Entrevista

“Estou sempre disposta a aprender”

Arão Martins | Lubango

Jornalista

A radialista Lídia Marta Vindula é, actualmente, responsável pela área da Realização de Programas da Rádio Huíla. Mãe de tres filhos, o seu sonho é ser uma referência na comunicação social do país. Em entrevista ao Jornal de Angola, Lídia Vindula confidenciou que sonhava ser cantora, mas a vocação pelo jornalismo falou mais alto.

02/05/2021  Última atualização 08H20
Radialista Lídia Marta Vindula © Fotografia por: Arão Martins ! Edições Novembro
Quando é que começou a fazer rádio?
Não me lembro do mês, mas sim do ano. Coloquei os meus pés pela primeira vez na Rádio Huíla em 1996. Na altura, tinha 13 anos. Desde lá, nunca mais saí.  


Sempre sonhou ser jornalista?

Na verdade, queria ser cantora. Mas os meus pais descobriram que tinha vocação para o jornalismo.

 
Como foi possível organizar carrosséis no bairro até chegar a uma rádio?
Eu reunia amigas, como a Titina, a Maria e alguns rapazes simulávamos um Carrossel semelhante ao que acontecia na TPA. Eu era muito nova e imitava muitos locutores, como a Gisela Silva e Nila Borja. Ouvia também alguns adultos como a Esperança Java, Aurora Guerreiro, Rosa Gonçalves, Joaquim Armando e João Baptista. Eu simulava um carrossel. Os meus vizinhos iam apresentando poesias, músicas, mas eu era a pivô.
Na verdade, queria ser cantora ou jornalista. Eu cantava na base dos nossos clássicos tropicais. Colocava algumas letras e cantava.  Face a esta inclinação, o meu pai solicitou, na altura, ao senhor Roque, que trabalhava na Rádio Huíla, para integrar a equipa que apresentava o espaço infantil. A direcção da Rádio Huíla, na altura liderada pelo jornalista Celso Amaral, autorizou o meu estágio e acabei por ficar.  
Nasci e cresci no bairro Hélder Neto, adjacente à Minhota. Carregávamos a influência do bairro.  
 

E como foi parar noutros programas da Rádio Huíla, sendo muito pequena, na altura?
Depois de algum tempo, transitei do espaço infantil para fazer estágio com o José Roberto, mais conhecido por "Tio Zito”, para fazer locução. 

 
Quanto tempo durou o estágio de leituras?

O estágio durou mais ou menos quatro meses. Seguidamente, comecei a fazer o programa infantil com a Gisela Silva, actual directora da Rádio Mais. Fazíamos o espaço infantil juntas.

 
Foi bem recebida pelos profissionais considerados gurus da Rádio Huíla?
Fui muito bem recebida. Ao ver de perto jornalistas como Aurora Guerreiro, Rosa Gonçalves, Esperança Java, João Baptista, Roque e outros, fiquei muito emocionada porque eram vozes que já ouvia a partir de casa. Eu já ouvia as suas vozes e quando cheguei à Rádio foi só materializar o que se passava na minha cabeça. Não tenho queixas. Fui bem recebida, graças a Deus.

 
Quando vamos receber uma instrução, nem tudo é um mar de rosas. Algum dia ficou triste ao ser ensinada pelos jornalistas que acabou de referir?
De facto. Quando vamos receber uma instrução nem tudo é um mar de rosas. Nestas ocasiões, recebemos de tudo um pouco e não apenas elogios. As reprimendas são bem-vindas. Sempre pensei assim. Já tive a oportunidade de fazer estágio com os jornalistas Joaquim Gonçalves, Augusto José, Carlos Marcos, Celestino Gonçalves, actualmente na Rádio 5, e Manuel Esperança (Rádio Nacional). Todos que estavam à minha volta serviam de suporte. Recebi também muito carinho do ex-operador de som António de Brito, de feliz memória. Quando saí do programa infantil, comecei a fazer continuidade. Mesmo ali, contava sempre com o apoio do operador de som. O sonorizador Rui de Sousa e o José Roberto também desempenharam um papel importante na minha carreira.
 

Quais são as recordações que carrega daqueles profissionais que sempre estiveram ao seu lado?
Lembro-me de uma vez entrar no estúdio e ler um texto sobre as abelhas. Enquanto lia, o Tio Zito fez uma paragem e pelo intercomunicador corrigiu-me a pronúncia de abelheiro. Fiquei nervosa e no fim agradeci bastante. Recebi toda a instrução possível, procurei e sempre me coloquei na posição de quem está a aprender. Até hoje, estou sempre disposta a aprender.

 
Qual é a comparação que faz com a actual geração?
Acho que actualmente temos uma geração que, se calhar, não bebe do que eu bebi. Não sei se nós é que estamos a falhar. Mas, de qualquer forma, foi algo muito bom.

 
Será que algum dia já chorou ao ser corrigida nesta profissão que abraçou, onde se diz sempre que ninguém sabe tudo?

Sempre fui muito mimosa. O chorar não é no sentido da reprimenda que recebo, mas no sentido de pensar em falhar. O meu medo foi sempre o de não alcançar as expectativas. Sempre me senti bem diante de uma correcção. Temos colegas que corrigem de todas as formas. Há quem seja mais moderado e outros nem tanto assim. Para quem quer aprender, independentemente do tom da voz, o importante é tirarmos o essencial da correcção e aprender a fazer melhor.  Sempre fui mimosa e chorava por qualquer coisa. A minha mãe diz que nasci mimosa. Por isso, ela me chama "Lila”, que em umbundu significa "choro”. As pessoas mais próximas sempre me chamam Lila.

Em que ano foi promovida a chefe de realização de programas?

Fui promovida em 2016. Na altura, o director da Rádio Huíla era o jornalista Alves António, que respeito muito, não só como líder, mas também como pessoa. Alves António é um líder que prima muito pela meritocracia. Quando recebi a proposta de ser chefe, tive que tomar um posicionamento.  Já exerci o cargo de chefe do turno da noite. Na Rádio Huíla, fazemos de tudo um pouco. Realizamos, apresentamos e reportamos. Fazemos de tudo um pouco. A maioria dos profissionais também são realizadores. Passei a chefe da realização quando a jornalista Aurora Guerreiro foi à reforma.
Antes eu reagia com lágrimas nos olhos para qualquer coisa que me magoasse. Qualquer atitude negativa de algum colega eu chorava, por sentir com muita facilidade o peso de alguma coisa má que me acontecia. Depois tive que mudar esse posicionamento. Uma chefe não pode chorar na frente dos subordinados. Então fui mudando.

 
A maturidade e a meritocracia contaram na sua carreira?

Sempre tomei um posicionamento sério relativamente ao trabalho. Vim à Rádio aos 13 anos. Quase não saía de férias. Estava sempre na Rádio porque tinha a sensação de que se saísse iria perder o meu lugar. Era muito obediente. Deixar um espaço ou rubrica era uma coisa séria. Hoje há programas que caem. Não que se perdeu a seriedade. Mas sentimos que alguns colegas não levam muito a sério o trabalho que fazem e fico muito impressionada. Trabalhar com profissionais de uma geração com maior exigência requeria de nós muita dedicação e esforço. Eu fazia isso. E acho que foi por mérito, dedicação e responsabilidade que cheguei onde estou. Sempre me foquei nas minhas responsabilidades. Não gosto de fazer nada por obrigação. Se sei que é minha responsabilidade, faço sem esperar que me venham pedir contas.

 
Qual é o director que mais  a marcou e porquê?
Quando cheguei à Rádio Huíla, o director era o jornalista Celso do Amaral. Já trabalhei com Joaquim Gonçalves, seguidamente com Alves António e actualmente com Augusto José. Cada um tem e teve influência importante na minha carreira.

 
Pode citar exemplos?

Por exemplo, falar do director Celso Amaral é falar de um profissional que sempre estava presente e disposto a ajudar e a fazer o nosso trabalho sempre melhor. Em termos de locução também é uma referência para mim. O jornalista Alves António era um dos directores mais rígidos no sentido positivo. Exigia-nos muito mais, o que é muito normal, porque quando o superior hierárquico é muito flexível, os trabalhadores tendem a abusar. Alves António também marcou-me bastante porque foi na sua época que passei para outra categoria profissional. Nada vem do nada. Ele confiou em mim porque gostava do trabalho que fazia. Lembro-me que eu saía às 0h00 e às 6h00 da manhã já estava na rádio a fazer reportagem sobre o movimento da cidade, no programa Huíla em Movimento.
Joaquim Gonçalves era aquele director que estava no gabinete mas sempre atento e a acompanhar o que você estava a fazer. Também estava sempre aí para influenciar e aumentar o nosso leque de conhecimentos e a ajudar-nos a melhorar.
Augusto José, o actual director, é aquele profissional que conheci quando cheguei à rádio como profissional normal. Conheço a sua trajectória. Sempre aprendi e aprendo muito dele. Sempre foi um jovem dedicado e muito profissional. Tanto é que mesmo agora, mesmo sendo director, continua a ler noticiários e a escrever notícias.
Qualquer um deles tem uma marca. Todos me marcaram pela positiva. É na direcção do jornalista Augusto José que passei a fazer também parte da direcção. Isso marca-me muito. Acho que é muito complicado ter de dizer a marca que cada um deixou pelo lado negativo. Todos contribuíram positivamente.


Com a sua trajetória de ascensão, a balança pesou também na folha de salário?
Quando houve a reestruturação, a rádio nacional deixou de pagar os realizadores. Neste momento, não ganho como realizadora, mas como uma profissional normal. Como não fui despromovida como tal, acho que a empresa está a tentar organizar-se em função disso. Continuo a desempenhar funções de chefe de programas. Além de fazer o Huíla em Movimento, durante o mês de Março também fiz o programa "Huíla à Tarde”, porque o colega Carlos Marcos andou de férias. Foi uma experiência nova e positiva. Realizo também o programa Huíla Total, que era feito pelo jornalista Sangueve Gabriel. Vou dando também apoio ao programa das crianças. Apresento jornais, faço continuidade. Faço de tudo um pouco. Alguns dizem que estou na Rádio de manhã, à tarde e à noite.

 
Caso receba a proposta de dirigir uma emissora provincial, em função da igualdade do género, está preparada?
Preparada como tal diria que não. Mas são desafios que devemos enfrentar e é um risco que a pessoa tem que correr. Acho que se surge uma proposta dessas é porque há uma razão de ser. É algo positivo que mostra a nossa capacidade.

 
Está capacitada para dirigir uma emissora provincial?
Acho que capacitada como tal nunca estamos. Mas eu era capaz de arriscar e avançar, até porque não me considero nada sem Deus. Em tudo Deus tem sido o meu baluarte. Arão Martins, é um segredo e não tenho vergonha de dizer isto. Partilho com os meus estudantes isso. Até para ler um jornal, eu normalmente peço a Deus. Depois de mais de 20 anos na profissão, normalmente peço a Deus, até hoje, para que tudo corra bem, para que eu não faça nenhuma borrada. Em tudo que eu tiver que fazer coloco Deus a frente. Com Deus, eu seria capaz de dirigir uma emissora de rádio em qualquer província do nosso país.

 
Em quais das províncias gostaria de trabalhar, depois da Huíla?
Gosto das províncias de Benguela e do Huambo. Huambo por ter clima quase semelhante ao do Lubango e Benguela por não ser tão agitada como Luanda.

 
Para além de jornalista, tem outra ocupação?

Sou formada pelo ISCED-Huíla. Sou também professora. Dou aulas no Instituto Superior Politécnico Independente da Huíla (ISPIH), na disciplina de Língua Portuguesa, na especialidade de Literatura de Expressão Portuguesa e Língua Portuguesa e Literatura Infanto-Juvenil. Confesso que gosto mais de literatura infanto-juvenil, por fazer despertar em nós a criança. As crianças são seres cheias de paz e amor.


Qual é a opinião que tem sobre o qualificador profissional na classe jornalística?
Acho que é oportuno termos um qualificador, de facto. Tem se dito que cada um deve colher o que semeia. Cada um deve ganhar em função das suas valências e competências. Infelizmente, na classe há muita gente que dá muito de si e não vê os proveitos disso. Já é mais do que altura de implementar o qualificador. Ninguém devia ganhar além do que merece. Há muita gente que se formou e não vê o seu nível académico referenciado no seu salário. O mesmo acontece com o tempo de serviço. Na classe, temos profissionais a quem podemos tirar o chapéu. Além do talento, têm vocação e amam o que fazem. Há quem tem mais tempo de serviço e com experiência superior em relação ao outro, além do desempenho profissional. Acho que esse qualificador deve olhar mais para o desempenho profissional. É mais do que altura de se implementar o qualificador. Com isso, vamos ter um salário mais justo.

 
Como concilia a docência, o jornalismo e o facto de ser mãe?
Nem consigo entender. Deus tem sido a minha força para tudo isso. Já cheguei a falar para a minha filha que já não me suporto. Se não me suporto, não quero imaginar os que estão à minha volta. Vivo maritalmente há mais de 20 anos. O meu esposo tem sido muito compreensivo. O facto de estar a trabalhar fora, acho que isso me ajuda a me desdobrar melhor nos meus afazeres. Quando ele está, a coisa fica mais aliviada porque dividimos as tarefas. Saio da cama muito cedo.  Dou aulas até sexta-feira e por causa da rádio não tenho feriado. A nossa folga é quando não estamos a fazer um programa. De resto, estamos sempre na rádio. Nunca tenho tempo para estar com a família para uma boa sobremesa. Mas sempre que posso, dou essa atenção.

 
Que Rádio Huíla temos hoje?

Temos uma rádio mais jovem, conduzida por jovens. Os nossos mais velhos vão dizer que não estamos nos carris como antes. É a tal crise das gerações. Mas de qualquer das formas, acho que temos uma rádio mais evoluída e facilitadora, por causa das tecnologias de informação e comunicação, capacitação e apresentação de programas e interacção com os ouvintes. A nova geração deve conciliar as novas tecnologias à competência e profissionalismo que os mais velhos tentam passar. Há jovens que levam a comunicação social de forma relaxada, pensam apenas falar e fazer animação. Na verdade, rádio é muito mais do que isso. Temos que ser boa influência para os outros. A rádio de hoje tem tudo para dar certo. Só é preciso que a nova geração se municie com os mais experientes.
 

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