Entrevista

“Há maior preocupação da sociedade em obter informação meteorológica em tempo real”

Hélder Jeremias

Jornalista

Não queremos aqui precipitar a informação, mas é necessário reiterar, como disse atrás, o fenómeno La niña continua activo até meados do mês de Fevereiro e princípio do mês de Março, de modo que temos maior probabilidade de haver chuvas, atenção são apenas probabilidades, durante o mês de Março, mas ainda no final de Fevereiro houve chuvas isoladas em determinadas zonas do país. Oxalá sejam apenas previsões para também facilitar a actividade agrícola no seio das comunidades.

01/03/2021  Última atualização 16H14
Domingos do Nascimento, director-geral do INAMET © Fotografia por: Joao Gomes | Edições Novembro
Que explicação tem a direcção do Instituto Nacional de Meteorologia relativamente à escassez de chuvas nos últimos três meses?
Em termos técnicos, nos é incumbida a tarefa de fazer aquilo que chamamos de previsão sazonal de médio e lon-go prazos. No caso de Angola, habitualmente, este trabalho é realizado no mês de Setembro, o que quer dizer que nessa altura de todos os anos, nós lançamos as projecções referentes à carga pluviométrica trimestral, neste caso  de Ou-tubro, Novembro e Dezembro. Quando foi feita a previsão sazonal para esses três meses de 2020 já se fez a previsão de escassez de chuvas que esta a ocorrer, ou seja, uma irregularidade nas quedas pluviométricas, o que significa haver em determinadas localidades relativa abundância de chuva, ao contrário de outras zonas mais penalizadas, mas, é claro, tudo fora das quantidades normais. Neste contexto, os indicadores apontavam para alguma precipitação mais dentro do normal nas províncias do Cuando Cubango e Cunene, particularmente, e que haveria mais escassez do centro para o norte do país. Era esta a probabilidade! Por outro lado, dizer que há factores com significativo impacto neste processo, isto é, dois fenómenos bastante importantes que acabam por ser o regulador climático a nível mundial: os fenómenos El niño e La niña.

Poderia esclarecer melhor estes fenómenos?
Está previsto por todas as agências mundiais, incluindo a NOA - Organização Meteorológica Mundial, que todo o globo estará sob o efeito do fenómeno La niña, responsável pelo resfriamento das águas do Oceano Pacífico equatorial. Portanto, é o efeito da actividade do oceano que acaba por influenciar a atmosfera, resultando em grandes irregularidades naquilo que é o fenómeno da precipitação e temperatura ambiental. Sendo assim, previu-se que este fenómeno poderia continuar activo até meados de Fevereiro ou princípio de Março de 2021. Previa-se que o La niña fosse moderado a forte. Pelo menos do nosso lado, não podemos dizer que tenha sido forte, mas sim moderado e continua a verificar-se. O El niño, por seu lado, é o inverso, sendo o aquecimento das águas do Pacífico.

Tratando-se de um fenómeno previsível, por que razão é que o país não se preparou para tal cenário?

O que eu devo dizer é que quando nós preparamos esta informação, temos o cuidado de convidar os interlocutores, ou seja, os utilizadores directos desta informação. Estamos a falar da Agricultura, Saúde, Recursos Hídricos, Ambiente, uma série de ‘players’, portanto, entidades utilizadores, ou melhor, usuários da informação meteorológica, inclusive os órgãos de comunicação social, pelo que colocámos esta informação a nível da imprensa. Naturalmente que em 2020, fizemos este processo em duas ocasiões, em Setembro, em formato webinar, no qual convidámos as entidades que acabámos de referir e fizemos num ambiente de discussão, inclusive convidámos até parceiros internacionais que acabaram por assistir a esta nossa actividade.

O que mais foi feito?

Fizemos também a actualização da referida projecção, uma vez que a previsão sazonal serve para apenas três meses e actualizada mensalmente devido a eventualidades  que podem advir de factores alheios ao processo. Neste contexto, a 25 de Janeiro procedemos à actualização da previsão sazonal e outra no dia 25 de Fevereiro. Isto significa dizer que mensalmente fizemos a actualização e fazemos chegar a informação aos destinatários. Agora, importa dizer que todos nós temos que melhorar a cultura preventiva, nós, Inamet, fizemos o nosso trabalho e temos a difícil missão de falar antes (antecipar). Naturalmente o nosso trabalho é prever, mas depois de ocorrer já deixa de ser responsabilidade do Inamet, uma vez cumprida a sua responsabilidade, sendo o resto responsabilidade de outros sectores. Cada um colhe ou trata a informação de acordo com aquilo que é a sua realidade ou necessidade, mas quando nós elaboramos é sempre no sentido de ajudar na planificação das actividades, quer no ordenamento, quer na agricultura, quer nos recursos hídricos. É um sinal em que cada um dispõe da informação e pode maximizar conforme achar necessário.

Sendo o Inamet uma instituição que desempenha um papel importante no que diz respeito à previsão e informação, acha que o país dá credibilidade ao seu trabalho?
Bem, nós sentimos que hoje já existe outra cultura e pessoas muito interessadas naquilo que é a informação meteorológica antes de sair de casa ou para planificar as suas actividades e temos que dizer que não temos outra solução; temos que caminhar por aí, temos responsabilidade a nível do país.  Naturalmente que a informação precisa de ser consumida para nós termos o ‘feedback’ ou retorno.  Em termos de proveito e credibilidade, nós temos sentido que há, de facto, hoje, maior preocupação da sociedade em obter a informação meteorológica em tempo real e do nosso lado dizer que temos aqui que trabalhar na melhoria dos meios de fazer chegar cada vez mais esta informação de forma célere. Hoje temos um portal no Faceboock e mandamos também a informação por e-mails, mas necessitamos que a sociedade seja mais interactiva, a comunicação social joga um papel importante, ao fazer esse trabalho regularmente para que nós, cidadãos, nos  habituemos a planear a nossa actividade de acordo com aquilo que são os fenómenos meteorológicos. É assim que o mundo funciona e aqui posso lhe dar uma réplica que hoje os estudos das Nações Unidas demonstram que 95 por cento das perdas económicas do mundo resultam dos fenómenos meteorológicos. Isto significa que há uma simbiose entre o sucesso e a previsão do fenómeno meteorológico.

Nos últimos dias tem estado a chover com fortes estragos em determinadas regiões. Nada disso é estranho aos vossos serviços?
Não é estranho, uma vez que, tal como disse antes, isso era previsto e a actualização das nossas previsões no dia 25, previam chuvas nestas localidades (Cunene e Cuando Cubango)e é, de facto, o que está a ocorrer. Parte do Leste do país, mormente parte do Moxico e da Lunda-Sul, consequentemente alguma região do Norte, no Uíge e Cabinda, sobretudo, têm registado alguns índices de precipitação. No entanto, continuamos a ter escassez naquilo que é chamada a bacia hidrográfica do país, é aí que reside a grande contrariedade, porque parte da província do Bié, que faz fronteira com o Moxico, também está a receber chuvas, mas no litoral, tirando Cabinda, na realidade, há escassez. O centro do país, concretamente nas províncias da Huíla, Huambo, Benguela e assim em diante, há, de facto, essa escassez.

Pode nos dizer o que se prevê acontecer nos próximos três meses?
Não queremos aqui precipitar a informação, mas é necessário reiterar, como disse atrás, o fenómeno La niña continua activo até princípio do mês de Março, de modo que temos maior probabilidade de haver chuvas. Atenção, são apenas probabilidades, durante o mês de Março, mas no final de Fevereiro houve chuvas isoladas em determinadas zonas do país. Oxalá que sejam apenas previsões para também facilitar a actividade agrícola no seio das comunidades. As chuvas têm sempre uma influência positiva, mas durante o mês de Fevereiro assistimos ainda essa irregularidade, com perspectiva de melhoria neste mês de Março.

Partindo do pressuposto de que as previsões do Inamet têm forte influência e consequência na economia, quais são as vossas propostas para maior valorização?
O Instituto, em si, tem grande influência em várias actividades, ou seja, acaba por estar em todas as actividades, quer na aeronáutica,  na agricultura, nos seguros, ambiente, recursos hídricos, construção civil, ordenamento do território, pescas,  transporte marítimo, ferroviário ou rodoviário, etc. Por esta razão, temos que trabalhar de mãos dadas com todos estes sectores. Há outros institutos que podem também interligar-se à nossa actividade, mas é importante dizer e, desde logo, aproveito a oportunidade para dizer que a previsão meteorológica sofreu um grande impacto com a Covid-19. A pandemia influenciou negativamente a previsão meteorológica, porque a actividade aeronáutica acabou por ter influência na previsão, isto porque todas aeronaves fornecem informações para os centros globais de meteorologia.

Explique-nos melhor esse procedimento...

Os mais diversos níveis de voos passam informações desses elementos meteorológicos que acabam por dar suporte àquilo que são os modelos globais que ajudam na previsão. A própria previsão está mais propensa à falha, não só a previsão de Angola, mas de toda a parte do Mundo. A Europa, por exemplo, teve dificuldades de coabitar com o que está a acontecer nos últimos tempos, pois há áreas em que não se previa nevar e nesta altura está a cair neve. O último período em que o globo esteve sob o efeito do fenómeno de La niña foi em 2011-2012 , com intensidade forte ou moderada forte. Isto é ciência e não há aqui um trabalho individual, por isso temos ligação com os centros regionais ou globais, no qual estamos devidamente credenciados e inscritos como membros legais representantes de Angola. Temos um lema, ou seja, "em meteorologia não existem fronteiras”, já que o que acontece aqui, pode arrastar-se para o país vizinho.
 
Tendo-se referido aos fenómenos de El niño e La niña, que diferença pode fazer entre a seca e a estiagem?
Não temos uma situação de seca, pois seca significa a ausência de precipitações durante um período muito prolongado, que pode ser acima de três meses, mas não é o que está a acontecer. No caso particular de Luanda, em que tivemos chuvas ainda em Novembro, e creio que em Dezembro, também tenha caído uma chuva. Em quase toda a parte do país, houve chuvas irregulares, o que nos dá aquilo que se chama estiagem, um período longo ou médio sem caírem precipitações. Se olharmos para a parte Norte, no mês de Novembro houve um atraso. Os agricultores estão melhor informados que nós, pois as chuvas atrasaram, tendo iniciado em Novembro e, infelizmente, no mês de Dezembro também choveu, mas temos que referir que se trata de um mês pouco característico como chuvoso, marcado por um período de cerca de 15 dias, que chamamos de pequeno cacimbo, por ser um período em que normalmente não chove.

Quais são os fenómenos que na região subsariana devem ser mais acauteladas?
A nível da SADC existem zonas mais severas do ponto de vista meteorológico, já que estamos na zona do Atlântico Sul, ou seja, somos banhados pelo Atlântico Sul, temos fenómenos mais tranquilos, que têm sido mais moderados. Temos fenómenos mais tranquilos que são aqueles com que temos lida-do. No nosso país, existem os ventos fortes, chuvas com trovoadas e cargas eléctricas que têm sido a grande preocupação e, em algumas áreas, no tempo de Cacimbo, o fenómeno de geada acaba por estragar algumas culturas. Podemos falar também nas cheias, inundações, relâmpagos, descargas atmosféricas que têm dizimado alguns dos nossos concidadãos.

Que tipo de actividade humana tem influência na meteorologia?
A desflorestação e as queimadas acabam por ter influência nos chamados ciclos me-
teorológicos, pois estamos a tirar árvores e não as repomos, acabamos por criar um desequilíbrio, causando o aquecimento. São consequências que não se fazem sentir de imediato, mas ao longo dos anos, vai ter efeito e acaba por afectar todo um processo, ou seja uma rotina.

O que nos pode dizer sobre o registo de algum tremor de terra ocorrido em determinadas localidades do território nacional?
É nossa responsabilidade  prever todas as alterações do ponto de vista meteorológico e, obviamente, o monitoramento da actividade sísmica, de modo que os fenómenos que acaba de referir ocorreram. Embora nos encontremos numa zona tectónica estável, e isso já foi comprovado a partir de determinados estudos, mas temos que ter alguma cautela. Em 2020, aqui próximo de Luanda, em Nambuangongo, ocorreu um fenómeno sismico, bem como no troço Quibala- Gabela, no Cuanza-Sul, e no município da Ganda (Benguela). Quer dizer que, se aliarmos a isso ao facto de que em 2018 tivemos fenómenos idênticos, que ocorreram nas cidades do Lubango (Huíla)e em Moçâmedes (Namíbe)em momentos diferentes, vemos que há uma tendência de agudização destes fenómenos.

Que medidas devem ser tomadas nesse sentido?
Temos que ter a preocupação de preparar o país para momentos mais agudizados. O sismo não se prevê. O que te-mos de fazer é o mapeamento destas actividades, de forma a aconselhar ou proibir  o tipo de construção que deve ser feito nestas zonas com ocorrência destes fenómenos, para acautelar-se os danos em futuras ocorrências. Estes eventos ocorrem diariamente, mas com impacto insignificante que os equipamentos não chegam a registar, dada a fraca magnitude das mesmos.

Como é que o Instituto está em termos de quadros?
O Instituto tem um grande défice de recursos humanos. Somos uma instituição circular. A área meteorológica está implantada em Angola desde 1820, e nunca parou a sua actividade. É uma instituição envelhecida. É importante abrir uma janela para enquadrar novos quadros para se fazer face ao momento actual. Temos alguns quadros, mas precisamos alargar a nossa base, numa altura em que 70 por cento dos nossos quadros estão acima dos 55 anos, o que representa um indicador de que precisamos de nos renovar o quanto antes.

Para além destas, quais são aos outras dificuldades?
Temos dificuldades nas estações provinciais. Somos uma instituição nacional, implantada nas 18 províncias e temos falta gritante de quadros para dar cobertura. Do ponto de vista da qualidade do homem, temos bons quadros, só que em número reduzido para a demanda que temos, partindo do princípio de que nos aeroportos trabalhamos em regime de turnos. No centro de previsão temos um trabalho de 24/24 horas.O trabalho por turno exige um número maior de pessoas para se evitar que os técnicos trabalhem aos sábados, domingos e feriados. Com a abertura do novo aeroporto é mais um motivo e necessário mais recursos humanos, sem os quais não conseguiremos dar suporte a todos os desafios.

O orçamento do Instituto é satisfatório para as necessidades prementes?
O Instituto é dependente, isto é, não é uma unidade orçamentada. Embora estando implantado em todo o país, não tem orçamento próprio. Apesar de ser uma unidade orgânica, depende do orçamento do Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social. Em termos financeiros, o Instituto não tem pernas para andar. Temos equipamentos instalados em todas as capitais de província e municípios, mas precisamos de fazer manutenção, o que implica fazer deslocar quadros para essas localidades, para manter os equipamentos activos.

Para além destas dificuldades que enumerou, quais são as outras dignas de realce?
Temos funcionários que trabalham por turno, mas que não auferem subsídios de turno, porque não há esta possibilidade. Temos uma série de demandas, mesmo porque a própria instituição a ter funcionários que trabalham por turnos, tem que ter transporte à disposição, alimentação, porque o funcionário não pode abandonar o posto de trabalho. O nosso funcionamento é semelhante ao do médico no hospital, pelo que não se pode abandonar o posto para ir comer fora. O trabalhador que está, por exemplo, no aeroporto não se pode deslocar até ao restaurante para ir tomar o pequeno-almoço, pois a informação deve ser passada hora a hora.

O que deve ser feito para o seu pleno funcionamento?
Em termos globais, o que precisamos é melhorar o nosso orçamento, que é ainda insuficiente. Aumentar os recursos humanos, os meios que permitem a deslocação para se proceder à manutenção dos equipamentos, de modo a torná-los cada vez mais activos, isto porque a nível de determinadas actividades temos uma certificação internacional e somos obrigados a manter essa certificação, porque o sistema é editado anualmente e essa certificação deve ser feita de três em três anos, conforme estipulado.

O trabalho do Instituto já é certificado ou reconhecido a nível internacional?
Toda a nossa actividade aeronáutica é certificada internacionalmente. Temos a ISO 9001-2015, emanada pela OIAC (Organização Internacional de Aviação Civil) que avalia anualmente as competências dos nossos funcionários e quando há este procedimento, precisamos de apoio de uma instituição estrangeira. Tudo isto tem custos, uma vez que já temos esta certificação internacional, e se a perdemos, todo o nosso trabalho fica invalidado e, naturalmente, corremos o risco dos serviços meteorológicos realizados a nível de Angola  serem avaliados de forma negativa e impedirem que os voos internacionais possam escalar Luanda, ou qualquer outro aeroporto angolano. É uma enorme responsabilidade e todo esse processo acarreta custos.

PERFIL

Domingos do Nascimento, natural de Luanda, ingressou no Inamet em 1991, depois da sua candidatura ter sido aprovada num concurso público.
É licenciado em meteorologia, pela Faculdade de Ciências da Universidade Agostinho Neto. Passou pela secção de tratamento de dados climáticos, chefiou o Departamento de Aplicações Meteorológicas, tendo assumido a Direcção do Instituo em 2014.

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