Sociedade

Instituto de oncologia notificou 198 casos de cancro infantil durante o ano passado

Alexa Sonhi

Jornalista

João Massomba, proveniente da província do Uíge, até aos sete anos era uma criança alegre, saudável e despreocupada com a vida, como outros meninos com quem brincava e dava vários mergulhos num rio próximo à sua casa, no município do Negage.

14/02/2021  Última atualização 07H00
Parte frontal do Centro Nacional de Oncologia, em Luanda, que envia para o exterior do país dois a três doentes por ano © Fotografia por: Eduardo Pedro | Edições Novembro
Com o passar do tempo, o pequeno João, que sonha ser piloto de aviação, passou a brincar pouco com os amigos, só queria ficar deitado, devido à fraqueza que sentia. Mais tarde começou a ficar pálido e sangrar pelas gengivas.
Diante do quadro, a tia que cuida do pequeno João, tendo em conta que a mãe morreu quando dava à luz à sua irmã, levou-o a um centro de saúde, onde apenas lhe foi diagnosticado paludismo e febre tifóide.  
Apesar de ter cumprido com a medicação e ter feito também tratamento com produtos naturais, o quadro do menino piorou, a ponto de não conseguir  manter-se em pé. Preocupada e com pouco dinheiro, a tia pediu contribuições aos membros da família e veio à Luanda em busca de diagnóstico e tratamento adequado. 

Em Luanda, foi no Hospital Pediátrico David Bernardino que a tia do pequeno João ficou a saber que o sobrinho tem leucemia, um tipo de cancro que ataca a medula óssea, causando a acumulação de células doentes, em substituição das saudáveis.
A medula óssea é o local do corpo onde são formadas as células sanguíneas e ocupa a cavidade dos ossos. É nela onde são encontradas os três componentes do sangue, nomeadamente os globos brancos, vermelhos e as plaquetas. Daí a leucemia ser chamada muitas vezes "o cancro do sangue”.

Dado o diagnóstico ao pequeno João, a tia foi informada que teriam de internar durante seis meses, no mínimo, para se tentar inverter o quadro clínico do pequeno, que chegou ao Instituto Angolano de Controlo do Cancro com uma leucemia de nível médio.
Depois de ficar cinco meses sem andar, ter sofrido Acidente Vascular Cerebral (AVC) e passar a apresentar crises epilépticas devido aos efeitos colaterais da forte medicação que recebeu para tentar eliminar o cancro, hoje, passado um ano de tratamento, João, que agora tem oito anos, voltou andar e já reconhece a tia e os irmãos.

Mas, infelizmente, devido à fraca imunidade do organismo, que o deixa sensível à infecções, João não pode ainda regressar à escola e deve usar sempre máscara, até dentro de casa, e evitar ficar no meio de gente, o que faz com que a tia, por orientação médica, não o deixa brincar com outros meninos.
Até ao momento, o pequeno João está a reagir bem ao esquema de tratamento com quinino, radioterapia e outras drogas apropriadas, mas, para se considerar curado da doença, o procedimento deve continuar até pelo menos cinco anos. 


Número de crianças afectadas aumenta 

À semelhança de João, ao redor do mundo e em particular no país, estão muitas crianças com leucemia ou outro tipo de cancro. Só em 2020, o Instituto Angolano de Controlo do Cancro registou um total de 198 novos casos de tumor maligno, de acordo com a directora clínica da única unidade oncológica de Angola.
Segundo Sales Cândido, também especialista em oncologia clínica, um pouco diferente dos adultos, que dependem de factores ambientais e, por vezes o estilo de vida, nas crianças o aparecimento de cancro tem origem hereditária, na maior parte dos casos, e noutros tem a ver com a má formação congénita.

A directora clínica do hospital oncológico frisou que diariamente, em média, são atendidas no banco de urgência 19 crianças, oriundas das 18 províncias do país.  
Sales Cândido informou que a recuperação da criança, que depois pode voltar a ter vida normal, depende muito do tipo de cancro e do estado em que chega ao hospital.

"Se o paciente já passou por várias linhas de tratamento e o organismo não reagiu bem, a ponto de ter como única chance de sobrevivência o transplante da medula óssea, as coisas ficam muito complicadas, porque, em Angola, ainda não se faz transplante de órgãos", referiu a directora clínica do hospital oncológico.


 Transplante de órgãos 

De acordo com Sales Cândido, nas situações em que a única esperança do doente oncológico é o transplante, os pacientes são encaminhados para a Junta Médica Nacional, a fim de serem enviados ao exterior do país, caso haja vaga na lista de espera.  
"Todo esse processo é caro. São milhões de kwanzas que saem dos cofres do Estado, porque cuidar de um paciente com cancro e que tenha sido submetido a um transplante, até a sua total recuperação, é muito oneroso, porque o doente tem de ficar na unidade onde fez o transplante um ou dois anos, devido ao forte risco de rejeição do órgão", referiu.

Sales Cândido explicou que, em média, são enviados por junta médica ao exterior do país dois a três pacientes por ano. "Agora, devido à situação da pandemia da Covid-19, que assola o mundo, o número tende a reduzir".
O 15 de Fevereiro foi institucionalizado como Dia Internacional da Criança com Cancro  com o objectivo de  ajudar todos os menores a ter acesso aos melhores tratamentos e medicamentos e ao mesmo tempo as famílias das crianças vítimas da doença.

Os sinais que se deve ter em conta na detecção precoce do cancro infantil são manchas brancas nos olhos, cegueira, febre inexplicável e prolongada, perda de peso, palidez, fadiga, sangramento fácil, ossos doridos, dores nas articulações e costas, bem como  inchaço na região da cabeça.

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