Opinião

Os descendentes de Pedro Félix

Filipe Zau

Jornalista

Num trabalho académico do historiador e escritor angolano Alberto Oliveira Pinto, sobre a obra precursora do romance angolano "Scenas de África", publicada em 1891, tomámos conhecimento que o seu autor, Pedro Félix Machado, nasceu em Luanda, por volta de 1860. Seu pai, António Félix Machado, natural dos Açores, foi comerciante com negócios entre Luanda e o Recife (Brasil), enquanto, sua mãe, Ana Joaquina do Amaral Gourgel, mestiça angolana, de ascendência brasileira, era filha de Pedro Maria do Amaral Gourgel e Catarina da Costa, ambos angolanos.

20/01/2021  Última atualização 08H46
Depois do governador Salvador Correia de Sá e Benevides (1648-1651) ter afastado os holandeses de Angola, chegaram do Brasil comerciantes, que estabeleciam laços matrimoniais com as angolanas e controlavam o tráfico de escravos, a partir de Luanda e Benguela, para os portos brasileiros. Com a chamada "Lei Eusébio Queiroz”, decretada em 1850, foi encerrado o tráfico negreiro para o Brasil. Pedro Félix Machado nunca residiu no Brasil, mas as suas ligações àquele país são inequívocas: a ascendência familiar materna, os negócios do pai e a génese do nativismo angolano.

De um modo geral, as famílias mais abastadas preferiam enviar, desde muito novos, os seus filhos para Portugal. Mas, Pedro Félix Machado e Joaquim Dias Cordeiro da Mata estudaram na Escola Principal de Luanda, criada pelo Decreto de 14 de Agosto de 1845 e extinta em 21 de Junho de 1906. Em «A Geração Silenciada; A Liga Nacional Africana e a Representação do Branco em Angola, na Década de 30» da autoria de Eugénia Rodrigues, surgem os nomes de Américo Alves Machado e de Ilídio Tomé Alves Machado como familiares de Pedro Félix Machado.

Américo Alves Machado é descrito como sendo um dos mais radicais elementos da Liga Nacional Africana (LNA), cuja direcção integrou em 1936. Apadrinhado por António Assis Júnior e Adolfo Castelbranco, dirigiu o Centro de Estudos, até 1938, destinado aos nativos de "média cultura e ansiosos de consolidar os seus conhecimentos científicos e literários”, com o objectivo de atrair os jovens, dispersos por diversas organizações. Entre eles figuravam os nomes de Frederico Silva, João de Almeida e Sousa, Manuel Palma, Joffre Van-Dúnem, Filipe Galiano, Manuel R. Cruz, António A. Silva, Geraldo Bessa-Victor e Ilídio Tomé Alves Machado. Na dependência do Centro, funcionava o Curso de Explicações, em regime nocturno, "para os nativos de apoucada leitura e ainda no limiar da cultura.”

Entre 1936 e 1938, Américo Alves Machado fez parte da comissão de redacção do «Angola», boletim oficial da LNA, assinando inúmeros textos, sendo também o autor dos artigos publicados sob o pseudónimo Ludovico Mára. Em 1938, foi para Sá da Bandeira (Lubango), foi redactor de "O Direito” e, em 1944, foi para Portugal estudar Medicina.
Ilídio Tomé Alves Machado, irmão de Américo Alves Machado, nasceu em Luanda, em 17 de Dezembro de 1914. Foi fundador e presidente da Liga da Mocidade Angolana, de existência efémera, membro do Centro de Estudos da LNA e, a partir de Outubro de 1937, redactor do "Farolim”.

A Liga da Mocidade Angolana tinha como objectivo "o aparecimento de uma mocidade angolana mais consciente, mais eficaz nos empreendimentos e positivamente mais valiosa dentro da própria terra natal.” Dos seus integrantes constavam os nomes de Francisco Octávio Neto (vice-presidente), Guilherme Lima Alves do Nascimento (1º secretário), Luís Maria Nascimento (2º secretário), Eurico Santana (tesoureiro), Bernardo dos Santos Castelbranco (vogal) e Pedro Trindade Aleixo da Palma (vogal).

Edmundo Rocha, em "Contribuição ao Estudo da Génese do Nacionalismo Moderno Angolano» define Ilídio Tomé Alves Machado como "um dos mais dinâmicos e consequentes promotores do nacionalismo angolano, desde 1948, tendo ganho grande prestígio nos meios nacionalistas angolanos”. Fundou com Viriato da Cruz, em 1955, o PCA (Partido Comunista Angolanos) e depois o PLUAA (Partido de Luta Unida dos Africanos de Angola), tendo sido um dos subscritores do MANIFESTO de 1956.

Após a saída de Viriato da Cruz de Luanda, Ilídio Machado dirigiu o MIA (Movimento para a Independência de Angola) com André Franco de Sousa e Higino Aires, seu sobrinho, do qual também integravam Eduardo Correia Mendes, Joaquim Figueiredo, António Macedo, Miguel de Oliveira e António Monteiro. Tiveram como simpatizantes, o Cónego Franklin, o Pe. Nascimento e o Pe. Joaquim Pinto de Andrade. Através do seu irmão, Humberto do Carmo Alves Ma-chado, engenheiro silvicultor e dirigente do Clube Marítimo Africano, Ilídio Machado mantinha contactos com Lúcio Lara e Agostinho Neto. Também com Matias Miguéis, em Brazzaville e, através do seu amigo cubano, naturalizado americano, Lawrence Holden, tripulante do navio "African Glen”, com o Ghana e com o Brasil.

Ilídio Machado tenta, em 1959, reunir os grupos nacionalistas dispersos num movimento único. Depois de ter viajado com a sua filha para Lisboa, é preso pela PIDE em casa do seu irmão Humberto, em 27 de Maio de 1959. Cumpriu pena no Tarrafal e só foi posto em liberdade, em 21 de Outubro de 1970.

* Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Interculturais

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