Sociedade

Jovem “encravado” em cadeira de rodas pede ajuda

Domingos Mucuta | Lubango

Jornalista

Vida dramática e dolorosa. Assim pode ser descrita a situação em que se encontra João Francisco Mendes que ficou paralítico de modo inesperado.

18/03/2021  Última atualização 14H33
Jovem de 28 anos lança grito de socorro e pede ajuda para superar a paralisia © Fotografia por: Arimateia Baptista |Edições Novembro
A residir actualmente no bairro Patrice Lumumba, periferia da cidade do Lubango, província da Huíla, o jovem clama por ajuda.
"A vida tem sido muito dura comigo”, desabafa ao Jornal de Angola, o jovem de 28 anos, acometido, há cerca de 11 anos, por uma paralisia que o deixou numa cadeira de rodas e, de certa maneira, distante da vida social.

Apesar da simpatia e eloquência, o rosto de João Francisco Mendes reflecte angústia e tristeza profunda. Caiem-lhe as lágrimas ao relatar os momentos difíceis por que tem passado, desde que perdeu os movimentos nos membros superiores e inferiores. A cadeira de rodas, doada pelo Movimento LEVART, é o único assento e mobiliário que tem. Ele explica que passa o dia praticamente sozinho, no anexo de sala e quarto, com dimensões de cerca de 30 metros quadrados.

Sentado ao lado da porta da sala vazia, chão em cimento bruto, João Mendes olha para fora, pelo ângulo que os seus olhos podem alcançar, expectante pela chegada de alguém de boa-fé. Entre a sala e o pequeno quintal comum a outros inquilinos, há uma barreira intransponível. O declive entre a porta, coberta por uma cortina desgastada pelo tempo, e o chão do quintal, impedem-no de sair. Para evitar acidente, João limita-se a ficar próximo da porta a ver o esplendor da luz do dia, enquanto pensa na vida.

"Não consigo sair. Então passo o dia aqui isolado, na esperança de aparecer alguém que me visite. Não consigo locomover-me sem ajuda. Prefiro ficar aqui na porta. o terreno já é acidentado, por causa deste declive”, explica, enquanto ajeita o tronco para aliviar o desconforto de estar inclinado para um lado.

Na casa de João Francisco Mendes não há água corrente nem energia eléctrica. O carregamento da bateria do telefone que o conecta aos amigos é feito numa placa solar portátil.
João Mendes confessa que não sabe o que seria da sua vida sem o apoio da irmã menor, Laurinda Segunda "Avozinha”, e do vizinho Aldair Elias. Os dois são verdadeiros ombros amigos. A irmã menor é uma auxiliadora para os movimentos relacionados com as necessidades fisiológicas e para as refeições, quando há o que comer. O vizinho, que considera sobrinho, presta-lhe apoio nas deslocações distantes do bairro.


Acessibilidade difícil
O jovem vive numa zona sem acessibilidade. O percurso de mais de um quilómetro, da Avenida do Aeroporto à casa onde mora, está cheio de obstáculos. Pedras, inclinações, becos e o riacho de caudal intermitente atravessam o seu caminho. Factores que aceleraram a degradação rápida da cadeira de rodas, doada em 2020.

A falta de acessibilidade agrava ainda mais a situação, porque das poucas vezes que necessita de deslocar-se tem de ter ajuda de pessoas solidárias e pacientes. Quando chove e aumenta o caudal do riacho, João Mendes tem de engatinhar sobre a água até chegar à casa. Também conta que raramente sai de casa, porque tem dificuldades de controlar as necessidades fisiológicas.
"É difícil sair, porque não consigo controlar a urina e as fezes, devido ao meu problema de saúde. Por outro lado, este caminho está cheio de pedras. Em alguns pontos sou obrigado a descer da cadeira… Não é fácil sair e chegar aqui”, conta.

Cronologia do drama

A paralisia foi diagnosticada em 2010, depois de ser internado no Hospital Central do Lubango. Apesar de receber alta médica, João Francisco Mendes percebeu que não ficou totalmente recuperado. Oito anos depois do primeiro tratamento, o jovem voltou à maior unidade sanitária da Região Sul, onde foi submetido a uma cirurgia, na expectativa de "drenar o líquido estranho alojado entre a coluna e a bacia cervical”, explica.

De acordo com a vítima, após a cirurgia surgiram outras complicações porque "perdi a capacidade física de controlar as necessidades maiores e menores. Fiquei bastante afectado física e psicologicamente, porque desde aquela altura defeco e urino nas calças”, relata, enquanto exibe o documento de alta datada de 13 de Abril de 2018.

Desde o anúncio das medidas de restrições e da declaração do Estado de Emergência e de Calamidade Pública por conta da pandemia da Covid-19, João Mendes recorreu à  Medicina Natural. A viver este drama, a rejeição da família deixa-o num dilema. "Até este momento estou impedido de viver com a minha própria mãe, porque o meu padrasto não me deixa. Vivo em casa arrendada. Sobrevivo graças às ajudas de colegas de escola, amigos, vizinhos e outras pessoas de boa- fé”, relata.

 
Pela fé há luz no fundo do túnel
João Mendes tem esperança em dias melhores. Ele garante que se sente debaixo de um túnel, mas pela fé vê uma luz que é a bondade das pessoas. Por isso, continua a bater à porta de pessoas singulares e colectivas para pedir ajuda. O jovem, finalista da 9ª classe, já escreveu para o Governo Provincial da Huíla e sabe que o documento foi despachado para o Gabinete Provincial da Acção Social, Família e Promoção da Mulher.

Segundo João Mendes, por sua vez, tal gabinete despachou o assunto para a Administração Municipal do Lubango e "até ao momento não há resposta sobre um possível apoio”. Vejo-me sem chão. A minha vida é uma calamidade. Estou desesperado. Há algumas pessoas que têm feito de tudo para ver a minha vida de volta. Ainda acredito que um dia voltarei a andar como antes”, diz.
João Mendes, além da cadeira de rodas, alimentos e assistência médica, precisa de casa própria. " Tenho fé de que um dia poderei sorrir novamente. Peço às pessoas solidárias para me apoiarem. Gostaria de ter um tecto digno para morar”, exorta.


Estado promete ajuda
O Jornal de Angola contactou o gabinete provincial da Acção Social, Família e Promoção da Mulher para saber mais sobre a situação de João Mendes.  A directora do Gabinete Provincial, Catarina Manuel, disse que a instituição recebe vários pedidos de ajuda, mas devido à falta de capacidade financeira muitos deles são encaminhados para as administrações municipais.
Catarina Manuel acrescentou que caso a situação seja delicada e não encontre solução na administração municipal,  as pessoas desamparadas, independentemente da idade, são encaminhadas para o lar da terceira idade do Tchioco, onde beneficiam de assistência completa do Estado.

"Temos orientado a nossa equipa de técnicos para visitar os muitos cidadãos que solicitam o nosso apoio. A primeira opção, em casos delicados, é mesmo encaminhar para o lar da terceira idade. O caso deste jovem não foge à regra. Vai merecer a nossa atenção”, prometeu.


Veia poética
João Francisco Mendes é conhecido entre os membros do Movimento LEVART como o poeta Prosperidade. Ele descobriu a sua veia poética aos oito anos de idade, quando fazia jograis nas actividades religiosas da Igreja Evangélica Sinodal de Angola (IESA).

O pseudónimo Prosperidade contrasta a carência em que vive. Mas, isto não o inibe de sonhar alto. Entre os sonhos de plantar uma árvore, escrever um livro e ter filhos, João Mendes acredita que mais facilmente lançará a obra poética no mercado. O poeta Prosperidade já tem vários poemas manuscritos, distribuídos em três cadernos. Desafiado a declamar pela nossa equipa, o poeta respirou fundo, puxou a inspiração e recitou versos do poema intitulado "Batalha do Cuito Cuanavale”.

 Nas noites "levarteana”, promovidas todas as quintas-feiras, pelo Movimento LEVART  no Lubango, o poeta encontra o alento para suportar a dor e a solidão.
O poeta Prosperidade tem mais de 100 poemas com destaque para "Sonhos”, "Amor à pátria”, "Amor Levart” entre outros. "A poesia corre-me no sangue. Escrevo sempre que possível. Gostaria de publicar um livro. Dizem que o ser humano para ser lembrado deve plantar uma árvore, ter filhos ou lançar um livro… Eu quero apoio para publicar a minha obra poética”, argumenta.

A secretária executiva nacional do Movimento LEVART, Justina Kibeca, disse que os membros da agremiação cultural têm feito o possível para assegurar o mínimo apoio ao João Mendes, desde quando esteve internado no hospital. Justina Kibeka, também coordenadora adjunta provincial do Movimento na Huíla, disse que os membros asseguram a deslocação de e para casa para garantir a participação do poeta nas actividades culturais. A responsável reconhece o talento do jovem e reforça o grito de socorro para mobilizar apoio para a sua acomodação digna.

"A nossa luta é antiga. Acompanhamos sempre desde que se juntou ao LEVART em 2016. Tem recebido algum apoio dos membros em termos de cesta básica. Estávamos esperançosos na sua recuperação. Neste momento queremos que ele mude daquela zona inacessível… ”, manifesta.
João Francisco Mendes, nasceu a 20 de Dezembro de 1993, na cidade do Lubango, província da Huíla. Os interessados em apoiá-lo podem ligar para o número, 944 187 924, o seu terminal telefónico.

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Sociedade