Opinião

Qual o futuro da língua portuguesa em Angola?

João Melo*

Jornalista e Escritor

Hoje, 5 de Maio, assinala-se o Dia Mundial da Língua Portuguesa, instituído há oito anos pela Unesco. É uma ocasião perfeita para alinhavar duas ou três notas sobre o possível futuro dessa língua em Angola.

05/05/2021  Última atualização 06H00
Começo por expressar a minha opinião pessoal de que, quanto mais línguas dominarmos, melhor. É, pois, uma "mais valia” para todos nós – usando essa expressão no sentido que ela adquiriu entre os angolanos – o facto de sermos e vivermos num país multilingue. Isso inclui quer as línguas nacionais quer as línguas estrangeiras internacionais, cujo domínio por segmentos importantes da nossa população é um facto, seja por razões históricas (caso do francês) seja pela necessidade de inserção no mercado global (caso do inglês e, quem sabe, num futuro mais ou menos próximo, o mandarim).

Dito isso, reitero a minha opinião de que, em termos de origem histórica, o português é uma língua tão nacional como as demais línguas faladas no território angolano pelas diferentes comunidades aqui enraizadas. O meu principal argumento nesse sentido é o seguinte: Angola, como uma entidade constituída pelo seu actual território e habitada pelos diferentes grupos que a povoaram e povoam é resultado do contacto histórico entre os povos africanos que aqui habitavam e os colonizadores europeus; sem esse contacto, talvez não houvesse Angola, tal como a conhecemos, mas, sim, uma série de vários outros países.O facto de se tratar de uma língua proveniente do exterior não lhe retira o carácter nacional angolano, pois há muito que foi nacionalizada. O mesmo sucedeu à maioria das línguas bantus faladas no território angolano, pois, além dos bantus não serem originários do território angolano, as línguas dessa etimologia faladas em Angola, com excepção do umbundu e do kimbundu, não são exclusivamente nacionais. Creio que o mesmo acontecerá com a língua dos próprios khoisan, afinal o único povo originário do hoje território angolano.

A História demonstra, desde sempre e em todo o lado, que é possível cada comunidade ou grupo de comunidades apropriar-se e nacionalizar produtos, bens, artefactos, crenças, valores, ideias – que sabemos nós? – originariamente estrangeiros. Foi o que fizemos, só para dar estes exemplos, com a mandioca, o milho, o cristianismo, as ideias políticas ocidentais, a língua portuguesa e – acrescente-se – o lingala, essa língua criada nos nossos dois vizinhos do Norte para facilitar o comércio ao longo do rio Zaire e que penetrou em Angola depois da independência do nosso país.Tudo isso, hoje, é nacional. No caso da língua portuguesa, acresce que, em termos de dimensão e alcance, é a única língua verdadeiramente nacional, pois, além da mais falada, só ela permite a comunicação entre todos os grupos e indivíduos que habitam o território angolano. Os que eventualmente insistirem em duvidar disso, devem consultar os resultados do censo realizado em 2014, segundo os quais o português já é a principal língua falada em casa pelos angolanos, seguida do umbundu.Não tenho, portanto, nenhuma dúvida quanto ao futuro da língua portuguesa (o que receio, na verdade, é que não sejamos capazes de formular e executar políticas correctas de diálogo e cooperação entre o português as línguas africanas do nosso país). De igual modo, Angola poderá ser particularmente responsável pela expansão internacional da referida língua, a começar pela África Austral e Central.

A questão é: qual será a língua portuguesa falada e escrita em Angola? Não será a mesma usada nem em Portugal nem no Brasil. Está claramente em formação uma variante angolana do português, que se há-de impor inevitavelmente, ao longo do tempo.Esse processo, entretanto, não pode ser deixado ao acaso ou, pior ainda, ao populismo e à demagogia, que pretendem convencer-nos que a desejada "norma angolana” consiste em falar e escrever como cada um entende. Isso é contrário à própria ideia de "norma”. A quem ainda não o fez, recomendo, por isso, a leitura do artigo do professor Nelson Soquessa publicado no semanário O País no dia 6 do passado mês de Fevereiro, sob o título "Português de Angola: uma variedade carente de registos e legislação”. Em síntese, ele diz que não basta dizer que existe o português de Angola, mas é preciso estudá-lo profundamente e legislar em conformidade. Sem isso, será o caos.

Se estivermos dispostos a abdicar da nossa tão nefasta banga, poderemos seguir o exemplo de Moçambique. Os nossos irmãos do Índico, além de terem produzido abundantes descrições linguísticas, como pede Soquessa no nosso caso, já tem concluído desde 2017 o seu Vocabulário Ortográfico Moçambicano da Língua Portuguesa e está a elaborar o primeiro Dicionário do Português de Moçambique.
*Jornalista e escritor

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