Opinião

O complexo de culpa ocidental e Israel

João Melo*

Jornalista e Escritor

Uma senhora denominada Esther Mucznick, identificada como “estudiosa de assuntos judaicos”, escreveu no passado dia 20 de Maio um artigo no jornal português Público sobre os actuais acontecimentos na Palestina a que deu o título de “Por quem se toma este tipo?” e cuja tese central parece ser a seguinte: o clamor universal contra a política expansionista, fascista e genocida de Benjamim Nethanyahu na região não passa de uma tentativa de destruir o Estado de Israel.

26/05/2021  Última atualização 06H20
Trata-se de uma versão soft e "bem educada” da confusão deliberada que alguns fazem entre a crítica ao sionismo e um suposto anti-semitismo.Não vou usar contra ela o próprio título que a mesma usou no seu artigo, mas a sua argumentação é uma falácia, que os factos se encarregam de desconstruir com facilidade. Arrisco-me a dizer que, hoje, a esmagadora maioria dos críticos de Israel, no mundo, não defende a sua destruição, mas, sim, a solução de dois estados, preconizada desde os anos 90 do século passado pela comunidade internacional. Entretanto, está cada vez mais evidente que são as actuais autoridades de Tel Avive que tudo têm feito para inviabilizar essa solução. 

Para comprová-lo, basta comparar o mapa da região em 1946 e em 2021. Em 75 anos, o território palestino foi sendo gradualmente ocupado por Israel, através de guerras ou expropriações de terras, de tal maneira que, hoje, aquilo a que se chama o Estado da Palestina está reduzido a duas porções, Gaza e a Cisjordânia, sem qualquer continuidade geográfica e cada vez mais espremido e sufocado pelo vizinho israelita. Porquê – pergunte-se - que, apesar do princípio dos dois Estados ter sido definido pela comunidade internacional, o Ocidente nada faz para impedir a expansão da colonização israelita na Cisjordânia e em Jerusalém, cujo objetivo claro é inviabilizar a criação do Estado palestino?

A primeira explicação é óbvia e simples: o Ocidente, em particular a Europa, não se libertou até hoje do seu histórico e profundo complexo de culpa, por causa do genocídio do povo judeu ocorrido no seu território. A segunda constitui um equívoco grotesco: para o Ocidente, os israelitas são os "ocidentais” que defendem os seus valores fundamentais comuns, como a democracia, a modernidade, a laicidade, os direitos humanos e a supremacia do direito. Uma análise aos limites da democracia israelita mostra como essa crença é objectivamente questionável.

A verdade é que Israel é "a casa dos judeus” na Palestina. Ou seja, é um Estado constituído deliberada e conscientemente com base numa identidade religiosa autocentrada. É, no mínimo, um Estado para-confessional. Daí as restrições de todo o tipo, políticas, religiosas, económicas e outras, sofridas pelos seus cidadãos de origem árabe. É por essa razão, igualmente, que a oposição ao retorno dos refugiados palestinos obrigados a espalhar-se pelos territórios de outros países da região é unânime em Israel. O célebre escritor Amos Oz, por exemplo, escreveu no dia 9 de junho de 2001 no jornal francês Le Monde: - "O reconhecimento do direito ao regresso [dos refugiados palestinos] significaria o aniquilamento de Israel”. 

Esther Mucznick pede que os atuais críticos de Israel não se esqueçam que o Hamas é uma organização terrorista. Pela parte que me cabe, pedido aceite. Espero que ela também não se esqueça do seguinte: 1. O Hamas não representa a totalidade do sentimento e dos interesses do nacionalismo palestino; 2. Há mesmo uma diferença de fundo entre o terrorismo do Hamas e o terrorismo de Estado praticado pelo governo de Benjamim Netanyahu?

Não, não exagero quando falo em "terrorismo de Estado” por parte de Israel. O ex-membro das forças armadas israelitas Ori Givati, em entrevista ao já referido jornal português Público no último dia 23 de Maio, declarou: - "(...) o que estamos a fazer nos territórios ocupados não é proteger Israel. É controlar os palestinos, é permitir que os colonatos continuem, é trabalhar para anexar de facto a Cisjordânia”.Significativamente, Givati é membro de uma organização de antigos militares israelitas designada "Breaking The Silence” [rompendo o silêncio].
*Jornalista e escritor

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