabilidade, porque isso me toca. Não tenho nenhum salário para realizar o meu trabalho, antes pelo contrário, faço-o por convicção e por missão, até os dias que Deus me der. Se acabarem antes, faço uma boa viagem, e se acabarem depois, louvado seja Deus. Mas, enquanto estivermos vivos, lutaremos sempre para o bem do povo que Deus nos confiou.”Viver de promessas. Os projectos estruturantes socioeconómicos destinados a desenvolver a província e melhorar o nível de vida das populações registam um atraso considerável na sua conclusão, devido a questões financeiras.  As obras de construção do Porto de águas profundas do Caio, do Aeroporto, Hospital Geral, o Campus Universitário, o quebra-mar, o terminal de passageiros, valas de drenagem das águas pluviais e a reabilitação das vias de acesso, dentre outros projectos por concluir, deixam a província estagnada no seu desenvolvimento. 

O bispo de Cabinda disse que no encontro que teve com o Presidente da República, João Lourenço, no dia 11 de Março do ano passado, abordou essas questões, já que os cidadãos em Cabinda não podem continuar a viver de promessas."Precisamos de realidade, portanto, que a nossa esperança não seja como a de Zelão das Asas, da telenovela brasileira Bem-Amado, cujo dia da promessa nunca mais chegou.”Para Dom Chissengueti, os projectos estruturantes em execução devem engajar mão-de-obra local, estabelecendo uma percentagem mínima para os expatriados. 

"Não fico satisfeito quando vejo numerosos jovens da nossa província entregues ao desemprego. Não podemos continuar a assistir a riqueza a passar nos nossos narizes e nós vivermos na indigência, isto não faz sentido.”A visão da Igreja, disse, é fazer com que aquilo que é a riqueza de um povo seja objecto principal do seu povo. "Porque é que não há aqui um instituto básico de petróleos, não falo superior. Quem quer aprender petróleo tem de vir a Cabinda e não é ir ao Sumbe e depois saber de uma sonda pela televisão. A visão estratégica é cada povo estudar a sua riqueza para poder explorá-lá.”

O prelado sublinhou que Cabinda regista um desenvolvimento desproporcional entre a sede e os municípios, que reclamam por mais investimentos. O interior, referiu, está a ficar deserto porque as pessoas correm para a cidade, já que as aldeias não têm desenvolvimento, dinamismo e vida, o que constitui um perigo para a imigração ilegal e a segurança da própria cidade.Lamentou que as estradas e picadas projectadas na era colonial continuam na mesma. A malha rodoviária da província de Cabinda não é a mais complexa porque a cidade é pequena. Para Dom Chissengueti, a circulação fácil permite que as pessoas estejam nas localidades.O bispo mostra-se estupefacto como é que Cabinda, que produziu durante anos cerca de 80 por cento da riqueza do país, registar um nível de desenvolvimento tão baixo. 

"Carrego comigo o olhar triste das populações de Fútila e Malembo. Aquelas localidades deveriam ser transformadas em grandes cidades, para se tornarem na recordação de mais de 50 anos de exploração de hidrocarbonetos nesta área.”Segundo o bispo de Cabinda, muitos empresários estão sufocados pela divida pública, que já dura anos e não é paga, deixando o empresariado local sem possibilidades de respiração. A par dessa situação, acrescentou que o peso dos impostos constitui um  "handicap” na vida social da população. "Não é suficiente que os técnicos da AGT tenham formação especializada na cobrança de impostos e imitam legislação de países que não tenham outras fontes de receitas.”No seu entender, Angola tem várias fontes de produção de riquezas permanentes a exemplo do petróleo, diamante, manganês, cobre, mais de mil quilómetros de mar e pode apostar numa agricultura intensiva.”Temos riquezas que não justificam o peso fiscal que o país tem”.

De acordo com o religioso, isto  significa que o país precisa de assumir uma abordagem económica séria, com pessoas competentes, e não priorizar o empresariado partidário e ideológico, porque com isso não funciona.
Para diversificar a economia, defendeu, é preciso diversificar igualmente os autores económicos, e as pessoas politicamente expostas não sejam aquelas que tenham maior preponderância na gestão económica, porque, por um lado, há o risco da confusão entre o público e o privado e, por outro lado, há o risco da inexistência de instituições fortes.”
Para Dom Chissengueti, os atributos para a assumpção a cargos de responsabilidade são o zelo, a competência e a integridade moral, porquanto "o país não pode estar permanentemente a recomeçar, é preciso criar equilíbrios económicos que permitam desenvolvimento e temos a possibilidade de darmos a volta a isso antes que atinjamos o colapso e nos tornemos num Estado falhado.”

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