Economia

Negócios com a África estagnados há dez anos

Para marcar a passagem dos 30 anos do bloco económico da América do Sul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai), o Conselho Industrial do Mercosul lançou, quinta-feira, um documento conjunto com propostas para o avanço do bloco.

27/03/2021  Última atualização 13H26
30 anos do bloco económico da América do Sul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai) © Fotografia por: DR
Fundamentalmente, o texto requer a necessidade da retomada do crescimento na região, maior participação do sector empresarial na agenda económica e comercial do bloco, fortalecimento do livre comércio e a ampliação de acordos com países estratégicos que representem ganhos efectivos. 

"O Mercosul é a mais relevante iniciativa de inserção internacional do Brasil até o momento”, destaca o presidente da Confederação Nacional da Indústria brasileira, Robson Braga de Andrade. "Porém, o futuro do bloco depende de mais crescimento económico, do aumento da competitividade e da maior integração interna dos países”. 

Entre 2011 e 2020, o saldo comercial do Brasil com o Mercosul foi de 54,9 mil milhões de dólares, com a pauta mais diversificada entre todos os grandes destinos das exportações. Fica atrás apenas da China (158,3 mil milhões de dólares), mas a pauta exportadora com o país asiático é concentrada em poucos produtos. O Mercosul também contribuiu para a redução de barreiras tarifárias e atracção de investimentos externos. Houve avanços promissores nos últimos tempos, como o acordo com a União Europeia e os acordos internos em investimentos, compras públicas e em facilitação do comércio. 

Em 2019, o ministro da economia do Brasil, Paulo Guedes, chegou a propor a adopção de uma moeda única para o bloco, o que foi considerado pelos especialistas uma ideia inviável. Ao invés de sugestões mirabolantes, o Mercosul poderia investir mais tempo e esforços em integrar  o bloco a outros já estabelecidos. O principal deles é a conclusão do já citado Acordo Mercosul-União Europeia, e com a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA - bloco formado por Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça). Outros focos seriam acordos de livre comércio efectivo com os Estados Unidos, parcerias com o México, Canadá, Reino Unido, América Central e o aprofundamento de acordos com os demais países da América do Sul. 

E África? Depois de um esforço brasileiro durante o Governo Lula (2010 a 2013) de aproximação com o continente e algumas iniciativas isoladas - como o acordo comercial  preferencial entre o Mercosul e a União Aduaneira da África Austral (SACU) - não houve grande empurrão para o aumento dos negócios entre os continentes, ou tampouco abertura representativa de novos mercados. Na verdade, nem sequer conseguiu-se manter o que já havia. 

Peguemos o Brasil como exemplo: quatro anos depois da entrada do acordo com a SACU, as exportações brasileiras para a África do Sul caíram de 200 milhões de dólares por ano, para 100 milhões. De Janeiro a Maio do ano passado, as exportações brasileiras para os países africanos caíram 39 por cento, para 2 807 milhões de dólares. A retracção nas exportações africanas foi ainda muito maior, caindo 33,7 por cento - para pouco mais de 1 555 milhões. Comparando com os cinco primeiros meses de 2019, o volume de trocas bilaterais recuou 17,1 por cento, somando  4 372 mil milhões. 

Especificamente com Angola, o fluxo de comércio bilateral com o Brasil também caiu drasticamente. Em 2008 foram registados números recordes, com exportações brasileiras de  1 964 milhões de dólares e vendas angolanas no valor de 2 231 milhões. Naquele ano, o fluxo de comércio brasileiro-nigeriano totalizou 4 195 mil milhões. Em 2008 foram registados números recorde, com exportações brasileiras de 1 964 mil milhões e vendas angolanas no valor de 2 231
milhões. Naquele ano, o fluxo de comércio 4 195 milhões. Onze anos depois, em 2019, o intercâmbio bilateral somava apenas 585 milhões de dólares. 

Apesar das dificuldades actuais criadas pela pandemia (que ainda afecta fortemente o Brasil, provocando ‘lockdowns’ e o encerramento do comércio nas maiores cidades, como Rio de Janeiro e São Paulo) e as oscilações económicas pelas quais passou a África no passado recente, uma nova oportunidade está posta: o início do processo de criação, em 2019, do mercado africano único de bens e serviços AfCTA (sigla em inglês para o Tratado de Livre Comércio Africano). Quando consolidado, o grupo vai integrar 55 países, 1,2 mil milhões de pessoas, cerca de três biliões de dólares de economia conjunta, além da livre circulação de capitais e pessoas e bens. 

Como nós, sul-americanos, aprendemos com o Acordo Mercosul-União Européia, as negociações deste tipo são longas e árduas. Não será amanhã, ou na semana que vem, que serão unificadas ou removidas as tarifas de importação de bens de consumo e de serviços. Mas, quando esse passo for dado, a Comissão Económica para a África das Nações Unidas estima que o comércio intra-africano crescerá pelo menos 50 por cento. A hora de aproximar-se, estabelecer as melhores pontes de contacto e remover as barreiras para negócios futuros, é agora. 

Ontem, as embaixadas do Brasil e Argentina em Angola organizaram, em Luanda, a celebração dos 30 anos do Mercosul. Não percam tempo, senhoras e senhores. Aproximem-se, troquem impressões, pavimentem relacionamentos. Certamente, algum representante do Governo chinês estará lá a falar bom português e já a aprender espanhol: eles não perdem tempo.  

Eduardo Castro |*
* Jornalista do Grupo Bandeirantes | Especial para o Jornal de Angola

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