Entrevista

Embaixador de Espanha: Sempre estivemos com Angola

Bernardino Manje

Jornalista

Angola é um dos cinco países prioritários na relação entre a Espanha e África. Com vista ao aprofundamento da cooperação, o Primeiro-Ministro espanhol, Pedro Sánchez, efectua, finalmente, amanhã e quinta-feira, uma visita oficial a Luanda, depois dos sucessivos adiamentos, primeiro por questões internas (situação na Catalunha), depois devido às eleições naquele país europeu e, mais recentemente, por causa da pandemia da Covid-19. Durante a visita, Angola e Espanha devem assinar acordos nos sectores dos Transportes Aéreos, Agricultura, Pescas e Indústria, adiantou, em entrevista ao Jornal de Angola, o embaixador espanhol, Manuel Hernández Ruigómez

06/04/2021  Última atualização 06H15
© Fotografia por: Rogério Tuti | Edições Novembro
Como é que vê as relações entre Angola e Espanha? Em que sectores mais evoluíram?
As relações têm sido excelentes, desde a Independência de Angola, passando pela primeira reunião entre os  Primeiros-Ministros dos dois países, em Janeiro de 1976, poucos meses depois da Independência. Tivemos várias visitas importantes, nomeadamente do Presidente José Eduardo a Espanha e do Presidente Felipe Gonzalez a Angola. A visita (de Pedro Sánchez) será a segunda de um Primeiro-Ministro espanhol a Angola. Sublinhe-se que no nosso sistema constitucional, o poder mais importante é o do Primeiro-Ministro, que é o Chefe do Executivo. O Chefe de Estado é o Rei, que tem funções representativas e de honras.


E quando é que chega o Primeiro-Ministro?
O Primeiro-Ministro Pedro Sánchez chega no dia 7 e vai ficar aqui até a noite do dia 8. Depois  parte para o Senegal, antes de regressar à Espanha.


Por que é importante a visita do Primeiro-Ministro a Angola?
É importante porque, em 2018, o Primeiro-Ministro na altura, Mariano Rajoy, iria fazer uma visita oficial que foi cancelada por motivos de agitação interna na Catalunha, situação que chegou a levar à detenção na Alemanha do líder independentista catalão. Dois dias antes da viagem, decidiu-se pelo cancelamento. Desde aquela altura, estávamos à procura de datas para efectivação da visita. Durante este período, houve duas eleições, em 2019, e depois , em 2020, veio a pandemia, que impediram a realização da visita.


Há alguns acordos que devem ser assinados no decorrer da visita?
Sim. Temos quatro acordos, sendo o mais importante o do sector dos Transportes Aéreos. Os outros são na Agricultura, Pescas e Indústria. Também está pendente uma proposta espanhola para um acordo de protecção  recíproca de investimentos. Mas ainda não está nada definido.


O acordo nos Transportes Aéreos implica o quê?
Implica a adaptação do mercado dos Transportes Aéreos à situação actual. Já houve duas ou três tentativas de assinatura deste acordo, mas foram frustradas. Vamos ver se nesta ocasião pode ser assinado. Isto permitiria o regresso dos voos Madrid-Luanda, da companhia espanhola Ibéria.


Mas há essa necessidade de uma linha directa Luanda- Madrid?

Pode-se dizer que sim, porque, até 2016, havia duas frequências semanais de voos Madrid-Luanda. E o avião estava sempre cheio. Então havia necessidade, sim, e vamos ver, agora, quando se resolver a pandemia, se este mercado existe.


Como está o intercâmbio entre as empresas angolanas e espanholas?

É um intercâmbio muito vivo, mas, infelizmente, a pandemia tem contribuído para a sua diminuição. Até ao princípio de 2020, havia muito intercâmbio entre Angola e Espanha em matéria empresarial. Aqui há cerca de 65 empresas que estão a trabalhar com o Governo ou com empresas angolanas.


Tem alguma empresa em concreto ou sectores mais  determinantes?
Sim. No âmbito do PLANAGEO (Plano Nacional de Geologia), a UTE- PLANAGEO, que  está a fazer o mapa geológico da região Sul de Angola. Estamos, igualmente, na expectativa de que UTE-PLANAGEO venha, também, fazer a área que estava atribuída aos brasileiros, que renunciaram.


Como avalia a participação desta empresa no desenvolvimento de Angola?
Isso é essencial para Angola. É vital. Porque Angola não tinha um mapa geológico e não sabia quais eram, realmente, os seus recursos minerais. A partir da realização deste mapa, vai ser possível saber, em concreto, onde está cada mineral. Esta é, de resto, a importância do PLANAGEO. Há outras empresas, como a Elecnor, no sector eléctrico, a Sacyr-Somague, na construção civil. Devo esclarecer que a Somague é uma empresa portuguesa adquirida pela espanhola Sacyr e agora trabalham juntas em Angola. Estão, também, bancos espanhóis, como a Caixa-Banc, que detém 48 por cento das acções do Banco de Fomento Angola (BFA), além de outras empresas que trabalham na agricultura, indústria e bens de equipamento.


Que facilidades têm as empresas espanholas para vir trabalhar em Angola?
Facilidades?


Sim. Há, por exemplo, alguma linha de crédito?
Sim. Espanha tem linhas de crédito. Há dois mecanismos: um é através do CESCE, que é o Seguro de Crédito à Exportação, que facilita as acções das empresas espanholas em Angola. O outro tipo de crédito é o FIEM (Fundo para a Internacionalização das Empresas), que também ajuda as empresas privadas espanholas e angolanas.


Há algum valor estabelecido para estes dois mecanismos?

Não! Normalmente tem um tecto de crédito que, cada vez que se alcança, o Governo anexa mais um tecto. Então, não se pode dizer que há um limite, porque a Espanha tem muita confiança na economia angolana, renova-se continuadamente. 


Quer dizer que para as empresas espanholas virem trabalhar em Angola não há problema de dinheiro?
Não há problema. Tudo depende da aceitação das autoridades angolanas destes créditos que estão a ser propostos a partir de Madrid.


Quais são as dificuldades que as empresas espanholas encontram no mercado angolano?
É difícil dar uma resposta numa entrevista, porque isto é um mundo muito variado entre umas e outras empresas. Estamos a notar que agora, com a direcção do Ministério das Finanças, está muito mais clarificada a acção das nossas empresas em Angola e que estas têm melhorado muito na sua prestação. Isso posso dizer.


Uma das bandeiras do Governo do Presidente João Lourenço é exactamente a luta contra a corrupção, nepotismo e outros males que enfermam tanto as relações como o comportamento das empresas. Do Governo espanhol, há alguma política para apoiar o combate à corrupção?

A Espanha valoriza muito o que está a fazer o Governo de Angola, desde que o Presidente João Lourenço tomou posse, em 2017. Achamos que há muito mais a fazer aqui em Angola, mas o que parece é que a linha da luta contra a corrupção está já definida e o Governo e as instituições judiciais em geral estão a fazer um bom trabalho. Achamos que este trabalho vai melhorar nos próximos anos, porque esta é uma aposta concreta do Presidente Lourenço. Lembro-me quando o Presidente João Lourenço fez o discurso de tomada de posse, em Setembro de 2017 , eu já estava cá, ele dizia que uma das linhas fundamentais da sua acção seria a luta contra a corrupção. Muito cedo, começamos a ver que isso era autêntico, era uma  linha de acção do Governo que estava a ser implementada concretamente. Agora podemos ver muitas pessoas que estavam ligadas à anterior administração na cadeia ou a experimentar acções judiciais para esclarecer situações concretas.


As  autoridades judiciais já fizeram algum pedido à Espanha para identificar alguns bens subtraídos ilegalmente de Angola?

Não que eu saiba, porque é um relacionamento entre os dois poderes judiciais. O juiz de cada caso entra em contacto com o juiz de Espanha. Não tenho conhecimento de algum caso, mas deve haver acções em marcha.


Tem aqui alguns projectos que o Governo espanhol está a apoiar para ajudar o desenvolvimento económico e social do país?

Basicamente, estes créditos que estamos a pôr à disposição das empresas e as iniciativas como a do PLANAGEO, como a Elecnor, entre outras.


Como está a situação do centro oftalmológico?
O centro oftalmológico vai estar dentro de um crédito que neste momento está em estudo em Espanha. É um estudo que está a ser feito de uma maneira positiva. O centro tem boas perspectivas de sair.


Fala-se também de uma universidade...

Isto é muito importante. Há uma instituição espanhola privada que se chama FUNIBER (Fundação Universitária Iberico-Americana)que está a construir uma grande universidade, na província do Bié. Esta universidade deve ser inaugurada em Junho  ou  Julho, para começar as aulas em Setembro. Mas, antes, o Ministério do Ensino Superior tem de aprovar o plano curricular. O documento está no Ensino Superior há mais de 14 meses e ainda não foi aprovado. E a Universidade não pode arrancar sem este plano.


Os professores são espanhóis?
São espanhóis, angolanos e de países da América Latina. Eles irão viver no Bié.


Já se sabe qual é a tendência da universidade? Vai ter todas as áreas?
Vai ter todos os campos, mas essencialmente os tecnológicos, engenharias e arquitecturas. Há muito interesse em Espanha com este projecto de ter uma universidade espanhola em Angola. É  muito importante, porque achamos que o futuro de Angola está na educação, tanto a primária, como secundária e também a universitária e a profissional. Estamos a ajudar neste campo. Eles estão a fazer esta universidade com fundos próprios, sem a ajuda do Estado de Espanha. A FUNIBER tem já centros noutros países da América, na Europa, incluindo a Espanha.


Há tempos chegaram a Angola equipas médicas espanholas. Este intercâmbio vai continuar?
Sim, é para continuar, estas equipas estão a chegar. Há uma equipa de médicos dos países baixos espanhol que estão a fazer trabalhos na província do Uíge. Há outros, da província de Barcelona,  que estão a trabalhar em Benguela no campo da luta contra a tuberculose. Está a faltar informações sobre doenças muito perigosas como é a tuberculose com uma capacidade de contágio muito grande.


Na luta contra a  Covid-19, Espanha tem alguma cooperação  com Angola?
Na luta contra a Covid-19 não, mas participámos na acção da União Europeia, a Covax, com 50 milhões de euros para fornecer vacina a Angola e outros países.


Voltando à visita do Primeiro-Ministro espanhol e aos acordos que vão ser assinados, em que se centram?
Ainda estão a ser negociados os termos do acordo. Vamos saber durante a visita.


Podemos falar, então, de uma visita histórica?
Para nós, é muito importante esta visita porque, desde a minha chegada a Angola, tenho estado a tentar convencer as minhas autoridades sobre a importância da vinda do Primeiro-Ministro espanhol a Angola, dadas as excelentes relações tradicionais entre os dois países, principalmente porque as potencialidades destas relações são muito grandes para os dois países. Se calhar, depois da visita do Primeiro-Ministro espanhol, também seria bom uma visita oficial do Presidente João Lourenço a Espanha, cujos pormenores poderíamos preparar depois.


O que representa Angola para a Espanha?
Angola representa muito. Conservamos a nossa amizade com Angola mesmo nos dias mais duros da guerra, até mesmo aquando dos Acordos de Gbadolite, que levaram à realização das eleições de 1992 e, depois, a formação do GURN (Governo de Unidade e Reconciliação Nacional). Temos estado com Angola e vamos estar sempre com Angola porque, para nós, este país é próximo a Espanha, a começar do ponto de vista cultural. Devo dizer que Espanha acaba de aprovar o terceiro plano para África e, neste plano, há cinco países prioritários para Espanha, dos 54, e Angola está entre estes. Os outros são África do Sul, Nigéria, Senegal e Etiópia.


Perfil

Manuel Hernández Ruigómez
Embaixador de Espanha em Angola desde Julho de 2017

Formação académica
Doutor em História e licenciado em Filosofia e Letras

Carreira
Diplomata desde 1987

Relação com Angola
Quando chegou ao país, pôs-se à disposição dos angolanos interessados por Espanha, em qualquer das suas facetas, culturais, empresariais, turísticas. Garantiu facilitar informação completa sobre o seu país, povo, das 17 comunidades autónomas e duas cidades autónomas.

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