Opinião

O ladrar dos “cães VIP”

No “Pet Shop” da Maianga, andam a desfilar rações e raças caninas sobre as quais, às vezes, aos humanos sobe a ideia de certa invalidez. Foi neste espaço que o pastor alemão do corpulento Pascoalito cruzou o rafeiro do sempre magrinho Alex.

16/05/2021  Última atualização 06H10
Só não fosse coincidência, todos eles, donos e seus cães, já nasceram na nova Maianga. O bairro Salazar já era mesmo Mártires de Kifangondo e o Mbondo ya Mbulungu estava reduzido ao Prenda. Foram-se os embondeiros e com eles a sorte de muitos. Na retina de Pascoalito e Alex, a sua "bwala” agora só tem lá os "zazá” ou "retrós”, que também estão a ser despojados das cantinas e negócios de rua pelos "mamadus”, donos e senhores do espaço.

O que Pascoalito (in)compreende é a razão de o raçudo do amigo Alex hoje ladrar contra o seu rafeiro num calmo olhar e sem espanto do contemporâneo. Amigos amigos, negócios à parte. Soa o cantar das palavras que se apoiam nos dizeres populares, para mediar o conflito entre o raçudo e o rafeiro.

A porta do "Pet Shop” talvez não fosse o melhor dos cenários para o (re)encontro (in)feliz dos amigos de ontem, conhecidos de hoje. O ginásio mudou a fisionomia do ex-franzino Pascoalito e as estigas do bairro para os "frangotes” eram agora só mesmo para o Alex, embora este tivesse decidido treinar artes marciais e todas as técnicas de auto-defesa, para também se proteger.
Mas o bem alimentado cão do Pascoalito não dá um palmo ao rafeiro do Alex. O distanciamento da robustez dos caninos reflecte-se na dos respectivos donos.

Foi por aqui que nos subiu a lembrança de um tão nostálgico encontro, porquanto os cães, conforme fez questão de nos situar o kota Domingos, ladram ante uma ameaça ou quando em situação de desafio. Porém, esqueceu-se o kota que os raçudos, que hoje desfilam pela cidade com coleiras de luxo e se alimentam de uma apurada dieta animal, também ladram por não pretenderem partilhar a sua refeição com os outros; desconfiam dos que se aproximam e negam, até mesmo, aos outros a cedência de um palmo da sua zona de conforto.

Em palavras miúdas, já dizia a velha Sambita, sobre estes cães de raça e bem alimentados, que estão a ladrar de barriga cheia. A tirar o sono de quem precisa e a pôr em ameaça a sobrevivência dos que também pretendem conquistar o direito de andar e espreitar, ao menos, pelo passeio e partes vidradas de um "Pet Shop”. A diferença é como eles e outros encaram a ideia de trabalho em equipa e a igualdade de oportunidades.

Os "cães VIP” ladram sem fome e negam dar ao semelhante o que é repartível. Gritam com pequeno toque ou um simples piso ligeiro de uma patada humana.
No fundo, eles têm é medo de perder os "tachos” que no tempo das festas em "bar aberto” abundavam, mas que, por restrições às importações, agora são mais raros.
As orelhas antenadas de sobreaviso são reflexo de uma matilha atenta aos perigos, mas que a todo o custo quer alimentar a sua fome de vaidade sem olhar às necessidades de quem vai ao seu lado. Esquecem-se da chegada de um tempo novo onde cada um deve procurar partilhar, mas mais do que isso reproduzir as boas experiências para diminuir os gemidos dos rafeiros, que não tendo o direito de ir já a um "Pet Shop” pela porta principal reclamam, como que num miar de gatinhos, por melhores oportunidades.

*Pseudónimo de Isaque Lourenço, Jornalista

Víctor Júnior |*

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