Entrevista

“Há ainda uma tendência especulativa no nosso mercado”

Resultante da dinâmica implementada e das oportunidades que o mercado oferece, segundo o gestor da ZEE, vários produtos feitos naquele espaço são consumidos a nível nacional e internacional. Por exemplo, a produção de embalagens de vidro representa mais de 50 por cento da quota de mercado e há também exportação deste produto para a Namíbia e África do Sul. Já os lacticínios (leite e yougurte) produzidos abastecem o mercado nacional pelas 18 províncias.

27/05/2021  Última atualização 05H30
António Henriques da Silva, PCA da Zona Económica Especial (ZEE) © Fotografia por: Contreiras Pipa | Edições Novembro
Que Zona Económica Especial (ZEE) temos e qual a que pretendemos ter?
Temos uma Zona Económica Especial (ZEE) ágil e dinâmica, comprometida com a busca de investimento privado no sentido de melhorar os níveis da industrialização e da diversificação que o País tem como prioridade no sector da economia. Trabalhamos para desburocratizar processos e simplificar a aprovação de novos projectos e serviços. Temos uma ZEE onde coabitam novos projectos de investimento privados e investimentos de gestão pública em fase de transição à gestão privada, uma ZEE capaz de gerar lucros ao seu accionista Estado , mais aberta e imparcial. Com o objectivo de aumentar categoricamente o índice de investimento directo estrangeiro, de forma a emancipar o desenvolvimento de projectos estratégicos que no seu conjunto vêm agregar o potencial de crescimento, inovação e competitividade em Angola. A ZEE é um dos pilares fundamentais para o estímulo da economia angolana, um veículo robusto para fomentar a criação de emprego e, por derivação, aumentar o índice de empregabilidade do país; impulsionar a cadeia primária onde consiste a produtividade; aumentar o volume de exportações e a consequente redução da dependência de mercados externos ilustrada na elevada taxa de importação; promover o desenvolvimento do PIB não petrolífero e a atracção de IDE (Investimento Directo Estrangeiro). Contamos ter uma Zona Económica de referência na região, e posteriormente, com trabalho árduo, e aplicação das inúmeras estratégias de desenvolvimento, conseguir um bom posicionamento em África e a nível internacional.
 
A Industrialização do país é um desafio e ao mesmo tempo uma necessidade. Estamos a seguir o melhor caminho para lá chegar?

Achamos que sim e a ZEE tem desempenhado um papel importante nesse processo de industrialização, só neste campo e pela importância da industrialização na economia nacional, a ZEE detém uma reserva industrial, localizada na província de Luanda, no Km 28 no município de Viana, a mais ocupada e desenvolvida em termos de infra-estruturas e empresas, conta actualmente com cerca de 112 lotes infra-estruturados correspondentes à primeira fase de infra-estruturação da ZEE, num perímetro de cerca de 4,000 hectares; detém um território destinado à ocupação industrial, que constitui o maior espaço em Angola para implementação de projectos da indústria. Grandes toneladas de produtos diversos são produzidos, anualmente, na reserva industrial de Viana, quantidade responsável por abastecer uma grande margem dos principais mercados, lojas e distribuidores à nível de Angola.


Em Angola há a máxima de que a Agricultura é a base e a Indústria o factor decisivo. Ainda vale como referência esta matriz de desenvolvimento?
Certamente que sim e não só. Esses são sem rodeios sectores estruturantes da nossa economia, apesar de os dois em conjunto ainda não representarem o peso efectivo do potencial que lhes é reconhecido por via dos vários factores, desde a necessidade de substituição das importações por produção local e o enorme potencial agrícola que o nosso país tem. No contexto em que essas palavras foram pronunciadas, isto, há mais de 38 anos, numa realidade completamente distinta da actual, em que a máxima realmente representava essa franja da economia, hoje com a explosão da tecnologia e o avanço da ciência, o impensável pode se tornar uma máxima para o desenvolvimento, como é o caso de vários países do mundo, que se firmaram gigantes até sem riquezas materiais. No caso de Angola em contexto actual, o avanço da ciência é a base e o trabalho qualificado o factor decisivo, não se pensa nem se faz indústria sem mão de obra qualificada nem mentes brilhantes capazes de arquitectar estratégias derradeiras para o desenvolvimento.


Quando o PCA diz que a ZEE obteve lucros e inclusive distribuiu dividendos ao accionista Estado, o que pretende fazer passar ao mercado?
A ZEE está num processo de transformação, num momento em que a economia nacional enfrenta desafios diversos. A ZEE anda de mãos dadas com as políticas do Estado. Este resultado é fruto, primeiro, do conjunto de reformas que estão em curso a nível político, económico e numa menor escala a nível da melhoria da sua capacidade de gestão, resultante de uma tomada de decisão para o efeito. E na sua continuidade, um reajuste do seu modelo de negócio, por forma a que se potenciassem melhores práticas que devem ser características de uma empresa. Pretendemos fazer passar ao mercado a realidade que se vivencia na ZEE, consubstanciada de um quadro evolutivo dos seus 11 anos de existência, em que pela primeira vez, os resultados depois de 1 ano do mandato da sua actual gestão, os resultados foram positivos (2018-2019), isto é, resultados líquidos de 192,2 milhões de kwanzas em 2018 e de 532,7 milhões em 2019, permitindo assim que, pela primeira vez desde a criação da ZEE, fosse possível a entrega de dividendos ao accionista Estado no valor de 10 por cento dos resultados líquidos obtidos.


Foi exigência do accionista?

Não achamos ter sido uma exigência do accionista, mas considerando que qualquer accionista tem dentro das suas expectativas a rentabilização do seu negócio, é por isso expectável que este gera dividendos. Um exercício que passa um sinal de mudança, se tivermos em conta o ciclo anterior de existência da empresa, que mobiliza os seus trabalhadores quanto à margem de progressão possível do crescimento da empresa e credibiliza a mesma do ponto de vista da sua viabilidade económica e financeira. E, sendo este o Estado, um olhar mais profundo sobre um investimento que acaba por ter sido em nome de todos nós, contribuintes.

Quais os indicadores em termos de empregos previstos e realizados?
Em termos de emprego, a ZEE criou até ao momento seis mil postos de trabalho, sendo mais de 90 por cento dos beneficiados cidadãos nacionais. Projectamos que este número aumente, dado ao crescente interesse de implementação de projectos na ZEE, se tivermos em conta os 49 novos projectos aprovados (entre os já em funcionamento, em diferentes fases de execução e os previstos para iniciarem a operação até Dezembro de 2021).

Porquê se confunde a ZEE e a Zona Industrial de Viana, ou haverá mesmo alguma relação?
Confunde-se dada a natureza primária de actividade industrial desenvolvida em ambas, cujo objectivo comum é de aumentar os níveis de produtividade do nosso país, contribuindo para a diversificação da economia. Não obstante a caracterização específica de uma Zona Económica Especial, por um lado, e um pólo industrial, do outro.

O senhor fala com uma convicção que gera de facto confiança. Não teme ser acusado de pintar realidades?
Enquanto a pintura for feita com factos, e estes capazes de serem verificados, não achamos que exista uma razão para colocarmos em dúvida seja  o que for. Por isso, não precisamos inventar nada, porque a roda foi há muito inventada e o que pode ser feito com muito trabalho, entrega e dedicação só vai depender de nós mesmos, em razão de acreditarmos que seja possível mudarmos a nossa realidade para melhor. Assim acontece quando existe uma visão, uma estratégia, e um plano para a sua execução. Sendo este último o elemento ou a parte que, cabendo a uma equipa de gestão como a que eu lidero executar, da melhor forma possível, a implementação efectiva dum projecto  determinado, no caso da ZEE, cada vez mais próxima das expectativas que geram em torno do mesmo.

Como é feito o intercâmbio entre a ZEE e a AIPEX?
A relação institucional é obrigatória, porque uma tem a responsabilidade de investimento privado e promover o país, e a outra tem a finalidade de garantir condições para a instalação desses investimentos, devem andar juntas para o  melhor alcance dos objectivos do país. Cada uma na sua respectiva área de actuação.

Qual o país estrangeiro que mais investe no sector industrial?
Se considerarmos que nos últimos anos os investimentos feitos por estrangeiros no nosso país estavam mais focados no comércio, hoje, com as medidas que têm sido adoptadas pelo Executivo, para fomentar a produção interna, estes operadores comerciais estão a virar-se para a indústria. Este é o caso de operadores de origem indiana na ZEE, como a Mafcom, a Gulkis, no sector alimentar e outros que, vendo no mercado uma oportunidade, investem agora no sector da indústria transformadora. O mesmo está a acontecer com uma franja de investidores chineses e eritreus, que se viraram agora para a produção local de bens em detrimento da importação. Tendo sido colocado na agenda da governação como prioridade a atracção de investimento privado nacional e estrangeiro para o país, e como parte integrante deste um conjunto de medidas afectas à própria Lei do Investimento Privado, regista-se também já um elevado interesse de empresários dos Emirados Árabes Unidos e não só, para investirem na indústria em Angola.

O PDIA 2025 está avaliado em 120 milhões de dólares. O valor é suficiente, possível ou devía-se agregar outros parceiros?
Partindo do princípio que o valor avançado tenha sido resultante de um estudo efectuado pelo sector, acreditamos que este tenha uma meta exequível. Não obstante, se olharmos para o potencial do país, certamente que este número poderia ser outro. E será com esta perspectiva que a ZEE,  AIPEX e outros parceiros previstos no plano trabalharão para resultados mais abrangentes.

No agregado, o que já pagaram a  ZEE e as fábricas lá instaladas em contribuição fiscal?
Em relação à ZEE EP, para os anos de 2018, 2019 e 2020, importa referir que em termos fiscais a empresa já efectuou liquidações fiscais de cerca de 674 milhões de kwanzas, dos quais 240,3 milhões de IRT, 54,9 milhões referentes à Lei 19/14, 21,8 milhões de IPC, 63,2 milhões de Imposto de Selo, 74,2 milhões de IPU, 213,9 milhões de IVA e 5,3 milhões de Imposto de Dividendo.

A visita que realizaram os embaixadores acreditados no país teve que finalidade?
Um dos nossos principais focos é atrair investimento nacional e estrangeiro também. Esta visita foi planejada em parceria com o MIREX e tem a finalidade de mostrar aquilo que se faz em Angola e também as oportunidades que a ZEE oferece aos investidores dos seus países. Achamos oportuno mostrar aos embaixadores, pois eles são porta-vozes credíveis nos seus países. Houve um grande interesse por parte do corpo diplomático acreditado na República de Angola. Em paralelo à visita, organizámos uma Feira de produtos feitos na ZEE, o que aumentou ainda mais. Com esta visita, queremos mostrar que Angola ruma a passos largos para a industrialização, que hoje, muito do que se consome no mercado nacional é produzido localmente. Ou seja, através da visita dos embaixadores internacionalizar a marca "Feito em Angola”, criar parcerias de negócio e principalmente atrair mais investimento privado à ZEE.

Como o aeroporto, caminho-de-ferro, portos e melhores estradas por Luanda poderiam acelerar a solidez e resultados da ZEE?
A localização estratégica é uma mais-valia no que tange à facilidade que os investidores precisam para o escoamento da produção e também na cobertura das principais necessidades de transportação, próprias de uma Zona Económica Especial dinâmica, vêm dar ênfase ao leque de bens e serviços, incluindo infra-estruturas disponíveis.
A possibilidade de realização do seu Plano Director, cuja concepção prevê, além do parque industrial, um conjunto de equipamentos característicos para uma zona económica especial, cuja implementação certamente poderão contribuir para a dinamização da vida no interior da ZEE, tais como escritórios, residenciais, lazer, educação e ensino, entre outros. E deste modo projectar um futuro da ZEE muito além daquela que ela é hoje. A estas que servem de grande suporte aos negócios, juntam-se as infra-estruturas internas da ZEE, que compreendem os acessos e arruamentos comuns que contemplam estações de tratamento de águas residuais, redes principais de água, um Porto Seco, energia eléctrica. Para maior facilidade às empresas da ZEE, foram criados diversos serviços de apoio às actividades das mesmas, de forma a satisfazer as necessidades das instituições bem como dos seus colaboradores, uma estação de energia eléctrica, baseada num sistema de distribuição de acordo a necessidade de cada investimento, em parceria com a empresa nacional de distribuição de energia eléctrica (ENDE), que fornece 24 horas por dia de energia eléctrica a mais de 80 unidades produtivas e serviços internos, com uma capacidade de 96 Mva, uma rede de águas que garante o fornecimento da distribuição na ZEE, um centro de reserva de água potável de 2x 1900 metros cúbicos. Existem  infra-estruturas de telecomunicações com a mais alta tecnologia por fibra óptica garantidos em cerca de 100 quilómetros de extensão, uma rede de esgoto de mais de 21 quilómetros, uma rede de combate a incêndios de 41 hidrantes, uma rede de águas pluviais de 57 quilómetros de extensão, e uma estação de tratamento de águas residuais.


Também admira com o facto de a produção de bens e serviços não representarem na generalidade queda de preço?
É verdade que a nossa produção interna ainda não é suficientemente autónoma para suportar o abastecimento completo do mercado nacional.  Há um esforço considerável para que o nosso potencial agrícola seja cada vez mais explorado, para que o país possa avançar a um nível de produção alimentar sustentável. Além disso, é preciso que todas as franjas da sociedade se juntem aos esforços do Executivo na criação de condições para o aumento da produção local, com vista a suprir as necessidades locais, reduzir as importações e fomentar as exportações. Partilho do entendimento de que para além dos factores associados aos custos de produção (água, energia, acesso a infra-estruturas e outros), determinadas pelo uso de infra-estruturas ou equipamentos, a gestão destes possa também contribuir para a redução de preços dos produtos, sem contarmos também com a tendência especulativa que ainda existe no nosso mercado.


A adesão do país e arranque da ZCLC exige alguma revisão de estratégias?
Não diria uma revisão, pois entendemos que ela já fizesse parte de um plano de médio e longo prazo do nosso Executivo. Obviamente que ajustes pontuais poderão ser feitos por motivos decorrentes da sua implementação. Não obstante ao acima dito, poderão estar equacionadas ao nível do sector privado, das empresas, dos modelos das actividades económicas envolvidas, das oportunidades para se empreender, a criação de novos paradigmas em que, com espírito pioneiro, inovação, sejam proporcionadas novas áreas para crescimento e desenvolvimento, em que os angolanos poderão jogar um papel mais preponderante ao nível do nosso continente, se tivermos em conta as potencialidades existentes, começando pela localização geográfica.


O que se produz na ZEE representa qual quota ao mercado consumidor?
Resultante da dinâmica implementada e das oportunidades que o mercado oferece, vários produtos feitos na ZEE são consumidos a nível nacional e internacional. Por exemplo, a produção de embalagens de vidro representa mais de 50 por cento da quota de mercado e há também exportação deste produto para a Namíbia e África do Sul. Já os lacticínios (leite e yougurte) produzidos na ZEE abastecem o mercado nacional nas 18 províncias. Além disso, há também a previsão de exportação destes produtos para a RDC e outros países vizinhos. Dos produtos hospitalares, a ZEE cobre cerca de 15 províncias, além de estarem também a ser exportados para Portugal. Já no que tange ao cimento cola, os produtos além de servirem o sector de construção civil nacional, são também exportados para a Costa do Marfim e RDC. Estão a surgir novos investimentos no sector alimentar, com realce para a produção de massa alimentar, com uma capacidade de produção de cerca de 4.300 toneladas por mês.


Há um horizonte temporal mínimo e máximo para atingir-se os resultados previstos?

As linhas de actuação para a atracção de investimento privado para o país estão definidas no PROCIP – Projecto de Promoção e Captação de Investimento Privado, aprovado na 10ª reunião ordinária do Conselho de Ministros, realizada no dia 18 de Outubro de 2018, que define a estratégia de promoção e captação de investimento privado para o país, à qual a AIPEX tem a missão de executar.
O projecto prioriza geografias, nas quais deve-se focar o esforço para a atraccão do investimento privado, devidamente alinhado com o PDN 2018-2022 e o PRODESI, concentra acções de promoção para os sectores prioritários, com o objectivo de atrair investimentos dentro da estratégia de aumento da capacidade de produção interna, diversificação da economia, substituição das importações e promoção das exportações.

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