Cultura

Folk Tales: um oásis de vida

José Luís Mendonça

Quem já visualizou com precisão e minúcia as estórias do marinheiro Corto Maltese, desenhadas por Hugo Pratt, há-de rever nas telas de Cláver essa fugacidade evasiva da Vida a escorrer pelos dedos do Tempo.

07/02/2021  Última atualização 14H57
Evan Cláver, um jovem artista plástico © Fotografia por: DR
Evan Cláver vem contar-nos estórias descoladas da História de Angola, como quem chora e sorri, como quem se destapa à meia noite na Mutamba e caminha nu até à Marginal. Há um predomínio da tinta preta, retratos do homo angolensis remasterizados pelo constante fluir sangue e pelo torpe acender das armas no estômago da bandeira, o vermelho túrgido da veia inflamada na boca das coisas, o amarelo fugidio a iluminar a esperança e tudo encerra ou se liberta como um céu azul, sob o vento do deserto.

O artista oferece-nos 28 buquês de flores, cujas pétalas são as três cores da bandeira da República de Angola um dia antes do início da luta armada, e, desses buquês celebrativos, exalam aromas cromáticos plenos de um sincronismo plástico que reúne o passado, o presente e projecta o futuro, pela negação das armas do presente.

Aficionado pelo cinema e pela arte de o fazer, Cláver projecta a sua pintura como um editor de imagem e um fazedor de celulóides. As figuras antropomórficas que faz desfilar sobre a tela carregam o dinamismo do momento que ele fixa à imortalidade da Arte tendo como pano de fundo um movimento de roldanas, metais circulares e outra tecnologia coreográfica da alma de uma nação de nações em metamorfoses.

A pátria é uma ficção política, pois que o homem mais antigo, na Idade da Pedra, não usava passaporte e até os ameríndios dizem que a terra não pertence aos homens. A pintura de Evan Cláver desloca o racional para o âmbito da reinvenção do mundo feito luz branca de estrela cadente na boca do povo em busca do milagre de uma Segunda-feira anti-neoliberal. Satiriza o absurdo da tirania ideo-estética na capa do livro de leitura da terceira classe nos anos 60 e na capa do manual de História dos anos 80. Depois enche-nos o olhar com o sorriso das crianças, o espaço entre os dedos da cidade, a sujidade das unhas do sol, os cabelos da juventude a sonhar alto como a maresia solta da Ilha de Luanda.

A revolução é um carro armadilhado com um jovem armado a rondar a penumbra dos acontecimentos. Pode, portanto, explodir connosco lá dentro ou nas proximidades dessa tela tingida de noites. Esta é uma exposição apenas a três cores quentes a arder de incredulidade histórica e uma cor azul que é como Deus devia chover sobre as nossas vidas do Terceiro Mundo, onde não há nada mais para pintar senão a busca constante do único sentido ainda válido para o nosso tempo: o afecto. Ou, como diria o pensador francês Edgar Morin "Nós precisamos de viver em pequenos oásis de vida e fraternidade.”

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