Política

Ministério Público denuncia conluio para descaminhar milhões do Estado

Santos Vilola

Jornalista

O Ministério Público alegou, ontem, que Manuel Rabelais e Gaspar Santos “ardilosamente, em conluio, além dos valores que recebiam do Estado, e prevendo não conseguir um contravalor em kwanzas, transformaram o Gabinete de Revitalização da Comunicação Institucional e Marketing da Administração (GRECIMA) em casa de câmbios.”

13/03/2021  Última atualização 09H36
© Fotografia por: Dombele Bernardo | Edições Novembro
Na sessão de ontem, dedicada às alegações finais (orais) do Ministério Público e da defesa dos réus, o defensor do Estado no processo judicial que, na Câmara Criminal do Tribunal Supremo, apura responsabilidades sobre um desfalque de 98.141.632 de euros do extinto GRECIMA, os réus foram confrontados com factos que ficaram provados por documentos e confissões.
O representante do Ministério Público afirmou que era Gaspar Santos quem arregimentava pessoas singulares e colectivas duvidosas para fazerem depósitos em kwanzas nas contas bancárias daquela instituição criada pelo então Presidente da República, José Eduardo dos Santos, em bancos comerciais, para adquirir divisas.

Segundo o Ministério Público, Manuel Rabelais credenciou Gaspar Santos, à data funcionário da Rádio Nacional de Angola, para fazer as operações bancárias. Segundo, ainda, o defensor do Estado, os arguidos assumiram terem recebido contravalor em kwanzas de terceiras pessoas alheias ao GRECIMA para obterem lucros na aquisição de divisas.

De acordo com o Ministério Público, Gaspar Santos, no dia 24 de Março de 2016, depositou 21.000.601 kwanzas na conta do GRECIMA sem justificar a origem do dinheiro, facto que ficou provado por documento. A conta do GRECIMA mais movimentada, segundo as alegações do Ministério Público, era a do Banco de Comércio e Indústria (BCI), mas a instituição controlada pela então Casa Militar do Presidente da República tinha ainda contas no BPC, BAI, Sol e BIC. Manuel Rabelais foi o único assinante das contas bancárias.

As divisas adquiridas, segundo a acusação, eram canalizadas ao BCI para as operações de compra e transferências para o exterior do país. Alocadas as divisas, o GRECIMA solicitava, por carta, a compra com fundamento em pagamento de serviços prestados ao Estado para melhorar a sua imagem no exterior, no período entre 2012 e 2017.
Segundo o Ministério Público, a maioria das empresas que fizeram depósitos na conta do GRECIMA para adquirir divisas não foi identificada. Foram, ao todo, depositados 21.500.757.580 kwanzas, grande parte deste  feito por anónimos.

À medida que eram adquiridas as divisas, Manuel Rabelais e Gaspar Santos efectuavam planos de levantamento, compra ou transferência para o estrangeiro, segundo o Ministério Público, nas alegações.
Os arguidos transferiram para o exterior valores em euros a várias empresas. Ao todo, foram 16.126.986 euros, conforme o relatório de perícia bancária, facto provado por documento, segundo o Ministério Público.

Nas alegações apresentadas pelo Ministério Público, durante uma hora, consta que o ex-director do GRECIMA recebeu 2.822.600 euros, valores que, depois, transferiu para contas de parentes, incluindo dos filhos Jesus Rabelais e Crisna de Sousa Rabelais, residentes no Reino Unido, que receberam cerca de 18 mil libras, para pagar universidades. Foram, ainda, transferidos 12 milhões de kwanzas para a conta de um desconhecido.

O Ministério Público revelou que o GRECIMA beneficiou de 4.528.978 euros que foram canalizados para várias empresas, entre as quais a Semba Comunicação, ligada a interesses empresariais de Weliwítschia dos Santos "Tchizé”, sem prova de que tenha prestado serviço ao Estado, tal como ficou provado por documentos.
Os registos indicam, ainda, que, em 2016, foi depositado pela empresa ConsulCom na conta de Manuel Rabelais, no Finibanco, 1.000.878.997 kwanzas.O Ministério Público alegou que Manuel Rabelais e Gaspar Santos descaminharam deliberadamente valores, mesmo depois de extinto o GRECIMA e desfizeram-se de documentos comprovativos de transações de avultados valores por forma a não deixar rasto.

Os arguidos confessaram parte dos factos, segundo o Ministério Público, alegando que agiram em nome do Estado e autorizados pelo então Presidente da República, José Eduardo dos Santos. A alegação de Manuel Rabelais, segundo a qual as operações eram de carácter secreto, foi afastada porque não ficou provado, uma vez que, em carta dirigida ao tribunal, José Eduardo dos Santos disse que nada sabia.
Ontem, o Ministério Público afastou da acusação dois dos quatro crimes de que os arguidos foram acusados e pronunciados, nomeadamente o de violação das normas de execução do plano e o de procedimento indevido e recebimento de vantagens.


Alegações da defesa
A defesa de Manuel Rabelais considerou que a acusação e pronúncia estão feridas de inúmeras subjetividades, "numa linguagem pejorativa para sujar o bom nome do arguido”.
O advogado justificou que Manuel Rabelais era o único assinante das contas porque era um dos dois funcionários do GRECIMA, além de José Eduardo dos Santos.

Os valores em causa, segundo a defesa, foi uma junção aritmética dos valores constantes das cartas de conforto remetidas ao Banco Nacional de Angola e, por isso, não correspondem à verdade.
Nas alegações, a defesa de Rabelais considera a constatação do Ministério Público, de que houve "conluio ardilosamente preparado”, uma expressão redutora e infeliz, que põe em causa a acção de um órgão criado pelo Presidente da República.
As alegações orais, mas que, na verdade, foram escritas, porque quer a acusação quer a defesa trouxeram discursos escritos e ofereceram cópias ao juiz da causa, terminaram ontem. A fase que se segue é a da leitura dos quesitos, antes da decisão final (acórdão).    

O advogado de Gaspar Santos considerou que nada ficou provado que o seu constituinte tivesse cometido os crimes de que é acusado, a começar pelo peculato.
O causídico negou, também, que Gaspar Santos tenha cometido o crime de branqueamento de capitais, porque a compra e venda de divisas é um negócio lícito previsto na lei. "O GRECIMA não era casa de câmbio porque as operações eram feitas em bancos e não nas instalações da instituição”, sustentou, requerendo a absolvição de Gaspar Santos.

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