Opinião

Imprensa: pedra angular

Apusindo Nhari

Jornalista

A percepção do grau de liberdade existente num país está frequentemente ligada à diversidade de vozes que constroem a comunicação social.

09/05/2021  Última atualização 10H21
Não é pois por acaso que a liberdade de imprensa seja normalmente vista como a "pedra angular” do edifício da democracia, tal como recentemente reiterou Michelle Bachelet, Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, ao assinalar o 3 de Maio, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, que este ano adoptou como tema "A informação como bem público”.

A "diversidade de vozes” contribui fortemente para o enriquecimento do debate na sociedade, o que se não deve confundir com "multiplicidade de vozes” que, só por si, não constitui um atestado de mais liberdade. Vivemos tempos em que há uma tendência(exacerbada pelas redes sociais) dos cidadãos limitarem os seus contactos e leituras aos grupos com os quais se sentem identificados, limitando, de moto próprio, a sua exposição ao contraditório.
Por outro lado, a imprensa privada serve, por definição - e em todos os países, mesmo ali onde pareça ser a "mais democrática” - os interesses dos seus donos. Independentemente da qualidade que apresente, e sem desmerecer o serviço que pode prestar.

E aí surge a responsabilidade acrescida dos meios de comunicação públicos como veículos permanentes de informação e educação colectiva. Pois esses não deveriam ter uma outra agenda que não fosse a de dar voz à sociedade, num inabalável compromisso com a verdade. Porque é importante que fique bem claro: o que é público, é (deveria ser) de todos os cidadãos, sem distinção.

Quão legítima será a preocupação pelo facto de os media públicos terem os seus órgãos de gestão nomeados pelo Governo? Não limitará o seu nível de independência? Se queremos garantir a sua objectividade, a indicação dos gestores públicos da comunicação social por uma autoridade como a ERCA, se verdadeiramente independente, e a sua aprovação e controlo contínuo pela Assembleia da República, não deveria ser o caminho?

No nosso país - manto de retalhos do ponto de vista histórico, económico e social - a importância de uma comunicação de qualidade e isenta por parte da imprensa pública (particularmente a rádio, que tem uma maior abrangência territorial) é de suma importância, como meio de união e de solidificação do nosso projecto nacional. Um projecto que - tal como está constitucionalmente estabelecido - deve primar por uma luta constante contra as desigualdades, procurando incessantemente ajudar a construir um Estado em que o bem-estar social e o bem-estar cultural estejam ao alcance de todos.

Outra preocupação recai sobre a importância de os media privados terem a obrigação de declarar, pública e regularmente, quem são os seus donos a fim de que os cidadãos possam estar esclarecidos sobre quais os interesses que servem.
A ERCA (Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana), criada em 2017, tem como missão assegurar a objectividade e a isenção da Informação no país, salvaguardando a liberdade de expressão e de pensamento na imprensa. Junto com o SJA (Sindicato dos Jornalistas de Angola) e a Comissão de Carteira e Ética, são instrumentos essenciais para que o panorama jornalístico do país tenha uma actuação mais de acordo com os ditames que a própria Constituição estabelece.

O recente anúncio de revisão ao pacote legislativo que regula a imprensa, cujo processo está em curso (termina a 16 de Maio), leva-nos a questionar a razão de não se optar por um amplo movimento de consulta nacional, que envolva, em primeiro lugar os profissionais do sector, e em segundo, e não menos importante, a sociedade de uma forma geral.
As novas leis propostas, a de Sondagens ( essencial para qualquer acto eleitoral) e a das Rádios Comunitárias (veículo privilegiado para a aproximação do cidadão ao poder, para a resolução dos problemas existentes na sua comunidade e decisivo para as autarquias que se espera venham a ser finalmente implementadas no curto prazo) servirão indiscutivelmente para o aprofundamento da nossa democracia.

Peças legais de tão suma influência no comportamento do cidadão (e na determinação das suas escolhas eleitorais) deveriam ser analisadas com o devido tempo, beneficiar de um processo de divulgação consistente, de uma vasta recolha de contribuições e de uma selecção transparente das propostas apresentadas.

Só será possível melhorar a qualidade da nossa democracia, com o envolvimento dos cidadãos. E a comunicação social tem uma enorme responsabilidade nesse desafio, em particular nos dias de hoje em que enfrenta, de forma desigual, a concorrência das redes sociais (e de outros veículos de (de)formação de consciências, como a imensidão de igrejas). Desafio que só poderá ganhar se conseguir transmitir uma imagem de isenção, e uma atitude de comprometimento, em todos os momentos, com os objectivos maiores da nação.

Para tal, é importante que as alterações e enriquecimentos aos pacotes legislativos - que era de esperar se fizessem durante o presente mandato governativo -não se transformem em oportunidades perdidas na aproximação dos cidadãos ao edifício legal que os deve reger, e em cuja construção devem participar.

* Académico angolano independente

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