Opinião

Insolitude (6-Fim) Gostar ou não eis a questão

Arlindo dos Santos

Jornalista

A série “Insolitude” tem hoje o seu epílogo. Nos cinco textos anteriores atrevi-me a abordar questões pertinentes da nossa sociedade. Interrogações que somam anos de vida e abrangem fundamentalmente a área social do nosso país.

14/03/2021  Última atualização 08H05
Assuntos que tomaram forma indesmentível e têm constituído parte do volumoso ramalhete que, desgraçadamente, compõe hoje o nosso desencanto e descontentamento. Geralmente, faço-o de forma veemente, chamando, nalguns casos, os bois pelos seus nomes. Por razões compreensíveis, contestam a minha postura certas personalidades que se acoitaram durante este período de triste memória, no outro lado da barricada, onde souberam viver a vida sem grandes preocupações. Não é, pois, difícil de deduzir, que a minha narrativa seja incomodativa para alguma dessa gente que tem da liberdade de expressão ideia redutora.

Mesmo depois das transformações já operadas no nosso modus vivendi, continuam a suspirar pelo tempo que passou. Os meus textos nunca poderiam agradar a essas pessoas. Nem sequer tinham a obrigação de agradar, já que não foi com o objectivo de fazer sorrir os desagradados da paróquia que os escrevi.

Confesso que sinto um certo incómodo ao falar, repetidamente, desses assuntos, principalmente dos comportamentos desses compatriotas saudosistas, numa época que nos convida a todos à compreensão dos fenómenos e deviam obrigar-nos a todos a palmilhar caminhos do bom senso, a termos novas maneiras de estar, a desculparmo-nos pelos erros cometidos e a corrigir comportamentos indignos. Mas eles aí estão, presos aos mesmos hábitos e costumes, sustentados por obra e graça de um sistema político desigual e injusto que contraria princípios fundamentais e constitucionais que alguns desses cidadãos acomodados pretendem nitidamente preservar. Ah! Como eu gostaria de encarar uma personagem destas, que tivesse a coragem de me olhar nos olhos e me desmentisse categoricamente, mesmo utilizando a política como escudo! Seria um bom sinal, o mote para um salutar debate de ideias sobre a sociedade angolana e sobre as nossas diferenças. Um debate que, por sinal, acaba de ser despoletado e que, estou em crer, já faz barulho e vai aumentar de tom. Espero que seja e será certamente, tem de ser, da maior utilidade, quando começarmos a falar a sério sobre a revisão pontual da Constituição da República, proposta pelo Presidente João Lourenço.

Na semana passada, apanhado de surpresa, referi que o discurso do nosso PR representava um gancho de boxe nos queixos dos seus adversários políticos e mesmo em alguns dos seus partidários. Cometi um infantil erro de avaliação, uma vez que a resposta da oposição não tardou a surgir e pareceu-me suficientemente forte. Por seu lado, a reacção dos camaradas apesar de firme e sustentada na própria Constituição, deu-me a sensação de falhar na mobilidade de pernas e no jogo de cintura, sobretudo. A discussão ampla está a ser aguardada com muita expectativa pela sociedade civil e nela se encaixarão provavelmente questões da maior importância para a nossa sociedade que não poderão agradar a gregos e troianos. Vamos ter, queiramos ou não, de os abordar com frontalidade e aceitar que não agimos bem ao esquecermo-nos desnecessariamente de muitas delas. Algumas já denunciadas publicamente pela oposição, por muitos analistas e por mim próprio há muitos anos (muitos anos mesmo), por imperativo da minha consciência e do que me sugeriam os meus direitos de cidadão.

Não sendo um cidadão que se envolva em questões profundas da política, presumo, contudo, manter-me na senda da crítica construtiva, não dando nunca guarida a pólos de desenvolvimento de males como o nepotismo, a exclusão, a bajulação, a divisão das pessoas e a impossibilidade da Nação Angolana. Não é difícil concluir que neste período fundamental, a pressão cairá inevitavelmente em cima do partido no poder e necessariamente no seu Presidente, no caso, o Presidente de todos os angolanos, de quem não me canso de enaltecer a coragem que teve em desencadear este processo. Mas, a população angolana evoluiu e vai exigir muito mais dele, e ele sabe disso. O povo ganhou outro arcaboiço e neste momento, apesar de todas as suas insuficiências aprendeu a diferenciar o político sério de um vulgar politiqueiro, vendedor de ideias. Por isso estará atento tanto à postura e à higiene mental dos líderes como dos bons analistas e ainda dos minúsculos palradores de circunstância que, volta e meia nos impingem a debitar barbaridades sobre a política nacional e que somos quase obrigados a escutar. É, em minha opinião, chegada a hora dos grandes pensadores angolanos virem a terreiro, para que, finalmente e através do debate civilizado, surja luz no caminho do nosso futuro.

Vivemos momentos excitantes da nossa vida. Apesar de todas as desgraças, registam-se coisas positivas no nosso país, como a campanha de vacinação contra a Covid-19, realçando-se a estratégia e a forma profissional e ordeira como decorre a campanha que espero venha a atingir o país inteiro. Uma lufada de esperança enche o meu peito quando chega uma mensagem a dizer-me, "já fui vacinado”. Eu aqui na Tuga, ainda não sei quando serei picado. Estão de parabéns os profissionais que abraçaram esta causa (alguns pagando com a vida) que há-de servir como bela experiência, a área da saúde no futuro. Já se vêem muitos produtos agrícolas nacionais a serem comercializados. Em Calulo foi inaugurada a subestação de distribuição de energia eléctrica.
"Aplausos sobre isso”, já dizia o outro. Oxalá que outras se instalem pelo país fora, onde a energia não arranca, ou quando arranca falha, há mais de quarenta anos.

Sou um cidadão preocupado com o presente e o futuro do país e, em face disso, não posso ficar indiferente à miséria que nos cerca e nos ameaça seriamente com dias de desespero. Não posso ficar indiferente diante dos aberrantes fenómenos que afectam a vida da população, perturba-me a desumanidade, ver tanta gente a pedir dinheiro para matar a fome dos seus filhos. Que continuem zangados os que não me suportam, que ganhem um pouco mais de dignidade, porque eu continuarei a ser quem sou. A defender o meu país contra a incompetência e o oportunismo. Até para a semana, caros leitores. No domingo, à hora do matabicho.

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