Entrevista

“Luanda é uma mistura única de agitação e caos”

Analtino Santos

Jornalista

Jozef Smets é o embaixador do Reino da Bélgica em Angola. Amante das artes e da cultura, gosta de conhecer novos lugares. O diplomata chegou a Luanda em Setembro de 2019. Em Fevereiro de 2020 promoveu a realização de concertos de rumba congolesa, onde demonstrou as suas habilidades de dançarino. Quando começava já a apreciar e a habituar-se ao frenesim de Luanda, a pandemia da Covid-19 veio parar tudo, ou melhor, quase tudo, porque quando surge alguma abertura o belga vai-se aventurando a conhecer os vários cantos da cidade. Desafiámos o diplomata para uma conversa informal, sem protocolos, centrada na sua vivência em Luanda, cidade que amanhã completa 446 anos

24/01/2021  Última atualização 18H45
Jozef Smets é o embaixador do Reino da Bélgica em Angola © Fotografia por: Edições Novembro
Há quanto tempo está em Luanda e como recebeu a proposta para representar o seu país em Angola?

Estou desde Setembro de 2019 em Angola, depois de ter recebido uma proposta do Ministério das Relações Exteriores da Bélgica para trabalhar em Luanda como Embaixador. Como é de praxe na diplomacia, a Bélgica pediu então às autoridades angolanas o "agrément”, a autorização formal para acreditar um novo Embaixador. Só depois de tudo estar resolvido comecei a empacotar as coisas e a organizar o contentor para fazer a mudança. Mas na vida diplomática estamos acostumados com isso, principalmente porque se trata do sétimo país onde trabalho.


O que esperava encontrar em Luanda?

Conhecer novos lugares é uma paixão minha, mas devo admitir que não tinha uma ideia clara do que Luanda tem para oferecer. Porém, não tenho medo de morar numa cidade grande e movimentada, pois também morei em cidades como Cairo (Egipto) e Lagos (Nigéria), que não são exactamente cidades pequenas...


Quais as principais surpresas que encontrou em Luanda?

Estou agradavelmente surpreso em descobrir muitos bons restaurantes aqui, encontrar verdadeiras avenidas com belas árvores antigas na cidade velha. A Marginal, onde gosto de passear à noite, é uma localização privilegiada e não tinha a menor noção da existência da "Ilha”, um local com um potencial turístico incrível, onde passamos, no dia 1 de Janeiro, muito simbolicamente, o Reveillon. Tomei uma cerveja fresca numa simples esplanada. Dirijo muitas vezes para Talatona e  Viana, e depois, claro, passo por todo o tipo de bairros operários, onde sempre me impressiono com os vendedores de frutas e legumes: no meio da azáfama e do caos, permanecem determinados e concentrados e, por isso, simbolizam o poder da economia informal.


O que acha que Luanda tem de semelhante e diferente em relação às outras cidades de Angola?

Já visitei várias capitais de província, mas quando nos aproximámos de Luanda dá para sentir tudo: este é o centro, esta é a sede política e económica, é aqui que decorre a maior parte das actividades culturais. Em Luanda existe uma mistura única entre agitação e caos, por um lado, e planeamento e renovação urbana, por outro. Esta cidade tem uma forte componente africana, latina e mesmo europeia. Espero que alguns edifícios muito charmosos da era colonial sejam preservados e que haja árvores e vegetação suficientes.


Tem algum local especial que aprecia em Luanda?

Gosto de visitar um moderno centro comercial em Talatona, bem como a bela Igreja do Carmo ou o Palácio de Ferro. A Fortaleza de Luanda é certamente um destaque turístico desta cidade, mas um dos edifícios mais bonitos é o do Museu de Antropologia. Lembro-me de uma noite encantadora com rumba num clube na Baixa da cidade, o "Sete e Meio”, e de um festival de música e dança Semba na Ilha, mas isso foi na era pré-Covid.  No sábado de manhã gosto de tomar um café ao lado da piscina do Hotel Trópico… antes de ir ao cabeleireiro de lá.


Fale-nos da gastronomia e de outros aspectos culturais que encontrou em Luanda?

Adoro pratos de peixe e marisco, que são muito mais baratos aqui do que no meu país. Os belgas gostam de comer batatas fritas e mexilhões e eu encontro tudo isso aqui. Conheci alguns novos tipos de frutas e hortaliças, como beldroega e múkua. A fruta aqui é de excelente qualidade.


O que acha estranho e curioso em Luanda?

Estranho ver o grande contraste entre os bairros pobres da classe operária e os bairros ricos da cidade e também a proliferação de prédios de apartamentos de grande altura, muitos dos quais estão vazios e por terminar. As longas filas para as agências dos bancos continuam a me surpreender e também o facto de que em tudo isso a espera parece não fazer perder o bom humor e a disciplina. As pessoas costumam ser corteses e educadas. Como estrangeiro você não é olhado fixamente e é deixado em paz. Os residentes de Luanda estão habituados a nós e sentimo-nos bem com eles. Às vezes somos abordadas por crianças de rua e até elas dizem educadamente "obrigado” se você oferecer algo. O trânsito em Luanda é uma aventura e tanto, toda a gente parece encontrar o seu caminho e apesar dos cruzamentos e das multidões, há sempre progresso e movimento.


Uma mensagem para os luandenses na véspera de mais um   aniversário da cidade de Luanda?

Espero sinceramente que 2021 seja um ano melhor para todos os residentes de Luanda, que restaurantes, lojas e negócios voltem a funcionar melhor e que se envidem mais esforços, não só pelas autoridades mas também por todos nós, para melhorar a higiene e a classificação de resíduos. Eu também espero que haja mais oportunidades para desfrutar das festas, dança e música, afinal 2020 foi realmente um pouco chato.


LIVRO DE DANIEL RIBANT 
"Angola para Todos”

Em Dezembro do ano passado a Embaixada da Bélgica em Angola lançou o livro "Angola para Todos”, do escritor belga Daniel Ribant. O evento aconteceu online e teve como anfitrião Jozef Smets. No webinar o diplomata revelou que a apresentação do livro marcava uma nova fase da cooperação com Angola, a cultural, com vista ao estreitamento do intercâmbio entre os fazedores de arte.  Participaram no painel de lançamento do livro, entre outras personalidades, o autor Daniel Ribant, Pepetela na qualidade de prefaciador e a secretária de Estado para a Cultura Maria da Piedade de Jesus.   
Em "Angola para Todos” Daniel Ribant faz um convite aos leitores para um melhor conhecimento de Angola, apresentando um país 45 anos depois de se ter libertado de um dos mais longos períodos de colonização da história mundial. O autor prossegue abordando as fases de construção e reconstrução do país, na sequência da luta pela independência e da guerra civil.   A obra se propõe a abranger os múltiplos aspectos de um país complexo, muitas vezes encarado apenas através dos seus recursos minerais, o petróleo e os diamantes. A sua realidade profunda desvenda-se na leitura dos setenta e seis temas cuidadosamente escolhidos pelo autor para destacar as diversas características do país, os constrangimentos de uma história particularmente pesada e os muitos desafios que continua a enfrentar.
Daniel Ribant nasceu na Bélgica, em 1953. Estudou Economia e Ciência Política no ICHEC, Bruxelas, e no Instituto de Estudos Políticos em Paris. Ex-banqueiro, o autor ocupou o cargo de Assessor em Diplomacia Económica na Embaixada da Bélgica                 em Luanda.  

Quem é Jozef Smets
Representante máximo da diplomacia belga em Angola desde Setembro de 2019, pela quarta vez exerce o cargo de Embaixador. Antes passou pelo Brasil, Burundi e Nigéria. Foi cônsul-geral na RDC. E também director para África do Ministério das Relações Exteriores do Reino da Bélgica. Há 30 anos que está na carreira diplomática.
Formado em História, Línguas Orientais e Ciências da Comunicação, Jozef Smets tem uma paixão por história, artes, cultura e por África. Adora passear na natureza e conhecer novos lugares. Em 15 meses de mandato em Angola já visitou a maioria das províncias mas reconhece que ainda tem muito para descobrir. O facto de falar português tem-no ajudado na comunicação com as pessoas comuns e garante mesmo que já sabe dizer algumas coisas na linguagem mwangolê. E saca deste exemplo: "Ele é um wi bué fixe”.

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