Opinião

O reverendo Dr. João Makondékwa

Sousa Jamba

Jornalista

No mês passado de Fevereiro, faleceu o reverendo Doutor João Makondékwa, com oitenta e cinco anos de idade, figura altamente notável na História do nosso país.

05/03/2021  Última atualização 08H40
 Os tributos que seguiram ao seu falecimento reflectiram a riqueza de uma trajectória vivida na propagação do evangelho e na dignificação do africano.
O reverendo Makondékwa teve amigos fiéis do Norte de Angola, onde nasceu, da Missão do Dondi, aqui no Planalto  (onde ele fez parte dos seus estudos), de Londres (onde ele fez os seus estudos teológicos), da República Democrática do Congo (onde ele trabalhou por muitos anos) e de vários países (onde ele liderou com figuras da Igreja Baptista). Olhar para a vida do Reverendo Makondékwa permite ver os vários contornos da nossa história recente.

Nascido em Quibocolo, aquele berço do nacionalismo angolano, João Makondékwa começou os estudos numa escola da British Missionary Society (BMS). Depois da Quarta Classe, o jovem João Makondékwa vai para a missão da BMS no Bembe. Lá, ele frequenta a casa do pastor Afonso Tomás, onde ele conhece a sua futura esposa,  Isabel. A família Makondé-kwa, além da biografia do falecido reverendo, tem também um lindíssimo documento entitulado "Biografia de Casamento.” Num mundo como o nosso, onde os casamentos não duram, onde dá-se tanta importância ao materialismo, é bom ver uma união matrimonial de quase seis décadas. Este é um daqueles casais onde se partilhou todos os altos e baixos.

No fim dos anos cinquenta, João Makondé-kwa vem para a Missão do Dondi, aqui no Planalto Central onde eu nasci. João Makondékwa foi acompanhado por Venâncio Biela, que encantava todo o Dondi com o seu domínio da guitarra. O meu irmão mais velho, que conheceu o João Makondékwa e Venâncio Biela, me disse que logo depois todos os jovens queriam tocar guitarras no estilo de Venâncio Biela.
Lá no Norte aconteceu o 1961,  famílias inteiras passaram a ser perseguidas, algumas refugiaram-se no Congo Belga, que, naquele ano,  era  independente.

O sistema colonial português insistia no mito da sua missão civilizadora. Para as autoridades coloniais, as escolas protestantes e os missionários Anglo-Saxões (americanos, canadianos e  ingleses) eram altamente suspeitos. As suspeitas dos portugueses não eram infundadas. Em 1914, quando a Missão do Dondi foi fundada, o reverendo Charles Napier afirmava claramente que o objectivo era criar uma classe de africanos que estariam à altura de gerir os seus próprios assuntos. Norton de Matos, governador do Huambo e eventualmente Governador de Angola, disse ao grande missionário Tucker que o tipo de formação que os missionários estavam a dar aos africanos era perigosa porque, eventualmente, eles poderiam ser tão "competentes”  como os brancos. Para  figuras como Norton de Matos, o africano tinha que ser instruído a trabalhar — ponto final!

Como vários jovens na altura, João Makondékwa, com a ajuda dos missionários saiu do Planalto Central e, passando pela Zâmbia, instalou-se em Léopoldville. E quem é que ele encontra por lá? Isabel, filha do pastor Afonso Tomás do Bembe, que agora estava também no Congo Belga. Logo, João Makondékwa passa a ter uma bolsa que lhe leva para Londres, onde começou a estudar Teologia. Aqueles foram momentos dos Direitos Civis nos Estados Unidos. O engenheiro Ernesto Mulato, que é do Bembe,  conheceu bem o reverendo Makondékwa e o seu imenso interesse em assuntos africanos.

Ernesto Mulato diz que, naquela altura,  o reverendo Makondékwa preferia sempre estar por cima das questões partidárias e confraternizar-se com todos os angolanos no exílio. Segundo Ernesto Mulato, João Makondékwa escutava religiosamente todos os programas da BBC que falavam de África. Não é surpreendente que João Makondékwa fez parte de um grupo de jovens que tiveram um encontro com o Dr Martin Luther King Jr. para trocar impressões sobre o futuro dos países africanos e a questão da discriminação dos negros no Ocidente.
Foi neste momento que  Isabel, que estava em Léopoldville, vem para Londres. Em 1966, na igreja de Alperton em Londres, João e Isabel Makondékwa foram casados numa cerimónia presidida pelos os reverendos  H.S Tymms e E.G.T. Madge. Os reverendos Max Hancock e Clifford Parsons, ambos da BMS, e que tinham vivido por muitos anos em Angola, estiveram presentes na cerimónia.

Em 1973, o casal Makondékwa regressa para o Continente  Africano, para o então Zaire. O nosso reverendo envolveu-se em vários projectos eclesiásticos — incluindo dar aulas de Teologia no que é hoje a República Democrática  do Congo. A Dona Isabel, que tinha estudado enfermagem no Reino Unido, dedicou-se à organização de maternidades. Em 1975, a família Makondékwa regressa para Angola, instalando-se primeiro no Norte e eventualmente em Luanda.
O reverendo João Makondékwa, dedicou-se à Igreja Evangélica Baptista de Angola (IEBA)  chegando a ser o secretário-geral da mesma. A contribuição do reverendo João Makondékwa ultrapassava as nossas fronteiras — ele chegou a ser o vice-presidente da Aliança Mundial Baptista. Figura culta, espero que alguém esteja a compilar os seus sermões para serem publicados como um livro. Esta, sim, foi uma vida bem vivida e valiosa...

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