Opinião

O liceu e a vacina

José Luís Mendonça

A segunda dose da vacina contra a Covid-19 está esculpida em alto relevo na minha memória, graças ao local onde ma injectaram: o Liceu Mutu ya Kevela.

22/05/2021  Última atualização 08H30
Depois de vacinado, puseram-me sentado com outros agulhados no mesmo corredor junto ao anfiteatro onde ficava, naquele tempo em que lá estudei e o edifício mais imponente de toda a província de Angola se chamava Liceu Salvador Correia, o placard com a exposição dos melhores desenhos pintados durante cada ano lectivo.
Que gratas recordações!

O mais incrível é que, ali sentado, e quando me preparava para ler o romance Aquário, de David Vann, que a minha colega Ana Maria Simões me enviou de Lisboa, é que dou conta do azulejo fixado na parede do anfiteatro: "SUA EXCELÊNCIA O SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA GENERAL FRANCISCO HIGINO CRAVEIRO LOPES VISITOU ESTE LICEU EM XXVI-VI-MCMLIV”.Um ano antes de eu ter nascido! Será que, no meu tempo do liceu, alguma vez tivera reparado neste azulejo? É bem provável que sim. Só que, agora, 47 anos depois de deixar de estudar no ex-Salvador Correia, reler aquela memória da visita presidencial de então, me encheu de muitas lembranças. A começar pelos meus companheiros das diversas turmas e salas por onde estudei e aprendi a amar o conhecimento, a respeitar as autoridades, a ser um homem de palavra. O Reginaldo Silva, um dos mais atentos e engenhosos jornalistas do nosso país, foi meu companheiro de sala, por dois ou três anos. E o Carlos Alberto Fonseca, hoje embaixador de Angola em Portugal, andou comigo nas turmas do sexto e sétimo ano. Nunca esqueço o Fofo, hoje engenheiro. Muitos outros, como o Vértice, que me acudia na hora da porrada dos mais velhos, há muito embarcou para Portugal. Das meninas, a que mais me chega à tona da memória é aquela actriz de teatro que protagonizou a Anne Frank, numa peça curtida no grande salão onde fazíamos ginástica e onde, pela primeira vez, assisti, num sábado, ao filme O Padrinho. O nome dessa colega? O nome dela? Porque não me lembro? 47 anos é mesmo muito tempo. Ainda guardo o anúncio de cartaz dessa peça. Assim como guardo um desenho que me ofereceu o melhor cartoonista do liceu, o Zé Maria. Aqui há uns anos, passei pelo liceu só para visitar o Senhor Videira, que nos vendia, ao balcão da cantina, os melhores bolos do mundo e umas gasosas bem geladas. Então, o minino, como é que está?, perguntava-me ele, sempre que lá ia, depois da independência. Estou bem, ti Videira, respondia eu, e lhe deixava sempre os trocados. Hoje, a sala da cantina chama-se "Cantinho do Videira”, se a memória não me falha. O Senhor Videira tinha sempre uma caixa de tabaco vazia e aberta, com a inscrição "Reception de Gorjetion” (recepção de gorjetas), no francês que ele próprio inventou.Os anos passaram. Tudo passa. Tudo muda.

Mas o facto de estar  ali a  repousar da segunda injecção imunizante da AstraZeneka, fez-me lembrar do posto médico que havia no Salvador Correia. Porque, uma vez, apanhei anginas e um colega meu, o António Dias, que hoje deve ser advogado em Portugal, me levou lá e fui bem tratado com injecções de antibióticos. Em 2018, estive no liceu e reparei que o serviço do posto médico fora reposto.Esta realidade faz-me levantar do balaio de notícias da Angop uma datada de 22 de Abril de 2019, que falava de um Programa de Saúde Escolar, lançado pelas ministras da Educação, Cândida Teixeira, e da Saúde, Sílvia Lutucuta.

"A educação para a saúde será tratada nas escolas do ensino primário e do II ciclo com temas extra-curriculares, desde a promoção, prevenção e mitigação da malária, tuberculose, VIH e Sida fruto do Programa de Saúde Escolar lançado nesta segunda-feira, em Luanda.(…)Por sua vez,  a ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, disse que o programa, que também contempla rastreio das doenças, cria um potencial para a disseminação na família e nas comunidades, por utilizar educandos como um dos principais veículos.”Foi esta notícia que mais me alegrou no ano de 2019 e agora se junta ao ondular de memórias minhas dos tempos do liceu. De lá para cá, as crianças e eu ainda estamos à espera do cumprimento dessa promessa.

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