Opinião

O pregão do Estado de Direito Democrático

Manuel Rui

Escritor

Reza a lenda que o tal Estado de Direito Democrático tinha como marca a separação dos poderes, o executivo, o legislativo e o judicial, sendo que os presidentes dos estados e o legislativo devem ser eleitos, liberdade, fraternidade, igualdade, palavra de ordem da Revolução Francesa em 1789, fins do séc. XVIII, novas relações económicas e sociais, de um lado os capitalistas (burguesia em ascensão) e do outro a realeza (monarcas).

06/05/2021  Última atualização 06H45
Parecia que tudo no mundo se iria resolver como uma "panaceia dos milagres do porvir” em nome do cidadão e da cidadania, como escreveu Óscar Monteiro (hoje um dos clássicos da Frelimo) para mim na plaquete para a queima das fitas em Coimbra. Por tudo e por nada usa-se a expressão Estado de Direito Democrático ou Estado Democrático de Direito. O léxico das componentes sociais de capital trabalho sofre variantes para entidades patronais trabalhadores, empregadores versus empregados, comissões mistas para decidir sobre aumentos salariais milimétricos, noutras vertentes, para se calar a fome das favelas inventam-se polícias de pacificação dando continuidade ao colonialismo e esclavagismo quando aqui sob a bênção da santíssima trindade se faziam as chamadas guerras de pacificação. Neste novo léxico não cabe o proletariado nem o primeiro de Maio com versos de Maiakovski: "eu sou operário/ este dia é meu; eu sou camponês/ este dia é meu/ calai vossos canhões/ este dia é meu.”

Se num estádio de futebol na metrulha um empresário agride um jornalista de televisão vem logo à baila o estado de direito e a classificação que se dá ao acto é no de se assemelhar ao terceiro mundo que o estado de direito inventou sendo ele o primeiro mundo e tem vezes que passa receita às ex-colónias para que não criem mas copiem o estado de direito democrático. Tem vezes que juristas do primeiro mundo são chamados a África para escreverem a constituição de um país e perguntam se há leões nas cidades…Por nada e por tudo é chamado à colação o Estado de Direito Democrático e os direitos fundamentais da pessoa humana. E é dos Estados de Direito Democrático que surgem novos léxicos como o floydismo que consiste em asfixiar o outro com o joelho no pescoço até à morte. Outras vezes, os agora chamados populismos, variantes do estado de direito, como as variantes da pandemia, negam-se a si próprios, levam para lá do extremo e conseguem legalizar partidos inconstitucionais, quase neonazis. 

E o Estado de Direito é sustentado pelo voto popular e o povo é manipulado com as máquinas tecnológicas de agitação e propaganda e marketing político. Os líderes podem enganar o povo, que pode ser driblado por líderes negacionistas que receitam cloroquina contra toda a ciência e hostilizando a OMS (Organização Mundial de Saúde) para "uma gripezinha”… ou desinfectantes e não acontece nada a estes chefes de quadrilha porque convencem o povo a não confinar para ser livre trabalhar e criar riqueza para não se matar a economia, o povo vai nessa, acredita e morre por falta de oxigénio tudo em nome do estado de direito, o mesmo estado de direito que no bolsonarismo tem mais ministros de origem militar que Castelo Branco do tempo da ditadura militar, tudo em tempo de estado de direito com legislativo, executivo e judicial que, não obstante a independência costumam brigar e extrapolar poderes.O tal Estado de Direito transformou-se numa ditadura global porque é imposto aos estados mais fracos, principalmente ex-colónias para que possam receber armamento que não fabricam para se matarem e ficarem na dependência epistemológica sem repararem no epistimicídio, o genocídio existencial. No estado de direito os mais ricos açambarcaram as vacinas e quando desconfiam depois oferecem aos países mais pobres.

O estado de direito constrói arquétipos como prolongamento pacífico do colonialismo. Portugal, socorre-se da língua com a chamada lusofonia, apanagiada numa televisão com mais um slogan: "vários povos uma só língua” que contraria o meu para Angola: "várias línguas e um só povo.” Mesmo que eu esteja a cantar Umbi Umbi e a comer kizaca … é lusofonia.E também o estado de direito destruiu, com guerras sem fundamento, culturas milenares como as da Mesopotâmia que passou a Iraque. O estado de direito foi ao Vietnam matar com Napalm e armas químicas. Foi derrotado mas não julgado porque o estado de direito é quem julga e denominou terroristas quem lutava contra as invasões e o esclavagismo sistémico.

O Estado de Direito faz voos espaciais numa despesa que não realiza para combater a fome e as desigualdades entre ricos e pobres.O Estado de Direito tem mundos circundantes que utiliza como as religiões e o futebol, principalmente. A religião arrasta multidões e o Brasil é o maior país católico do mundo mas nem com a estética do Cristo rei abrindo os braços à concórdia, o país não deixa de ocupar lugar cimeiro na criminalidade de todo o tipo que toca líderes políticos e governantes. No futebol, a UEFA e a FIFA têm a sua própria legislação e gerem milhões e milhões de dólares graças à inocência dos pobres que enchem os estádios para apoiarem o seu clube que já não é mas sim uma empresa, às vezes recém-comprada por um milionário. Um jogador de cinco estrelas dá um pontapé na cabeça de um adversário que está no solo, e.mais e mais pontapés, a vítima sai em maca, o agressor leva cartão vermelho e é expulso. O infractor só pode ser punido pelas leis do futebol, é multado e não pode jogar durante um tempo… não é julgado por homicídio na forma tentada. Os escândalos sucessivos de corrupção na UEFA e na FIFA são avaliados no foro desportivo, no entanto, este reino circular que é o futebol manda nos bastidores do Estado de Direito.Outras vezes, no estado de direito, um ex-primeiro ministro é acusado de corrupção, vai na kionga um ano, sai, o processo já dura dez anos, tem um juiz marido de uma juíza que vendiam sentenças, ainda não lhes aconteceu nada, uma alta figura angolana foi a Lisboa e corrompeu um procurador para arquivar processos contra angolanos…coitado do procurador no estado de direito.

Onde queríamos chegar é que o estado de direito é um autêntico carnaval, um pobre rouba uma lata de sardinha num supermercado, quando vai a fugir se o mandarem parar deve parar de contrário pode levar um tiro, é melhor parar e ser rapidamente julgado e condenado. Um multimilionário da Banca em Portugal, gestor de um Banco de família roubou até fartar. Prestou caução e está na sua mansão a caviar e champanhe. Ai de quem lhe roube uma cueca…os pobres esquecem que os milionários agora só carregam em botões.Afinal, o Estado de Direito mesmo com a nova máscara da globalização já não é uma realidade fáctica tais as trapalhadas de se negar a si próprio.Hoje é um pregão como o de uma das nossas peixeiras a gritar carapaué mas com a bacia sem peixe.Felizmente, a arte, pela música, literatura, teatro ou cinema tem sido a arma mais forte para dar a volta a isto para a mudança. É preciso criar novo ou novos sistemas.

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