Sociedade

Luta pela sobrevivência leva forasteiros à beira-mar

Alexa Sonhi

Jornalista

A Ilha de Luanda, o cartão postal da cidade, está longe de ser a zona turística mais aprazível e atractiva de Angola, como já foi considerada. Hoje, a imagem que apresenta lhe retira qualquer título.

25/02/2021  Última atualização 15H28
Pescadores invadem praias da ilha de Luanda para faina © Fotografia por: Alberto Pedro | Edições Novembro
As suas praias foram tomadas por pescadores de ocasião, errantes e os sem abrigo. O lixo à beira da estrada, a falta de iluminação pública, de segurança e os casebres de papelão montados na areia estão a descaracterizar aquela que é a terra de muito boa gente, que também já foi considerada " Pombal do amor”.

Nos últimos tempos, por conta das restrições impostas pela Covid-19, os banhistas foram proibidos de desfrutar das águas do mar. Mas os pescadores artesanais tomaram de assalto as praias da Ilha de Luanda, em claro desrespeito a tudo. A faina de pescado agora é feita em quase toda a zona da costa marítima, inclusive em áreas antes exclusivas ao banho.

Mendes António, pescador há 40 anos, deixou as praias de Cacuaco para trabalhar na Ilha de Luanda, alegando que há maior tranquilidade. Ali, lança a rede que, sem selecção, apanha até os peixes muito pequenos.  " Sempre pesquei na praia de Cacuaco, mas como o número de pescadores está a aumentar, devido à fome, então, saí de lá, porque um pescador, amigo, que aqui vive me informou que as praias na Ilha estão calmas e o peixe  sobe para a superfície com muita facilidade…”, explica.

O mais velho Mendes, como é carinhosamente chamado pelos seus colegas, contou à equipa de reportagem do Jornal de Angola que depois da desmobilização das FLAPLA, em 1982, não teve outra forma de sustentar os filhos e optou pela pesca.
Como tem de lançar a rede ao mar de madrugada, Mendes António decidiu montar uma barraca de papelão à beira mar, usando o argumento de falta de transporte para ir e vir em segurança de Cacuaco à Ilha de Luanda.

" Estou aqui desde o mês de Agosto. Volto a casa apenas nos fins-de-semana, para visitar a família e levar algum dinheiro para compra de comida. Desde que comecei a pescar aqui ganho, diariamente, 10 ou 15 mil kwanzas. Ajuda-me muito. Crio os meus netos, porque os meus filhos não têm emprego e a vida está difícil para todos”, argumenta.

Mendes António não está sozinho na Ilha, além do seu ajudante, também está a esposa que depois de um mês resolveu juntar-se ao marido, ajudando com as  refeições e outras tarefas.
Dona Celeste cozinha na areia da praia. Bem próximo há dejectos que podem causar qualquer doença. No geral, vivem e alimentam-se em más condições de higiene.


  Melhorias à vista

O administrador do Distrito Urbano da Ingombota, Rui Duarte, em entrevista ao JA, manifestou-se insatisfeito com a vandalização que a Ilha de Luanda tem estado a sofrer há alguns anos.
Rui Duarte disse ter consciência de que a imagem da Ilha de Luanda está bastante  gasta e que a construção de casebres, a prática de pesca ao longo da orla marítima, o lixo e a destruição dos postes de iluminação pública contribuem sobremaneira para o aumento da criminalidade naquela zona.

" A  Administração da Ingombota, há bem pouco tempo, removeu muitas roulottes que estavam instaladas no Ponto Final, realizou campanhas de limpeza e destruiu muitos casebres que ali estavam. Mas, infelizmente, no dia seguinte, os ocupantes das mesmas voltaram ao local sem qualquer receio”, frisou.
Rui Duarte salientou que, por conta dessa situação, a Administração distrital da Ingombota decidiu  pedir apoio a nível central para que se trabalhe com a Reinserção Social e o Ministério das Pescas, no sentido de em conjunto traçarem estratégias que visam a melhoria significativa da imagem da Ilha de Luanda.

Segundo Rui Duarte, já existe parcerias firmadas com algumas instituições privadas que nos vão ajudar a requalificar a Ilha de Luanda. " Isto é pela inclusão social das famílias que vivem em casebres, para a criação de padrões e regras que permitirão ter uma zona costeira  mais organizada, quer no domínio do turismo como nas actividades piscatórias e os serviços de restauração”, sublinhou.
De acordo com Rui Duarte, a Administração distrital da Ingombota vai delimitar o tipo de negócio a ser feito na Ilha de Luanda, de forma a se preservar a boa imagem que será recuperada dentro em breve.

Questionado sobre o tempo para materialização destes projectos, Rui Duarte disse que ainda este ano os luandenses poderão constatar os trabalhos de requalificação que a Ilha de Luanda vai beneficiar , que contemplam a reposição da iluminação pública, recolha regular de lixo e eliminação dos casebres junto da orla marítima.

Avisados da remoção das barracas estão os que nelas vivem. Tanto o mais velho Mendes e sua esposa como as demais pessoas sabem que a qualquer momento serão retirados dali pela Administração distrital da Ingombota. Como se sabe, aquela é uma zona balnear,   proibida à construção, principalmente de casebres precários que facilmente podem ser levados pelas ondas do mar.

            
Apoio à pesca artesanal

No programa de requalificação da Ilha de Luanda consta também a transferência dos pescadores  artesanais que praticam actividade de forma ilegal. Os locais para faina deverão dar volta à quase toda orla marítima para os locais adequados de pesca, que devem ser indicados pela entidade competente. Rui Duarte frisou que os pescadores artesanais vão beneficiar de algumas embarcações, motores e outros meios de pesca, para praticarem a actividade de maneira organizada.

Sobre a vedação que há anos cobre parte da praia, no Ponto Final, Rui Duarte explicou que o local tem titularidade atribuída e que cabe ao proprietário decidir o que vai ser feito naquele espaço.
"E não nos opusemos à vedação que ali está porque, antes disso, diariamente tínhamos o registo de cinco mortes. O Serviço de Protecção Civil e Bombeiros proibiu os banhos naquela área, devido à profundidade da praia, mas os banhistas insistiam em usá-la e muitos acabaram por morrer”.

 
Peixe de kilapi

Tal como o mais velho Mendes estão outras pessoas  a viver em casebres montados ao longo da orla marítima. Entre estes estão pescadores e os sem abrigo.
É o caso de Esperança que vivia no bairro da Fubu com os seus três filhos e o marido. Mas, há ano, foi expulsa de casa. Separada e sem onde morar, a jovem de 29 anos elegeu a praia da Ilha de Luanda para montar um casebre de papelão, onde vive com as crianças.  
Sem ter como sustentar os filhos, Esperança decidiu entrar no negócio do pescado. Recebe o peixe a "kilapi” das mãos do mais velho Mendes. Depois de vender pelas ruas da Baixa da capital, paga pelo valor do peixe e fica com os lucros, que está a juntar para comprar chapas para erguer um casebre mais seguro e mais distante da zona balnear. 

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