Opinião

Enigma

Pedro Cardoso |*

Juro de mãos atadas e de pés separados perante esta sala magna empanturrada de almas importantes, dizer somente a mentira. Somente a mentira, repito. Ele é somente o culpado de tudo.

04/04/2021  Última atualização 07H10
Só se as redenções, as paixões de Cristo não foram pregadas juntamente com o único filho do deus-avó naquela pesada cruz.
Todas as almas presentes ficaram atónitas com a tamanha afirmação e ousadia do acusador.   
Nos anais da história da desumanidade não há nenhum registo do género, digno do insólito fazer algumas fotografias.

É a primeira vez desde que o homem virou o bicho mais esperto, que alguém em sã consciência, com as capacidades motoras e psíquicas acomodadas, se prontifique em dizer unicamente a mentira.
Acto contínuo: os presentes na sala acenavam as mãos e as cabeças estranhamente, como se o que dissera o acusador era uma ementa de difícil ingestão, algo inimaginável, de fazer o diabo tecê-las ou do mesmo duvidar da sua capacidade de arquictetar palacetes de artimanhas.

Através dos seus semblantes, os presentes expressavam admiração e indignação.
Qual fumaça, uma nuvem densa de dúvidas concentrava-se no ar.
Uma cacofonia de vozes revoltas ecoou imperativamente naquela sala.

Ao juiz da causa não lhe foi dado sequer alternativa de prostrar-se diante da santa paciência.
Sem propelente ou carburante para as delicadas manobras, usou a foice e o martelo decisor, a sua voz de comando. Um silêncio monumental, obediente imperou naquele prestigioso lugar que fora erguido à custa de algum sangue, suor e lágrimas, e o juiz como ordeiro que é, que não toma as coisas só por tomar, repôs a bendita legalidade e de seguida devolveu a palavra ao acusador, e o mesmo continuou com o seu discurso acusatório, dando mais ênfase.

Primeiramente quero agradecer o juiz por acreditar em mim, segundo por colocar ordem na sala, por acalmar os ânimos e por último por me dar de volta a tão doce e soberana palavra, quando todo o mundo na sala me achincalhava, me linchava com impropérios perfurantes.
Como ia dizendo, ele é somente o culpado de tudo.

Todas as vezes que tentávamos, estávamos quase a atingir a proeza igual ou superior aos americanos, ele estava lá, importunava, desmanchava num aceno dos dedos os prazeres das nossas divindades.

Pisar no solo lunar, deixar com que a sua poeira enamorasse os nossos calejados calcanhares seria a nossa marca, mas por causa dele deixamos escapar tamanha proeza para os americanos. Com alguma ou com total razão, eles gabar-se-ão para todo o sempre que são os únicos aluados.

Desflorar a lua era o nosso megaprojecto, mas ele usou o engenhoso mecanismo, que mais tarde, volvidos aproximadamente cinco décadas fiquei a saber pela bocarra do meu amigão e confidente Pedro  Bolsorroto que se tratava de espionagem, usurpação de propriedade intelectual. Afinal ele, o culpado do inevitável, de tudo que nos (des)acontece, praticou terrorismo, espionagem intelectual contra nós, vendeu importantes segredos do corpus-pátria para os americanos, aquilo que seria um passo gigantesco para o bem das nossas comunidades, quiçá um bem inestimável para a humanidade, um toque de mágica para abandonarmos a cauda, a era que ainda sabe a Paleolítico ou a Neolítico.

Por culpa dele, até hoje carregámos nas nossas sofridas costas a pesada sina das duas grandes pedras: a lascada e a polida.
Ao fim e ao cabo, só resta enquadrarmos o crime cometido pelo suspeito à luz do código das penalizações. Para o tipo de crime cometido não há interposição de recursos. Esqueçam as fintas mirabolantes jurídico-administrativas, o código é implacável, é água cristalina, é tiro e queda. Por exemplo no artigo um, alínea única, diz que o crime cometido pelo suspeito do costume e outros que pesam sobre si é punível com a culpa perpétua.

Quando o normal mostrava-se simpático, desfilava a sua higiénica arcada dentária, traçávamos nas sombras mais um mega-projecto catalisador de desenvolvimento.
Lá veio o culpado como quem não quer nada estorvar. Só nos apercebemos que os americanos ficaram de novo com o nosso mega-projecto de exploração de Marte, projecto este que nos colocaria no topo da tabela. São sempre eles os americanos a nos roubarem as ideias.Penso que ele, a quem recai todas as culpas é um agente infiltrado. Se isso voltar a acontecer vamos apresentar queixa numa das tribunas além dos nossos arames farpados. Mera ou feliz coincidência também não é.

Na minha opinião, devíamos agravar a pena do culpado.Mais três culpas perpétuas.
Quem sabe que será desta que se emendará. Quem sabe que a penitência virá ao de cima.  
Nunca quis revelar coisas estritamente pessoais, do fórum íntimo, antes só desconfiava, mas hoje tenho a absoluta das certezas  que o ataque de histeria, a frigidez, o acesso,  as sucessivas e repentinas mudanças de mau humor da minha amada mulher é exclusivamente culpa dele.

A minha amada mulher, coitada, procurou por diversas ajudas especializadas, opiniões médicas de relevo, chegou até a rumar inúmeras vezes para o estrangeiro, mas parecia que não havia solução para o seu problema, não encontrava razões do seu mal-estar, que condicionava sobremaneira o seu estado de humor, o seu bem-estar emocional.

O culpado era vizinho do nosso nariz, estava bem perto de nós.  
Quando tomamos conhecimento, usamos a baixa visibilidade para o coagir, colocámo-lo contra a espada e à muralha, felizmente o mal-estar, a frigidez da minha mulher passou num repelão, milagrosamente à velocidade da luz.
A minha disfunção eréctil, a minha pouca libido, a minha falta de desprazer é também somente culpa do dito cujo.

Já não levanto voos rasantes sob pena de despencar, acabar inglório, num chão pouco acolhedor, acabar sem nenhuma gesta digna de algum realce, mas é sobeja e tecnicamente sabido a quem devo assacar tudo isso, culpado não só da minha falta de erecção, micção, mas como também da minha falta de dignidade.  

Até parece perjúrio, mas procurei ser o mais claro possível perante a todos os presentes na sala magna, digna de acolher as minhas declarações. Estou aqui de corpo e alma presente para abonar alguma mentira. Aproveitem tirar o máximo proveito, nem no dia do São Nunca alguém se predispõe tanto assim para mentir descaradamente.

Não vim aqui para este lugar prestigiante, à medida da grandeza dos super-homens, símbolo de um dos mais cobiçados e assediados poderes, dizer só por dizer como fazem os grandes senhores.Venho duma linhagem onde a mentira é o mote.
A emblemática Yola das pequenas guloseimas de açúcar é minha avoenga.

Diga-me lá Senhor doutor da lei qual foi a última vez que alguém honrou a tua surrada toga?
Diga-me lá qual foi a última vez  que o som estridente do teu martelo decisor se fez ouvir?  Eu venho dos caminhos longínquos e sinuosos do futuro não somente trazer boas novas, ajudar a  colocar o culpado de tudo no buraco mais fundo que lhe merece, mas também dar vida, honrar as vossas excelências. Senhor juiz não se preocupe. Agradeça-me depois.

Pedro Kamorroto



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