Opinião

Por mais historiadores de arte em Angola

Adriano Mixinge

Escritor e Jornalista

Causa certa admiração (e algum espanto) saber que, ao longo dos últimos quarenta e cinco anos, muito poucos angolanos – provavelmente menos de dez - concluiram uma licenciatura em História de Arte e da Cultura.

09/03/2021  Última atualização 08H05
Em primeiro lugar, porque é das poucas licenciaturas – muitas vezes, sem ser exactamente a mesma coisa, também, designada de licenciatura em estudos culturais - que permite, para quem dominar a língua inglesa, um leque muito diversificado de saídas profissionais, em todo o mundo: conservador de museu, crítico de arte, jornalista especializado, curador de arte, assessor cultural, gestor de instituição cultural, director de arte, jornalista cultural, historiador de arte, investigador cultural, professor de história de arte e da cultura, adido cultural, "comissaire priseur” e ensaísta, só por citar algumas.

E, em segundo lugar, porque é a formação que melhor prepara e permite entender os sistemas, a história e as dinâmicas das diferentes manifestações artísticas, bem como as especificidades das criações estéticas e intelectuais do passado e do presente: da pré-história ao século XXI, da literatura ao cinema, das artes visuais e plásticas – incluindo a arquitectura e a fotografia - ao teatro, da dança às expressões da cultura urbana, entre outras.

Quando alguém vai a uma galeria de arte,a um centro cultural, a um teatro, a uma livraria ou a um cinema para assistir uma exposição de artes visuais e plásticas,assistir a um espectáculo de dança, ver uma peça de teatro, assistir um filme ou qualquer outra criação artística, estética e intelectual e não souber lá muito bem como se comportar no sítio, nem interpretar bem as obras de arte ou compreender a peça de teatro, nem sequer puder descrever bem o que viu o mais provável é que tem uma escassa cultura geral e, principalmente, pode ser que não tenha noções minimamente sólidas de história de arte e da cultura.

Como é evidente, de um modo geral, não precisamos ser historiadores de arte e da cultura para entender a Arte e a Cultura, - os artistas e todos os produtores de cultura são a maior prova do que dissemos e, em rigor, todo o ser humano é capaz de entendê-la, na sua essência -, mas sê-lo facilita muito as coisas.
No entanto, há gente, precisamente por carecer de preparação, muita gente, que mesmo sabendo que existem diversas instituições artísticas e culturais (com uma programação interessante) foge delas ou, pura e simplesmente, as evita. Têm pavor de lá estar e não é porque pensem como muitos gostam de dizer, - preconceituosos -, porque os artistas e os intelectuais têm lá a sua "pancada”, essa é uma desculpa fácil -: fogem destes sítios porque se forem lá estariam fora das suas zonas de conforto.

Na vida, ser médico, advogado, empresário ou político de sucesso, por exemplo, por si só, significa muito menos do que, geralmente pensamos, se não se tiver no mínimo uma sólida cultura geral e, em casos de maior responsabilidade, é até mesmo recomendável que tenham um ou vários especialistas, por perto.

Sendo um pouco cruelzinho, no nosso racíocinio, diremos que quando nos deparamos com este cidadão que aparenta ser sofisticado e quedesempenha cargos e responsabilidades públicas que lhe obrigariam a estar/ser preparado, mas, na prática, não percebe bem qual a importância da arte e da cultura, passamos todos a ter um ponto fraco que, em rigor, deixa-nos muito vulneráveis como sociedade: ele tem que decidir sózinho ou no marco de uma comissão, por exemplo, qual o melhor orçamento a atribuir ao sector, como estimular a criação de politicas públicas de incentivo, o que fazer para elevar o nível de instrução e de educação artística dos cidadãos.

Mesmo querendo, estes cidadãos são incapazes de decidir correctamente e com conhecimento de causa. Pelos vistos e pela pouca atenção dada ao domínio das artes e da cultura, os cidadãos de que vos falo estão numa situação de poder e têm uma opinião quase invariável - que já dura mais de quatro décadas-, que tem afectado, no geral, o desenvolvimento das artes e da cultura do nosso país, a sociedade e, muito particularmente, o cidadão tout court.

Se quem deve desenhar, projectar, planificar, criar as condições financeiras, logísticas e organizativas para termos uma sociedade diferente da que temos agora sómos nós: para que a admiração e o espanto desapareçam é hora de fazermos uma mudança radical apoiando-se nas  soluções possivéis, que existem e que permitiriam formar mais historiadores de arte e da cultura.

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