Opinião

Ponto prévio ou diálogo algures

Há muito que libertei-me das amarras das adjectivações.

18/04/2021  Última atualização 18H53
-Bom dia, D. Pedro Bolsorroto.
- Bom dia!!!
- Qual é a razão de toda essa carga de frieza na ponta aguçada da língua? É-te assim tão difícil responderes um simples "Bom dia”, agindungado com a melhor das intenções? Mas pronto. Sigamos. Já não há vivalma aqui, por essas bandas para te importunar, comer os pedaços do teu imaculado juízo, mas só mais um ponto prévio, prometo ser o mais político possível, ops, o mais breve possível, e deixar-te-ei seguir viagem à terra utópica de  nenhures.
- O D. Pedro Bolsorroto está bem? Tudo na ordem do dia?
- O que te parece?
- Não sabes que a sabedoria, a filosofia da kitanda popular diz, ou melhor nos ensina num dos seus importantes pontos prévios que pergunta não se responde com uma outra pergunta? "O que me parece?”. Diz-me Vossa Excelência.
- Parece que sim...
- O que é? Como assim "parece que sim?”
- Sou supostamente relativista. Aqui, acolá, algures ou em nenhures, supostamente tudo soa-me a relatividade. (O) estar bem, diferente de bem-estar, é externo a nós. É uma comichão que não controlamos. Independe exclusivamente da padroeira dos quininos, a santíssima Nossa Boa Vontade.
- Apanhei, peguei o fim condutor daquilo que o Senhor pretende deixar transparecer, mas há uma Bela acompanhada do seu fiel companheiro chamado Senão... me parece que o Senhor não está de bom humor, não está nos seus dias. A noite te foi mesma tão terna? Tão generosa para com a Vossa Excelência? O Senhor não descobriu o quão erótico são os anjos?
- Cruz-credo... Povo santo dos deuses, porquê que o pretenso ser humano gosta abrir portas que não será capaz de fechar? O que é isso de bom ou de mau humor? A mim basta o humor. Humor é humor. Não há artifícios que modifiquem o seu significado, que acrescentem alguma qualidade, carga valorativa ao seu estado ou à sua natureza.   Há muito que libertei-me das amarras das adjectivações.
- Ai é? D. Pedro Bolsorroto. Não vejo as coisas no mesmo prisma que o Senhor.
A vida ou a natureza humana é toda ela feita de adjectivações. O homem ortodoxamente, estoicamente e cegamente guia-se por esses princípios. A tão exaltada moral, a ética, o novo (a)normal não passam de adjectivações e, há caixas de ressonâncias, verdadeiros entorpecentes, que o bicho-homem estará sempre amarrado a elas. Mas pronto. Sigamos.
- Faço uma leitura analítica aos teus gestos, expressões labiais e faciais e pelo o que teus olhos transmitem, o Senhor me parece que não tem absoluta das certezas de nada, não é um ser fortemente convicto, hesita nas respostas, titubeia, divaga sempre que lhe colocada uma questão. Faz sempre corrida para trás.
- Estou atento a tudo que dizes, a tua interrogação retórica ou irónica, mas o que enamora a minha atenção é quando usas o termo "Me parece”. Já agora, parabenizo-lhe por isto. Amadoro quando usas esse termo. A despeito da tua curiosidade que às vezes soa a chatice, eu também num tempo não muito antigo e nem muito novo, já vesti as tuas vestes,  devo lhe dizer que isto revela alguma prudência. Mas vamos ponto a ponto, Senhor Do....
- Não acredito no que acabei de ouvir... A Vossa Excelência esqueceu o meu nome?
- Sim. Acontece-me mar de vezes. Não consigo...  É-me muito difícil fixar nomes. Só rostos e vozes. Não é manha ou altivez da minha parte. Não é propositado, talvez seja uma questão de preferências. Por mim, a verdadeira identidade de alguém é o seu rosto e a sua voz. Ao menos que faça uma operação plástica radical, que o torne irreconhecível. Os nomes são apenas mecanismos de facilidades, não "identificam” exclusivamente as pessoas a quem são atribuídos os tais nomes, identificam os atribuidores, isso sim. Servem para a satisfação plena dos caprichos dos atribuidores.  Mas a deusa práxis diz que todas as coisas têm um nome, e o tataravô Marcelo é testemunha ocular. Quem eu sou, o que eu já fiz pela cubata global para contrariar essa lógica transmitida de geração em geração? Até parece que quero inventar a roda ou descobrir a pólvora né?
 - Percebes?
- Percebo-te perfeitamente.
- Como é mesmo que o Senhor é chamado?
- Dombolo de Jesus, mas trata-me por De. Jota.
- Presta a devida atenção, Senhor Do... Voltei a esquecer o seu nome. Deixa estar, já me lembrei. Hihihihihi!!! Senhor Dombolo de Jesus, ou melhor De. Jota, como ia dizendo: - Aprendi ao longo da picada da vida, que nada nesta vida é uma certeza ou um dado adquirido. Por isso todos os santificados ou endiabrados dias, uso isso como filosofia de vida. Alguém do alto dos seus equívocos diria que a morte é a única certeza, não é bem assim, por outra, ela não é para aqui chamada. Ilustre De. Jota tenha bastante cuidado com os homens que se arrogam ser de convicções fortes, muito cuidado mesmo. Um homem de convicções fortes é normalmente um tradicionalista, um conservador, um chauvinista. Pode desenvolver comportamentos estranhos à logica, megalomanias, ideologias extremas ou pensar que tudo gira em volta do seu umbigo.
Os homens de convicções fortes dificilmente se deixam (con)vencer.
Quando alguém de convicções fortes  não tem domínio de inteligência emocional, mata o que de melhor os deuses colocaram em si – os ouvidos. Torna-se numa arma letal.
A história da Desumanidade tem no seu registo mais macabro pessoas que foram de convicções fortes, que estiveram ao serviço de agendas inconfessas, criaram tendências e ideologias, faziam a cabeça das pessoas. Tinham seguidores espalhados por essa vasta cubata global. Mas atenção, só mais um ponto prévio Sr. Dombolo de Jesus - ter convicções fortes não é mau de todo, é só saber equilibrar, não pensar que tudo é um duelo. Mais do que ter convicções fortes é preciso estar na pele do outro, desenvolver agendas onde a alteridade esteja na mó de cima.
Por último, a mesma Desumanidade também tem nos seus arquivos mais ocultos pessoas de convicções fortes que não estiveram ao lado de agendas inconfessas, pessoas deveras benévolas e humanitárias, todavia, há no recanto da alma humana os dois seres em um: Dr. Jekyll  e Mr. Hyde.
Pedro Kamorroto  


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