Opinião

Poetas e gerações

Luciano Rocha

Jornalista

Às gerações actuais faltam-lhes poetas que as façam acreditar na concretização de sonhos, mesmo que lhes pareçam utópicos, o presente teime em adiá-los e lhes indique outros caminhos aparentemente fáceis de percorrer.

20/05/2021  Última atualização 08H59
Às gerações anteriores, designadamente do século XX, antes da independência, sobraram-lhes guias a abrir horizontes de vidas novas, atalhos para lá chegar,  sem esconderem nunca os perigos que, naqueles tempos de muitos medos e desconfianças tantas, era imprescindível vencer.
Às gerações de outros tempos, principalmente daqueles anos de medos e sonhos, faltaram-lhes imensíssimas coisas, menos exemplos de fraternidade, atalhos a seguir, formas argutas de comunicar, perigosas, mas precisas, porque aprenderam, também, que sem medos não há coragem.

Os jovens, até adolescentes, nas décadas de 1950 e 1960  tiveram o privilégio de ter poetas a ensiná-los a gostar de ler, falando-lhes de coisas que viam, sentiam, viviam no dia-a-dia. Acentuando nuns o que aprendiam em casa, despertando noutros o que lhes escapava.
Naqueles tempos de medos muitos, os poemas - e as prosas - que nos obrigavam a ler - e decorar - na escola falavam de coisas que nos eram estranhas, muitas delas nunca viramos: reis, rainhas, cidades, vilas, aldeias, estações ferroviárias, apeadeiros, rios, afluentes, montanhas, frutas, rainhas, heróis. Em contrapartida, ignoravam a nossa História, nossos rios, vales, montanhas, soberanos, heróis, sabores, cheiros e cores.

Naqueles tempos de medos muitos, oficialmente apenas se podia ler o que o ocupante queria. Às vezes bastava o nome do autor para a obra ser vetada ao público. Com frequência, mesmo tendo passado pelo cravo do censor, o livro era retirado dos locais de venda. Claro que havia quem nas livrarias os escondesse antes disso suceder.
A grande "fonte de expansão” de poesia angolana foi, até certa altura, a Casa de Estudantes do Império, em Portugal, criada pelo regime fascista para acolher jovens das então colónias, que ingressavam no ensino superior, forma, pensavam os verdugos, de os ter mais facilmente debaixo de olho, como se sonhos pudessem ser aprisionados. Por lá passaram muitos dos que viriam a notabilizar-se nas lutas contra o colonialismo, pelas independências nacionais.

Da Casa dos Estudantes do Império, em Portugal, saíram, também, para todas as então colónias portuguesas livros levados, à socapa. Poucos, mas bastava um exemplar para espalhar  a sede de libertação do jugo estrangeiro e como era possível, um dia, transformar em realidade o que muitos consideravam utopia. Bastava fazê-lo passar de mão em mão, mesmo sem garantia de o voltar a ter. Era o sentimento de solidariedade a sobrepor-se a todos os egoísmos. Partilhar é sempre melhor do que guardar.

Sem a actividade desenvolvida naquela instituição criada pelo regime colonial - a História tem destes desenlaces - e alguns dos que dela fizeram parte, muitos de nós continuariam a desconhecer atalhos, pelos quais era preciso optar para encolher medos e ampliar sonhos alicerçados em caboucos de solidariedade.
Às gerações angolanas das décadas de 50 e 60 do século XX, por exemplo, pode-lhes ter faltado muita coisa, nunca poetas, na verdadeira acepção da palavra, que as ensinaram a gostar de ler, indicando-lhes, ainda por cima, em cada verso, os caminhos do desprendimento material.

Verdade, realce-se, é que alguns de nós tínhamos professores a ajudar, pela competência profissional, mas muito, também, pela forma de estar, a gostar de ler para aprender a manter sonhos de uma Angola menos desigual, mais fraterna. Foi isso que aprendemos com os poetas dos anos 50 e 60 do século XX. Que é urgente começar a ler.

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