Opinião

Quem tudo quer pode tudo perder (II)

Carlos Calongo

Jornalista

O recorte do fato italiano de alto padrão, em harmonia com a fragrância agradável ao olfacto sem conflito com as gripes típicas dos países de clima tropical como o que Angola tem, deixa antever a presença de alguém bem relacionado com a vida, nos seus variados contornos.

08/05/2021  Última atualização 07H30
Passos firmes, barulhentos pela sola seca que em muitos casos não coaduna com os charcos de água da chuva que, inevitavelmente, temos de pisar por esta Luanda molhada, Matos Ferreira Guedes dá entrada na sala de aulas em que uma das estudantes é Mariana, possuidora de beleza que até mulheres iguais elogiam.

Nos corredores da faculdade e do hospital que alberga a referida instituição de ensino superior, o professor colecciona a fama de ser rígido no desempenho do ofício, qualidade detestada por muitos, que preferem o "deixa andar” que se institucionalizou até em centros de produção de saber que são ou deveriam ser as universidades.

Talvez assim se compreende a existência de cerca de 4000 professores que não sabem ler, revelação que custou alguns acepipes agridoces ao professor Filipe Zau, que muitos dos acusados não conhecem como possuidor de uma veia artística com registos nos anais da música angolana, em que durante largos anos fez parelha com Mukenga, também ele, Filipe.

Para o professor Matos Guedes, são incompetentes os estudantes que optam por cursar medicina e dão-se ao luxo de não dominarem os conceitos básicos de definição de cada uma das disciplinas que compõem o tronco curricular de tão importante área do saber, assim como é a Anatomia Humana, fulcral no ciclo básico do referido curso.

Fundamenta-se nisso, talvez, a fama do professor Matos, em coleccionar mais de cem alunos na condição de "cadeirantes”, pese embora muitos deles estarem já a frequentar anos posteriores, na perspectiva de que, quando tiverem que "tirar” a cadeira, seja com um outro professor, desejo até aqui irrealizável.

Aos caloiros era dito em tom ameaçador, que com o Doutor Matos "a cooperação no é fácil”, e só aprova quem de facto sabe, e que a mania das estudantes d’agora pensarem que os corpos de viola que Deus, na sua benquerença, as atribui, joga papel determinante no binómio avaliação-transição, para ele não funciona.

Com meio pé dentro e meio fora, o professor, desconhecido dos novos estudantes, antes mesmo de saudar a turma, começa por dizer que a Anatomia Humana é a ciência que estuda as estruturas corporais, como elas se formam e como funcionam em conjunto no corpo (sistemas).

Fazendo uma pausa repentina, qual camião Ural do tempo das FAPLA, com voz ríspida, dirigindo-se à Mariana, perguntou: O que a Anatomia estuda?.. Trémula, mal conseguiu analisar e compreender o perfil do professor, a menina bonita do Tala Hady, denotando total insegurança, não conseguiu soltar uma única palavra ao agrado do professor.
Conhecido também pela fama em destratar os alunos que, por alguma razão, não respondem as questões por sí colocadas, professor Matos, com invulgar aspereza noverbo, tal alguém possuído por demónios, vociferou que "vocês pensam que a beleza serve para aprovar”!…

Atenção, meus caros!.. Onde é que vocês pensam que estão? Aquí é na Faculdade de Medicina da Agostinho Neto. Não é lá nas "lalalas” das vossas escolas dos bairros. Aquí é o único sítio em que se estuda medicina de verdade. Ou sabes e aprovas, ou não sabes e reprovas…Não há cá vaidades.

Aliás, "Vaidade de vaidades, diz o pregador, Tudo é vaidade”, rematou o professor, recomendando a leitura do livro de Eclesiastes, no seu capítulo 1, aludindo palavras do pregador filho de Davi, rei em Jerusalém, discurso que deixou atónito os estudantes que, de cabeças às voltas, procuravam entender se estavam diante de um teólogo ou do considerado "pai da Anatomia” da UAN.

Apenas os mais atentos perceberam que o rosto lindo de Mariana envolveu-se num banho de gotículas de lágrimas sem expressar a razão, mas, a disposição facial transparecia desânimo absoluto, sobretudo num primeiro contacto com o professor, que Mariana cresceu a ouvir ser o segundo pai.

"Se pensa que vou desistir do meu desejo em tornar-me médica, este senhor está enganado”, terá dito Mariana, numa surda confidência com o criador que a bafejou com beleza que vence pela sua invulgaridade.

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