Opinião

Por um Estado empreendedor cultural

Adriano Mixinge

Escritor e Jornalista

Faz já algum tempo que vários especialistas, funcionários e responsáveis que trabalham nos domínios e em áreas afins as artes e a cultura – entre os quais me incluo – têm estado a flirtar com a ideia de que, por um lado, a gestão de determinadas tarefas e serviços não essenciais e funcionais das instituições artísticas e culturais, no nosso país, deveriam ser privatizadas.

25/05/2021  Última atualização 07H05
Por outro, no meu subconsciente, – e no de muitas outras pessoas -, pelo menos a partir de 1994, sempre esteve a ideia, que até acho de senso comum, de que se quando surgiu, por exemplo, o Museu do Dundo, ele pertencia à Diamang o ideal é que, com a instalação da economia de mercado em Angola, depois de 1990, o referido museu e, também, um museu como o Museu Nacional de Antropologia, - que foi criado com parte do acervo daqueloutro e sem prejuízo de que, em termos de políticas públicas da cultura, estivesse supeditado metodologicamente ao Ministério hoje denominado da Cultura, Turismo e de Ambiente-, voltassem a pertencer a empresa que surgiu sobre o esqueleto da empresa diamantífera do tempo colonial, ou seja, que ambos os museus voltassem à esfera da responsabilidade social da Endiama. 

Não é preciso conhecer a fundo a solvência económica e financeira da Endiama, ao longo destes anos todos, para adivinhar qual seria o impacto que teria uma decisão do género do ponto de vista da gestão e conservação das colecções museais, da preparação e capacitação dos recursos humanos, da divulgação e da promoção cultural, bem como do incentivo a investigação científica e, no geral, na valorização do património cultural do nosso país. Dito de outra maneira, o Estado, por via de uma das suas empresas públicas, teria investido na salvaguarda de bens artísticos e culturais de relevância. 

De um modo geral, a problemática do que devemos ou não privatizar na gestão das instituições artísticas e culturais? Como, para quê e em que circunstância deveria o Estado fazê-lo? Em quê, como e até que ponto o Estado poderia transformar-se no maior empreendedor artístico e cultural? Estas questões nunca foram discutidas com a profundidade e a acutilância que se requerem, facto de que nos deixa refém da inércia em vez de optar por soluções disruptivas.

Na prática, quem a priori estivesse contra a ideia e a possibilidade da privatização/desestatização da gestão das instituições artísticas e culturais fez passar sempre a ideia de que o se pretendia seria o desmantelamento das instituições e o esvaziamento do papel do Estado, quando nos parece mais do que evidente que é a ideia é, no essencial, a complementariedade: é preciso que o Estado faça investimentos maciços nas instituições artísticas e culturais que permitam contribuir a consolidar e a dinamizar o mercado, garantir a formação de quadros que sejam capazes de produzir, gerir, dinamizar, educar e promover as artes e a cultura, em Angola, sem perder de vista a importância da pesquisa,da investigação aplicada e da educação artística ao mesmo tempo em que incentiva as iniciativas privadas por via da lei do mecenato. 

De um modo geral, aqueles que se opõem à ideia, simples e curta, da "privatização da cultura” têm razão, porque enunciá-la assim de modo seco e directo não traduz, nem define bem sobre que é que estamos a falar, coisa que provoca mais confusão do que esclarece: prudente é negar confusões. Porém, deixam de ter razão quando se explica bem o que se pretende: privatizar a gestão somente aqueles segmentos não essenciais, fora do coração do objecto social da instituição artística e cultural, evitando que se coloque em risco a dinâmica e o labor do Estado social e de bem-estar e a preservação do património cultural, - material e imaterial -,bases para a educação dos cidadãos. 

Neste momento da história social e política do nosso país, ao que nos parece, são as estratégias a meio caminho entre a prática francesa da excepcionalidade das artes e da cultura e a prática americana do Estado empreendedor, bem explicada pela economista italo-americana Mariana Mazzucato no seu livro "O Estado Empreendedor. Desmascarando o mito do sector público e do sector privado” (2011), que podem ser-nos mais interessantes de experimentar nos próximos anos.

De modo resumido, podemos resumir a tese principal do livro de Mazzucato – é muito interessante vê-la e ouvi-la no youtube - :para além de promover as políticas públicas, em todos os domínios, o Estado não deve abdicar da possibilidade de investir, a sós ou com empresas privadas, e ir à busca de retorno financeiro, patrimonial e capital simbólico e cultural que lhe permita criar riqueza que, depois, deve ser mais bem redistribuída entre todos. 

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