Opinião

Pobrezas…

Apusindo Nhari

Jornalista

Por ser um tema fundamental para sairmos do buraco em que estamos há demasiado tempo, a discussão a que assisti despertou logo o meu interesse, apesar de algumas das afirmações me parecerem de uma pobreza quase tão profunda como a que aflige muitos dos angolanos…

10/01/2021  Última atualização 10H11
Mas, antes de falarmos sobre ela, contextualizemos o "debate”: uma lanchonete, quatro jovens que, depois de um dia de trabalho, trocavam ideias …
- Sempre houve pobres e sempre haverá - ouvi. Temos é de impedir que eles invadam a cidade, tornando-a feia e perigosa - defendia um, no meio de outras frases feitas. Defendia também que cuidar dos pobres era assunto das igrejas, pois o Estado tem mais com que se preocupar; - Muitos deles são uns preguiçosos que preferem ficar a pedir esmola nos semáforos em vez de ir trabalhar - dizia outro - acrescentando que se devia levar essas pessoas todas para o campo onde certamente teriam trabalho.

Estas ideias, imbecis, não resistem a uma análise,mesmo que seja superficial. O problema é que qualquer análise exige trabalho e esforço para desafiarmos o que pensamos saber e sairmos da zona de conforto das nossas crenças, frequentemente assentes no desconhecimento. Isto explica a facilidade com que tanta gente se renda a falácias simplistas, ou haja líderes que as propaguem.
Confirmei o que já tinha verificado noutras ocasiões: a segurança com que se exprimiam parecia ser uma forma de ocultar a sua ignorância.

O que me prendeu mais a atenção foi o que defendia um terceiro indivíduo, que se esforçava para se fazer ouvir:
- O nosso país padece de várias pobrezas. A mais visível, a pobreza material que oprime tantos, é uma consequência de outras. Na raiz está uma pobreza cultural que leva a priorizar o consumo material e o exibicionismo. Priorizar o que é vistoso em detrimento do que é valioso, mas pouco visível, como o conhecimento e a honestidade. E sem estas tomamos decisões erradas que, entre outras coisas, também produzem carências materiais - concluiu.

O quarto indivíduo, o que parecia mais desinteressado na conversa, apoiou-o com um encolher de ombros:
- Se os que tomam as decisões pelos outros, estiverem também encandeados por esse brilho do diamante, isso pode fazer estragos. Será que isso também ajudou a criar os tantos pobres que temos?

Promover a erradicação da pobrezaé a obrigação do nosso Estado, estabelecida na alínea e), do artigo 21º, da Constituição.
Uma das pesadas heranças da nossa prolongada guerra civil, para além da perda directa de vidas, foi a destruição da economia, a todos os níveis. O colapso da economia rural, em especial, desencadeou outros problemas, em cascata, que alimentaram o aumento catastrófico da pobreza: escassez de produtos alimentares, que para alguns passaram a ser importados; migração acelerada para as zonas urbanas, com o consequente crescimento de um peri-urbano desestruturado, numa dinâmica que continua até aos dias de hoje.

Passados quase 20 anos desde a assinatura dos acordos de paz - e considerando a bonança do petróleo - é caso para nos perguntarmos se a pobreza de hoje não tem as suas principais raízes noutros factores que não a guerra. Em que medida ela é consequência de políticas inadequadas ou mesmo do desvio massivo de riqueza pública? Será que se têm atacado as reais causas da pobreza?
Desde há muito que o combate à pobreza tem estado presente no discurso e nas políticas públicas do país. E também nas críticas que lhe são feitas, na acção de organizações da sociedade civil, e nos financiamentos de organizações internacionais.

Consideráveis recursos têm sido canalizados para este objectivo. São de realçar os programas de instituições como o Fundo de Apoio Social (FAS) - activo desde a década de 90 - e as várias gerações de Programas de Desenvolvimento Municipal, mais ou menos integrado, e de Combate à Pobreza. No entanto, considerando a situação actual, é de questionar a estratégia que esteve na base da sua formulação, e o nível de integração das diferentes políticas sectoriais, na perspectiva da erradicação da pobreza.

O conhecimento, e a sua promoção, é a principal ferramenta para este combate, a par do tratamento das pessoas com menores rendimentos como actores centrais da transformação da sua situação. Mas o nível a que se chegou é tão preocupante, que a recomendação de se dar a semente (e o adubo), em vez do pão, não se afigura suficiente. Daí o bom acolhimento de programas de distribuição directa de dinheiro, como é o caso do Kwenda, mesmo se limitados.

Os resultados escalpelizados nos últimos relatórios sobre a pobreza multidimensional são tão graves, que não podemos deixar de formular perguntas como: será que disponibilizamos recursos suficientes para erradicar realmente a pobreza? Estarão eles a ser bem aplicados (por exemplo, que percentagem se gasta em construções e equipamentos, no desenvolvimento de capacidade, na manutenção e no funcionamento de serviços)?

Como se compreende que tantas das nossas crianças, em particular as das zonas rurais, continuem em risco de ver a sua pobreza perpetuada, por uma alimentação deficiente, associada a um ensino inadequado? Que programas de fomento da economia são desenhados com foco nos mais desfavorecidos? E com que resultados?

Erradicar a pobreza, é, sem dúvida, uma causa que nos deve mobilizar a todos: Estado, Sociedade Civil e Sector Privado. O questionamento das políticas adoptadas, e o rigoroso escrutínio dos seus resultados, deve ser, por isso, uma prioridade.

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