Cultura

O golpe, o agapeci e o 27 de Maio

Pereira Dinis

O Dianzala e o Dacantina são grandes avilos. Mas há um senão entre eles. Se não, Se não discutem de manhã, discutem a tarde, se não discutem a tarde, discutem a noite, se não discutem a noite, discutem a madrugada, quando estão numa festa ou convívio entre amigos.

23/05/2021  Última atualização 19H17
© Fotografia por: DR
Segundo o Kinama, são mesmo amigos de dedo e unha. São tão kambas que quando o irmão mais novo do Dianzala lhe ligou para ir em casa dele, porque queria mabossar (conversar) com ele, pediu ao camba Dacantina para lhe acompanhar.

Como sangue não fatiga (linguagem de bairro, que na interpretação livre pode significar que "não se deve abandonar o irmão sozinho, quando ele precisa de ajuda”), o Dacantina foi lhe acompanhar. Não meteu travão, porque tinha a plena certeza que ao ir a casa de um ngunvulo (governante) estavam garantidos uns pambulos para os candengues no dia seguinte.

Quando eram sete horas da manhã, já estavam no mbalandi do irmão do Dianzala. Fizeram um sacrifício. Saíram a bute (a pé) do mbila (Sambizanga) até a Urbanização Nova Vida. Vejam o quanto uma pessoa se sacrifica, quando não tem nada ou está na linha da pobreza extrema.
Na verdade, como diz o Kinama, porque os dois avilos é que lhe contaram, assim que entraram, o candengue do Dianzala lhes mandou abancar (sentar) à mesa para matambarem (matabichar). Aceitaram o convite.

Até aí estava tudo bem. Qual era o matamba? Gambas grelhadas, acompanhadas com uns molhos, azeitonas, café, leite e pão torrado. Não quer dizer que os sambilas não pancam (comer) esse pereu (comida). Só que foram surpreendidos porque estiveram algumas horas num convívio e só não permaneceram mais por causa da Covid-19 e o respeito pelo decreto presidencial que está a vigorar.
O Dianzala, como estava ressacado e a tremer, pediu ao irmão para mandar caular (comprar) dois pacotes de vinho. O candengue mandou comprar duas ngalas (garrafas) de vinho do mbote (do bom/caro), que custaram 40 mil kwanzas.  Enquanto foram comprar a ngala, o candengue disse: "Dianzala já transferi 200 mil para a conta da tua mboa (mulher). Tirem dinheiro para fazerem compras e dão qualquer coisa nas manas, na família da tua mulher e nos kotas e candengues da banda para alegrar o bolso”.

E disse mais: "Estão aqui 59 mil para o Dacantina. Para dar 40 mil na mulher e ficar com 10 mil para conviver e têm mais aqui 20 mil, dez para conviverem e outros dez para apanhar táxi”.
Tudo combinado. Não houve estrilho (confusão). Pancaram e levaram as ngalas com o argumento de que iam beber na banda. Pegaram o táxi e quando chegaram no mercado do S. Paulo começou a nvunda (discussão).

Isto segundo o Kinama. O Dianzala dizia "você comeu bem na casa do meu irmão, que ainda te deu dinheiro para sustentar a tua família”. O Dacantina respondeu: "Eu vou avisar todos os avilos e na minha família que se eu baicar (morrer) é você e o teu irmão. Minha mulher cozinha melhor que a tua. A tua não sabe fazer uma boa balada (cozinhar funje). Ontem a comida que comi na tua casa me aranjou desarranjo. Tua mulher nem salada sabe fazer”.

A discussão chega até a porta do Mamungua. Os avilos estavam nervosos. O Dianzala disse: "Eu já não luto com formão. Dou-te um golpe e vais ver onde vais parar”.
O Dacantina respondeu: "Eu não tenho chino (canivete). Dou-te um agapeci (soco no estômago) e vais conhecer o caminho do cemitério do 14”.

Mamungua, como detesta este mês de Maio, ao ouvir falar de golpe e agapeci e ao ver movimento de caingas (polícias), pensou logo que estava em vista mais um golpe.
Em voz alta, disse: "Não tenho nada a ver com isso. Já sofri por causa do 27 de Maio de 1977. Se tiverem que me matar, me matam em frente dos meus netos. Mas não me disparem na cabeça. Me disparem na barriga”.

E acrescentou: "Quando estiverem a escrever sobre o 27 de Maio de 1977, escrevam a verdade. Não meter três indivíduos que mal conhecem as duas entradas de Ndalatando, para falarem do Sambizanga, quando mal conhecem as sete entradas do Baião, onde estava montado o Estado-Maior dos fraccionistas”.         

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