Cultura

Morte de Mendes Ribeiro empobrece as artes angolanas

Francisco Pedro

Jornalista

A obra do desenhador e pintor Mendes Ribeiro constitui, desde os primórdios da Independência Nacional, um património histórico e cultural, inquestionável, tanto por mostrar desde aquela época a vivência política e social angolana, quanto pelo rigor técnico e estético a que se submetia.

25/01/2021  Última atualização 19H00
Obra do pintor Mendes Ribeiro congrega retratos de nacionalistas angolanos © Fotografia por: DR
Entre os desenhadores e pintores da sua geração, Mendes Ribeiro era o mais representativo na produção de obras no estilo Realismo, corrente artística que surgiu em França no século XIX.
Se Gustave Coubert (1819-1877) foi, a nível mundial, o mais importante artista dessa vertente e criador da estética realista, Mendes Ribeiro esteve na linha da frente entre os artistas plásticos angolanos, embora pouco divulgado o espólio que deixa, com a sua morte a 22 deste mês, vítima de doença, em Luanda.

"O mundo chega a ser pintado no meu estúdio”, uma das frases do pintor francês Coubert, a propósito da pintura realista. Era dessa maneira que Mendes Ribeiro defendia, mantendo-se fiel, toda a sua criatividade.
Da planificação à fotografia, da fotografia aos esboços, passando para a composição do desenho até chegar à pintura. Porém, muita leitura, ou seja, um artista em constante formação pois dedicava-se muito à leitura quer de conteúdos artísticos quer da vida social  em geral. Sempre actualizado.

No seu atelier, na Mutamba, Baixa de Luanda, Mendes Ribeiro trabalhava, geralmente, durante 10 horas no mínimo. Entre as décadas de 1980 e 1990, parte das suas obras - aguarelas e óleo sobre tela - foram direccionadas para ilustração de calendários para empresas petrolíferas: Fina Petróleos, Elfe Aquitane, Sonangol, Chevron; ChevronTexaco,  entre outras instituições quer petrolíferas, quer bancárias.

Nascido aos 25 de Agosto de 1941,  no Sumbe, antes de se dedicar à intensa carreira de pintor, era contabilista de profissão. Diplomado em Desenho e Pintura pelo Instituto Álvaro Torrão, após a Independência Nacional, Mendes Ribeiro teve um reconhecimento formal no seio do MPLA, tendo recebido um Certificado, assinado pelo primeiro Presidente da República, António Agostinho Neto, em que foram enaltecidos os seus feitos enquanto artista.

Da sua pena saíram inúmeros retratos de heróis e nacionalistas angola-nos, com destaque para os retratos (desenhos a carvão) de Agostinho Neto, Deolinda Rodrigues, Valódia, Hoji ya Henda, Américo Boavida, Dangeraux, Eurico, Saidy Mingas, entre outras figuras relevantes a nível do Partido MPLA.


Pintor de Luanda

O Realismo marcou, inequivocamente, todo o percurso artístico de Mendes Ribeiro. Do desenho a carvão, à pintura de cavalete (a óleo), passando pela pintura em aguarela e a pastel.
Mendes Ribeiro documentou diversos aspectos da cultura endógena angolana, em geral, e, em particular, centenas de motivos identitários dos habitantes de Luanda, cenas dos axiluanda, as principais avenidas da então São Paulo de Loanda, a semelhança dos pintores Carlos Ferreira, Neves e Sousa, entre outros  retratistas e paisagistas da época colonial.

A arquitectura patrimonial civil, militar e religiosa, a fauna e a flora, bem como vivências que espelham traços identitários da cultura luandense constam na vasta obra produzida com muito rigor e fidelidade artística assente no Realismo. Tal como no cinema documental, em que o realizador, apesar de interpretar o real (impõe-nos a sua visão pessoal) desvenda acima de tudo os aspectos objectivos, ou seja mais concretos que a matéria apresenta. É desta forma como se caracteriza o trabalho de Mendes Ribeiro: além de muita criatividade, prende-se na fidelidade do que observava no quotidiano.

Além de vivência social, cultural urbana luandense, é autor de dezenas de retratos de sobas de várias regiões de Angola.
Paralelamente à pintura, dedicava-se à música, apaixonado pelo fado e clássicos da música moderna de vários quadrantes mundiais, tocava guitarra, escrevia versos, algumas vezes interpretava canções de renomados compositores, tendo animado inúmeros eventos festivos, efemérides nacionais e internacionais, bem como convívios entre amigos e familiares, em diversos espaços quer culturais quer restritos, integrando pequenas formações musicais durante mais de cinco décadas.
Mendes Ribeiro foi membro fundador da UNAP- União Nacional dos Artistas Plásticos e da UNAC - União Nacional dos Artistas e Compositores.


A voz do secretário-geral da UNAP

O secretário-geral da UNAP - União Nacional dos Artistas Plásticos, António Tomás Ana, "Etona”, considerou, ontem, Mendes Ribeiro como uma grande figura por ter assumido um legado filantrópico e foi o penúltimo presidente da Comissão Directiva da UNAP no mandato do ex secretário geral Bastos Galiano. Foi Prémio Nacional de Cultura e Artes, e "acreditamos que o Ministério da Cultura Turismo e Ambiente saberá dar dignidade ao espólio de Mendes Ribeiro e dos artistas no seu todo.”

Etona afirmou que, na idade em que Mendes Ribeiro nos deixa significa que teve muita disciplina, moral e outros valores que podem servir como exemplo para a nova geração de artistas.

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