Opinião

O exemplo da PGR

Luciano Rocha

Jornalista

A PGR, apesar das fragilidades que a debilitam, como o próprio procurador-geral reconhece, é das instituições a merecer o reconhecimento da generalidade dos angolanos, pelo combate à corrupção que espatifou o erário e atou as mãos do desenvolvimento.

15/04/2021  Última atualização 08H00
Àquela instituição - não a única, acentue-se, para evitar "mal-entendidos” - deve-se, igualmente, a devolução aos angolanos do sentimento de que a lei pode chegar, finalmente, aos larápios de "colarinho branco” e retirar-lhes fortunas, tanto divisas, de proveniências várias, guardadas, impunemente, em cofres de bancos, como outros bens de toda a ordem. Tão importante ou mais - sonhos legítimos não têm tamanhos - foi fazer renascer, em muitos de nós, o sonho da Angola pela qual lutaram distintas gerações: mais fraterna, justa, solidária, sem distinções de espécie alguma.
A chama da Pátria sonhada, reacendida, com coragem, sangue e vida, pelo Fevereiro da esperança nova, expandiu-se, galgou mares, rios, até céus, para espalhar-se por chanas, montanhas, vales; enfrentar e montar emboscadas; opor-se a  exércitos melhor apetrechados, mas sem motivações que não fossem as de perpetuar a ocupação; enganar o sono ao relento, comer o que houvesse, quando havia; alfabetizar, tratar de doentes; vencer o desânimo, olhando horizontes tão próximos e,  paradoxalmente, longínquos da Terra-Mãe.

Depois, veio Novembro a abrir mais um capítulo da nossa História e, com ele, outra vez, foi sustido o grito do êxtase, da gargalhada com significado de liberdade, festa, abraço fraterno. Por quem?  De novo, por forças de países que se diziam livres, mas queriam impedir-nos de o ser como queríamos: donos dos próprios destinos da Pátria heroicamente conquistada pelas armas. Que, é bom lembrar, fomos obrigados a empunhar após o ocupante se ter furtado ao diálogo para uma independência sem perda de vidas humanas.

Depois de Novembro da festa contida, outras guerras vieram movidas, para não variar, por interesses estrangeiros. E as guerras prosseguiram, já, na altura, com  gente de ambos os lados das trincheiras a tirarem dividendos dela. Mesmo assim, fomos capazes de conseguir calar as armas. Tudo fazia prever que chegara o momento há tanto esperado, de começar a construção da Angola nova, fraterna, justa, solidária, sem distinções, com deveres e direitos iguais para todos. Se a  esperança chegou a reacender-se depressa se apagou como chama de lamparina soprada pelo vento de anunciar chuva. 

Quando se deu por isso, Angola estava mais dividida do que nunca: seitas nascidas de uma pequena-burguesia impreparada, que se servia do erário como coisa própria, encarregou-se de a dividir entre elas e os "outros”. Pelo meio, permitia a existência de uma franja de servidores, bajuladores, capazes de tudo a troco  de "trinta moedas”. Foi "o tempo das aparências”, das "vacas gordas”, de anúncios de projectos megalómanos, que permitiam desvios de parte dos orçamentos para contas privadas.

Neste cenário dantesco descurou-se, como convinha, ensino e saúde, bases de qualquer sociedade, bem como todos os sectores da economia, que não tivessem lucros imediatos para as tais seitas, para quem impunidade era palavra desconhecida. Por isso, privilegiaram, a par de negociatas milionárias, petróleo e diamantes. Para "compor o ramalhete”, antes de serem apanhadas ou fugirem, deixaram fiéis seguidores: apegados a dinheiros "à mão de colher”, como comprovam constantes processos a detentores de cargos públicos, uns condenados, outros a aguardar vez de serem julgados.

A Procuradoria-Geral da República - não é a única instituição a fazê-lo, sublinhe-se, agora e sempre, não vá haver "mal entendidos” -, apesar das limitações com que se debate, continua a fazer o papel que lhe está destinado, não sacode "a água do capote”. Assim fossem todos.  

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