Cultura

O lado mercantil do alembamento

“O preço ou o valor das despesas para o alembamento nunca esteve estipulado. O que temos vindo a assistir nos últimos anos é um verdadeiro atropelo aos ensinamentos deixados pelos nossos antepassados”, afirmou ao Jornal de Angola Ventura dos Santos.

17/01/2021  Última atualização 13H14
O alembamento, era considerado um acontecimento de respeito, amor e dignidade para com a mulher © Fotografia por: Edições Novembro
O ancião disse que, actualmente, a prática do alembamento em Angola tem estado a perder o seu real valor "devido às inúmeras exigências impostas aos jovens que se pretendem juntar”.

Ventura dos Santos considera que a dolarização dos usos e costumes tradicionais é um puro desrespeito à tradição e a cultura angolana.  "Quando nasci, há 60 anos, o alembamento era considerado um acontecimento de respeito, amor e dignidade para com a mulher e as famílias de ambos os cônjuges”, salientou.

Segundo o nosso interlocutor, o acto de alembar no antigamente era antecedido de três actos distintos. O primeiro encontro servia apenas de apresentação entre as famílias, com o objectivo de se conhecer as exigências e os hábitos familiares. Depois disso os parentes do rapaz tinham de endereçar uma carta à família da noiva no sentido formalizar o pedido da esposa, e simultaneamente, a autorização para o alembamento.

Ventura dos Santos fez saber que à cerimónia tradicional que marcava a oficialização dos cônjuges seguia-se um outro ritual chamado "Kubucula”, o qual dava então direito ao marido para levar a esposa para sua casa. "No meu caso paguei apenas cinquenta escudos e a  carta foi acompanhada de um garrafão de vinho e mais cinco litros de maruvo, a bebida tradicional exigida”.

Lembrou que as tias da jovem alembada eram obrigadas a visitá-la logo nas primeiras horas do dia seguinte, a fim de confirmarem a sua virgindade. E os lençóis ensanguentados eram mostrados à vizinhança como prova da castidade pré-nupcial da jovem.

O nosso interlocutor, nostálgico, recorda-se de ter assistido a muitos casos do género, os quais sempre terminavam em festa como sinal de regozijo para ambas as famílias. "Era uma grande alegria. O respeito para com o casal era outro”. Lamentou, no entanto, o facto de presentemente muitos jovens não aceitarem a abstinência sexual antes do casamento "como forma de dignificar a identidade cultural africana, os costumes familiares e as próprias pessoas”.

Assinalou que hoje o alembamento é feito apenas à base de uma simples lista com os requisitos e as condições para o acto. Ventura dos Santos considera mesmo "pecado” obrigar o noivo ao pagamento de grandes somas em dinheiro e a entrega de um número elevado de bens materiais. Realçou que, nos dias que correm, a maioria das moças aparecem já grávidas antes do pedido, o que "se torna bastante complicado, porque elas nem sempre têm a sorte de serem assumidas”.

Sublinhou que em algumas regiões da província do Bengo, em caso de morte do marido, a família deste apresenta à viúva um dos irmãos do defunto para tomá-la como esposa. Isso chamava-se "lundular”. Caso ela negasse ser lundulada "era literalmente desvinculada da família com uma carta e obrigada a abandonar os bens e a casa”.

Nos casos em que uma mulher cometesse adultério, segundo o nosso informador, o homem com quem ela se tivesse envolvido era obrigado a indemnizar o noivo, reembolsando-lhe todas as despesas do alembamento.

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