Política

Os desafios da Estratégia Nacional de Direitos Humanos (I)

Completou-se no dia 14 de Abril de 2021 o primeiro ano desde que foi publicado o Decreto Presidencial N. 100/20, que aprovou a Estratégia Na-cional de Direitos Humanos (ENDH) e o seu programa de acção para o período 20/22.

26/04/2021  Última atualização 06H00
© Fotografia por: DR
 Francisco Queiroz (*)

Este primeiro aniversário da ENDH é uma ocasião para reflectirmos sobre o alcance estratégico e os desafios que este importante instrumento de políticas públicas representa.
Iniciaremos a aborda-gem desta matéria com uma breve caracterização de DH, seguindo-se um estudo dos modelos de gestão de DH, culminando com a caraterização da ENDH e os desafios da sua implementação.

1. O que são Direitos Humanos (DH)?

Em termos sintéticos diremos que DH são os direitos básicos de qualquer ser humano, os quais se apresentam sob diversa natureza: direitos civis, políticos, económicos, sociais e culturais.
Os principais instrumentos jurídicos destes direitos são a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em 1948 pelas Nações Unidas, em resposta à necessidade de instituir um mecanismo jurídico internacional capaz de garantir a paz e a harmonia entre as nações, depois de terminada a segunda guerra mundial.
A União Africana viria, em 1968, a aprovar a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, uma visão africana de DH que inclui os direitos dos povos africanos à independência e à livre determinação, face ao passado colonial.
Há ainda os instrumentos jurídicos internacionais de-correntes daqueles dois instrumentos de base e as constituições e legislação ordinária de cada país sobre direitos humanos.


2. Perspectivas de gestão dos DH

A maneira como estes direitos básicos são geridos é, por vezes, objecto de alguma divergência de pontos de vista.


2.1. Visão Privatística
Há uma corrente, que poderíamos chamar "privatistica”, defensora da ideia de que os direitos humanos devem ser geridos unicamente pela sociedade civil nacional (organizada ou não organizada) e  internacional de direito privado.
Esta corrente parte do pressuposto de que as instituições públicas não são um parceiro isento na gestão dos direitos humanos, apresentando-se antes como potenciais inimigos, opositores, ou obstáculos ao exercício pleno dos direitos humanos pelos cidadãos.
Esta visão conheceu algum desenvolvimento na década de 60 e 70, muito favorecida com o surgimento das organizações não-governamentais (ONG). Estas organizações de direito privado não têm fins lucrativos e actuam com o reconhecimento e apoio dos poderes públicos, sobretudo em áreas de intervenção social em que a presença do Estado é insuficiente. As ONG dos países mais avançados depressa se tornaram meios de intervenção social nos países em desenvolvimento, para encaminhamento, gestão e execução de projectos de apoio social nesses países, financiados pelos governos dos Estados de origem. Na década de 90 do século passado e início deste século as ONG estrangeiras começaram a ser vistas com desconfiança pelos países receptores das ajudas externas, porque muitas vezes interferiam na vida interna dos países hospedeiros. Por causa dessa desconfiança, os países receptores das ajudas externas encorajaram a constituição de ONG nacionais para substituírem as externas na acção social, humanitária e em outras áreas de intervenção. Do conceito originário de ONG passou-se então para o das organizações da sociedade civil (OSC). Angola conheceu também essa via histórico-evolutiva. Existem actualmente mais de 700 OSC de direito angolano nos mais diversos domínios temáticos de intervenção: social, ambiental, corporativa, cívica, etc.
Estas organizações são um parceiro incontornável dos poderes públicos  na gestão dos direitos humanos no nosso país.


2.2 Visão Publicista
A visão que confere aos poderes públicos uma importância decisiva na gestão dos direitos humanos impôs-se na generalidade dos países membros da ONU.
Com base nesta visão, a que designaríamos "publicista”, o Estado desempenha um papel central na gestão dos DH.
No caso de Angola, a intervenção do Estado na promoção, defesa e fiscalização dos DH decorre da Constituição da República, cujo artigo  21* define expressamente essa responsabilidade do Estado, ao referir que  "constituem tarefas fundamentais do Estado angolano:
a) Garantir a independência nacional, a integridade territorial e a soberania nacional;
b) Assegurar os direitos, liberdades e garantias fundamentais;
c) Criar progressivamente as condições necessárias para tornar efectivos os direitos económicos, sociais e culturais dos cidadãos;
d) Promover o bem-estar, a solidariedade social e a elevação da qualidade de vida do povo angolano, designadamente dos grupos populacionais mais desfavorecidos;....”


3. Vertentes da visão publicista de gestão dos DH em Angola
De acordo com a visão publicista podemos conceber a gestão dos direitos humanos numa vertente de polarização do interesse internacional e numa vertente de polarização do interesse nacional.
A questão que se coloca hoje em dia é a de saber como é que nós, os angolanos, estamos a fazer a gestão dos direitos humanos face a estas duas vertentes de polarização de interesses e qual o papel do Estado e da sociedade civil, sendo que o papel de ambos é fundamental.
Para respondermos a esta questão teremos sempre de partir do princípio prévio de que, para nós, entre as duas vertentes de interesse não pode haver divergências, pelo contrário, deve existir complementaridade e uma perfeita articulação operativa.


3.1 Vertente do interesse internacional de gestão dos DH
Com base nesse princípio orientador e tendo por critério os pressupostos históricos e constitucionais do Estado Angolano, este faz a gestão pública do interesse internacional dos direitos humanos em cooperação com a ONU, a União Africana, a SADC e os parceiros internacionais bilaterais de Angola em DH, (UNIÃO EUROPEIA, EUA, NORUEGA) envolvendo instituições públicas e toda a sociedade angolana, com a participação efectiva das OSC nacionais e internacionais.
Na gestão do interesse internacional de DH o Estado tem como principais instrumentos jurídicos a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 1948 pelas Nações Unidas; a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, aprovada pela União Africana em 1968, e outros instrumentos jurídicos internacionais que funcionam como meios legais de realização da visão e do interesse internacional. Neste exercício de execução do interesse internacional intervêm os mecanismos e órgãos das Nações Unidas, da União Africana e de outras organizações multilaterais de que Angola é parte.
De acordo com estes mecanismos  internacionais deveremos garantir que a nossa gestão de direitos humanos esteja alinhada com os instrumentos jurídicos internacionais e com os órgãos de fiscalização da realização daqueles instrumentos jurídicos, que são a própria Organização das Nações Unidas, através do Conselho dos Direitos Humanos (de que Angola fez parte por três mandatos), e da Comissão respectiva da União Africana.
O Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, através da Direcção Nacional dos Direitos Humanos, é a instituição do Executivo que garante a execução da política de direitos humanos na perspectiva do interesse internacional, estando envolvidos nessa execução outros órgãos e instituições do Estado, designadamente os Tribunais, o Parlamento, a Provedoria de Justiça, a CIERDNDH (Comissão Intersectorial para Elaboração dos Relatórios dos Direitos Humanos) e a sociedade civil.
Os efeitos da actuação nesta vertente de gestão constituem, na verdade, o cumprimento pelo nosso país da agenda do interesse internacional de gestão dos direitos humanos. Angola está comprometida com essa agenda e segue essa visão.


3.2 Vertente do interesse nacional de gestão dos DH

A vertente do interesse nacional de gestão dos DH é realizada dentro do quadro normativo nacional, das políticas públicas e dos instrumentos institucionais nacionais de promoção, defesa e fiscalização dos direitos humanos em cada país.
No caso de Angola, o nosso sistema jurídico contempla regras que constam da Constituição da República sobre direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, que constituem o principal núcleo legal de promoção e defesa dos direitos humanos. Alem disso, de acordo com o princípio constitucional da defesa da dignidade humana dos angolanos, o Estado exerce um papel fundamental, que começou com a conquista da independência e a preservação da soberania, passando pela garantia e defesa dos direitos e dos legítimos  interesses dos angolanos, em qualquer parte onde se encontrem.

Luanda, 14 de Abril de 2021

 (*) Professor da Universidade Agostinho Neto Ministro da Justiça e dos Direitos Humanos

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