Política

Rabelais condenado a 14 anos de prisão por descaminho intencional de dinheiro

Santos Vilola

Jornalista

O Tribunal Supremo considerou, ontem, que Manuel António Rabelais e Hilário Gaspar Alemão Santos mostraram diante do júri um “desvalor” relativamente à prática dos actos que configuraram os crimes de peculato sob a forma continuada e branqueamento de capitais, condenando-os a penas únicas de 14 anos e seis meses e dez anos e seis meses de prisão, respectivamente, por ficar provado que os arguidos cometeram tais crimes na gestão do extinto Gabinete de Revitalização da Comunicação Institucional e Marketing da Administração (GRECIMA).

13/04/2021  Última atualização 08H26
Manuel Rabelais e Gaspar Santos vão continuar em liberdade até à decisão do recurso © Fotografia por: Quintiliano dos Santos|
O juiz principal da causa, Daniel Modesto, que leu o acórdão, que resumiu 1.769 folhas do Processo nº 07/19, afirmou que "em momento algum os arguidos procuraram mostrar-se arrependidos e confessar de forma clara sobre o que se passou.” "Antes pelo contrário, procuraram de forma evasiva esquivar-se dos factos que sabiam que ilicitamente tinham praticado”, reforçou o juiz, na alocução dirigida aos arguidos depois da leitura do acórdão, tal como a lei impõe ao juiz.

O magistrado judicial considerou que os arguidos deviam ter noção de que o facto praticado é ilícito. Daniel Modesto disse que os arguidos deviam reconhecer que estavam diante de um tribunal e deviam admitir o seguinte: "Senhores juízes, eu efectivamente pratiquei esses actos, revelo-me arrependido pelos factos praticados.” 

"Não, em momento algum isso foi dito, antes pelo contrário, houve um dia aqui em que um dos arguidos disse que estava aqui porque trazia uma relação dos bens que caíram no âmbito da recuperação de activos a serem restituídos. Portanto, em momento algum os arguidos mostraram-se arrependidos”, sustentou o juiz.

Daniel Modesto afirmou que os arguidos actuaram de forma "livre, voluntária e consciente”, sabendo que Manuel Rabelais estava a agir nas vestes de titular de cargos públicos. Quanto a Gaspar Santos, o magistrado judicial disse que sabia da ilicitude da conduta de Manuel Rabelais.
O juiz principal da causa, de um júri integrado por mais dois auxiliares, reconheceu que, no crime de peculato, se discute muito se alguém que, não sendo funcionário daquela instituição onde foi praticada a acção, terá ou não, por comparticipação criminosa, incorrido no respectivo crime.

Daniel Modesto sustentou que Gaspar Santos sabia da ilicitude do facto, e que o seu comparticipante estava a praticar um crime de peculato. No entanto, participou deste facto mesmo sabendo que é ilícito. Logo, estava a praticar o mesmo crime.”  
"O novo Código Penal é claro, no artigo 26, ao dizer que a qualidade de funcionário público se transmite do funcionário público que comete o crime de peculato para o seu comparticipante.

Aqui, teremos caminhado bem em relação ao arguido Gaspar Santos, que cometeu também o crime de peculato, além do facto de ser funcionário público na RNA”, sustentou o juiz. Em relação à reparação dos danos no crime de peculato, o magistrado judicial considerou que nesse crime o que está em causa é descredibilização das instituições e funcionários públicos. "Não se pode permitir que uma instituição pública, que diz estar a limpar a imagem do país no estrangeiro, pratique actos de branqueamento de capitais. Isso mostra que está a fazer o contrário do que diz estar a defender”, disse.

Daniel Modesto disse que "os arguidos preferiram atropelar as leis e normas legais, designadamente sobre a moralidade e a ética, legalidade, probidade pública, parcimónia, responsabilidade e responsabilização, descaminhando intencional e deliberadamente todo o dinheiro, inclusive depois da extinção do órgão.”

Segundo o magistrado, esta situação deixou as contas do GRECIMA com "valores irrisórios e, pior ainda, desfazendo os documentos de suporte das despesas e operações feitas com avultados valores que deveriam estar arquivados, tudo feito para não deixar rastos.”

Ontem, em acórdão, a primeira secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo condenou Manuel Rabelais como co-autor material do crime de peculato a uma pena de 13 anos de prisão e quatro anos e dez meses pelo crime de branqueamento de capitais. A pena, em cúmulo jurídico, Manuel Rabelais foi condenado a 14 anos e seis meses de prisão.

Gaspar Santos foi condenado, como co-autor material do crime de peculato, a pena de oito anos e seis meses e pelo crime de branqueamento de capitais a quatro anos e dez meses. A pena única, em cúmulo jurídico, é de 10 anos e seis meses.

O Tribunal Supremo decidiu relegar para liquidação e execução de sentença o pedido de indemnização cível, servindo o acórdão de ontem de título executivo. Mais ainda, vai cada um dos arguidos condenado no pagamento de 250 mil kwanzas de Taxa de Justiça. A Câmara Criminal declarou definitivamente perdidos a favor do Estado os bens apreendi-dos entregues pelo arguido Manuel Rabelais no âmbito do processo de recuperação de activos.
 

Advogado surpreendido
João Gourgel, advogado de Manuel Rabelais, manifestou-se surpreendido com a decisão do júri. O causídico afirmou que a surpresa não foi tanto pela pena a que o seu constituinte foi condenado, mas pela justificação que o juiz deu.

"A justificação é de que o réu foi condenado nessa pena, porque o crime de peculato visa proteger a fidelidade e a fé pública de funcionário público. Sinceramente, tenho mais de 23 anos de advocacia e nunca ouvi dizer que o crime de peculato visa proteger a fé pública ou a confiança que a sociedade deposita nos funcionários públicos”, disse João Gourgel à imprensa, no final da audiência. 

O jurista entende que o peculato é um crime patrimonial e que, até agora, não foi dito em concreto qual foi a lesão patrimonial ou material que Manuel Rabelais causou ao Estado. "Aliás, os declarantes Valter Filipe e Filomeno Ceita deixaram suficientemente claro que não houve qualquer lesão patrimonial ou material ao Estado”, sustentou.

Não se conformando com a decisão da primeira secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, João Gourgel interpôs recurso com efeito suspensivo no interesse do seu constituinte. Caminho semelhante seguiu o mandatário judicial de Hilário Gaspar Alemão Santos.

O recurso vai reapreciar amplamente a decisão tomada, devendo aquele órgão decidir pela absolvição dos arguidos, manutenção da condenação ou agravamento das penas de que foram condenados, nos termos da lei, por não se conformar com a decisão.  
Em função do recurso interposto, Manuel Rabelais vai permanecer em liberdade (condição em que se encontrava) até decisão do Plenário do Tribunal Supremo.

Caso seja julgado improcedente o recurso ao Plenário, os mandatários judiciais podem recorrer também ao Tribunal Constitucional (recurso extraordinário de inconstitucionalidade) caso receie a violação de normas constitucionais.

À gestão de Manuel Rabelais naquele órgão tutelado pela então Casa Militar do Presidente da República (predecessora da actual Casa de Segurança) foi atribuída um descaminho de mais de 98.141.632 de euros (109.855.154 dólares).

O processo, que ficou conhecido publicamente como "Caso GRECIMA”, remonta de 2016 e 2017, altura em que Manuel Rabelais dirigiu a instituição criada em 2012 e que viria a ser extinta em 2017 pelo actual Executivo. Durante a sua gestão, Manuel Rabelais terá coordenado um esquema de aquisição de cambiais (euros e dólares) junto do Banco Nacional de Angola (BNA), por via das contas do GRECIMA nos bancos comerciais (BCI, SOL, BAI, BIC e BPC), recorrendo a empresas particulares e pessoas singulares para depositar contra-valores em kwanzas e embolsar até cinco por cento do valor das divisas adquiridas, que eram, depois, transferidas para o estrangeiro.

Num processo sem testemunhas, foram ouvidos 14 declarantes. Faltaram quatro por ser ouvidos, dois retidos no estrangeiro por conta da Covid 19 e outros dois que não foram localizados pelas diligências feitas pelo tribunal. Entre os declarantes estavam Valter Filipe, então governador do BNA, e Filomeno Ceita, ex-presidente do Conselho de Administração do BCI. Inicialmente marcada para as 9h30, a audiência começou às 11horas.

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