Opinião

“Liberalismo” ou negacionismo? Estupidez

João Melo*

Jornalista e Escritor

Um ano depois da declaração da pandemia do novo coronavírus, a humanidade parece naturalmente cansada e ansiosa para voltar àquilo que chamávamos de “normalidade” – e que, na verdade, foi em parte causadora dessa mesma pandemia.

24/03/2021  Última atualização 08H13
Entretanto, o facto de quase ninguém, nesse afã de retorno à "normalidade”, mostrar qualquer inquietação relativamente ao esgotamento do modelo de desenvolvimento tecno-financeiro que se tornou global nas últimas quatro décadas faz-me perder a esperança no nosso futuro comum, pelo que não vou discuti-lo. O que talvez nos reste a cada um de nós é tentarmos manter a nossa sanidade e integridade individual, pelo menos para podermos dormir tranquilamente todas as noites.

O que pretendo abordar, neste artigo, é algo mais visceral e, por isso profundamente revelador da natureza humana: a estupidez. Não, Nietzche não tinha razão: não somos super-homens nem deuses. Ignorantes e tantas vezes boçais, somos apenas arrogantes. Caminhamos alegremente, assim, para a nossa própria destruição, pois somos incapazes de prevê-lo.

Não devemos, por conseguinte, espantar-nos com as crescentes manifestações, um pouco por todo o mundo, de bandos de "combatentes” pretensamente "libertários” e "anti-ditadura”, por causa das medidas anti-Covid que a esmagadora maioria dos estados tem sido forçada a tomar para impedir a generalização da pandemia. A esses bravos seres vociferantes, autoproclamados "liberais”, juntam-se os negacionistas anti-vacina, com receio, quem sabe, de se converterem em jacarés, como preveniu (!) o Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro.

O que ambos reivindicam? O direito de escolher os riscos que querem correr. Nada mais liberal, não? Falso. Isso não tem absolutamente nada a ver com liberalismo.
Precisamos de reler os pais do liberalismo, para lembrar o que eles ensinaram: a liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro. No caso da actual pandemia, os riscos relacionados com a Covid 19, mais do que individuais, são comunitários, ou seja, cada um que desrespeitar as cautelas recomendadas pelas autoridades sanitárias, com base nas informações científicas disponíveis, estará a colocar igualmente em risco os demais membros da comunidade.

Na verdade, esse falso liberalismo não passa de negacionismo. Isso não seria problema se os seus defensores não interagissem com o resto da população, o que não é o caso. Assim, é preciso dizê-lo preto no branco, sem tibiezas: todos aqueles que se recusam deliberadamente a observar as regras sanitárias estabelecidas para enfrentar o novo coronavírus e que continuam a interagir com os restantes cidadãos são potenciais assassinos. O espantoso é que não faltam, em todo o mundo, exemplos de negacionistas e anti-vacinas entre os próprios profissionais de saúde.

Por tudo isso, é igualmente confrangedor assistir à maneira "panicada” e caótica como certos governos lidam com os bravos negacionistas da Covid-19. A recente atitude da União Europeia em relação à vacina da Astrazeneca-Oxford foi um exemplo clamoroso de cobardia e falta de liderança, que não abona a favor da organização.

A isso, é de juntar, igualmente, os chiliques de certos intelectuais contrários, por exemplo, ao passaporte Covid, cartão de vacina anti-Covid ou seja lá qual for a designação que se der a algo que parece fundamental: um documento que comprove que o seu utente já foi vacinado contra esse vírus.

Mais uma vez, comprova-se que o ridículo mata. Neste caso, literalmente. Por isso, aos que acreditam em "milagres”, deixo um recado cuja autoria é atribuída ao Presidente ugandês, Yoweri Museveni: - "Deus tem muito trabalho, ele tem o mundo inteiro para cuidar. Ele não pode simplesmente estar aqui a cuidar de idiotas”.

*Jornalista e escritor

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