Opinião

É preciso pensar a Constituição como documento de uma Angola de todos

Ismael Mateus

Jornalista

Está lançada a pedra para uma revisão da Constituição. Durante dez anos, fomos ouvindo vozes a pedir a revisão da Constituição da República de Angola (CRA) e, por isso, era suposto agora existirem movimentos, ideias e posições devidamente organizadas para o debate.

08/03/2021  Última atualização 12H01
Verificando as primeiras reacções, a surpresa parece ter sido geral, o que no mínimo é de estranhar. Então as vozes criticas da CRA não estavam preparadas para o debate?
O mais importante agora é que todos se preparem convenientemente para o debate que se segue. Em primeiro, é preciso salvaguardar a oportunidade. Aproveitar a oportunidade para criar um debate o mais abrangente possível para que possamos ter uma lei melhor do que a anterior. A pressa, costuma dizer-se, é inimiga da perfeição, debater a Constituição em cima das eleições requer um nível de ponderação e serenidade que esperamos todos que os partidos políticos tenham.

É sem dúvidas um caminho sinuoso e perigoso, em que os partidos estão influenciados pelo momento pré-eleitoral e vão suspeitar uns dos outros em cada linha nova que se pretenda alterar. Por essa razão, mais do que os partidos políticos, teremos de exigir à sociedade, aos grupos técnicos, às associações de classe (não só dos juristas, mas a todas elas) que estudem a CRA, aproveitem a oportunidade para pensar país e levar os partidos políticos a pensar país. Esta oportunidade é, na verdade, um momento em que a sociedade civil deve exercer toda a pressão para que os destinos da CRA e do país não fiquem unicamente nas mãos dos políticos, sobretudo se, como se vê, eles estiverem demasiado envolvidos na luta pelo poder.

Em segundo lugar, é a necessidade de um calendário alargado de debate. A sociedade não pode ser responsável pelo atraso ou adiantamento da proposta de revisão. Não se pode deixar de, no mínimo, exigir que seja estabelecido um calendário de debate, que inclua consulta pública, contribuições da sociedade civil e auscultação qualitativa de determinadas figuras. A falta de tempo ou a proximidade eleitoral não pode ser desculpa para que não se estabeleça um plano sério de discussões. Este é um dever que os actuais políticos têm para com a nova geração. Não é aceitável que, por pressa ou por pressão, não tenhamos discussões conclusivas e aprofundadas sobre cada uma das alterações propostas e no final, por falta disso, tenham uma CRA pior do que a anterior.
É preciso pensar a CRA como um documento reitor de uma Angola de todos, para os nossos filhos, nossos netos e onde não inauguremos uma era que nos obrigue a alterar permanentemente a CRA.
Talvez até seja mais prudente, no caso das questões mais profundas, assumir um compromisso político, para que na revisão ordinária o país possa debater as questões centrais, como por exemplo o sistema de governação e o modelo de eleição do Presidente da República.

Tratando de temas que dividem os angolanos, talvez fosse mais prudente assumirmos um compromisso nacional de que seja quem ganhar as eleições e não importa com que maioria, assumiria o compromisso de em sede de revisão ordinária debater esses temas. Inquéritos, consultas, debates nacionais, feitos com tempo, podem permitir verificar o que realmente quer a maioria. Se a questão central é apenas a mudança do modelo de eleição do Presidente da República, mantendo o sistema de governo presidencialista, ou então se a questão é mais profunda, se queremos uma alteração para um sistema semi-presidencialista ou parlamentar.

Claro que pelas razões acima expostas, não temos o menor interesse de trazer agora essa discussão. Por ser uma questão central e profunda precisamos de tempo e de acções de preparação e educação das pessoas. Nada de pressas que possam pôr em perigo a estabilidade do país e causar danos maiores do que os que se pretende corrigir.
Em terceiro lugar, teremos de ter a preocupação de não ir buscar modelos encomendados. Ser atípico não é necessariamente algo mau. A nossa história mostra que a preocupação em importar modelos nem sempre resulta. Para isso, os técnicos, os políticos têm de pensar Angola.

O que queremos para o nosso país e o que somos capazes de construir pensando sobretudo no nosso país e não nos interesses particulares e de grupo. Esta é a maior premissa deste debate. Pensar Angola, antes de pensar em grupos de interesses e partidos políticos. Pensar Angola antes de tudo e isso é preciso, se esta oportunidade for bem aproveitada.

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