Opinião

Sempre os diamantes de sangue?

Adebayo Vunge

Jornalista

O exercício da escrita, como este que temos vindo a seguir semanalmente nas páginas do Jornal de Angola nem sempre está em alinhamento com a actualidade, ora por vontade própria do seu autor, ora porque os factos que enchem as páginas dos jornais e a abertura dos noticiários são mais velozes.

08/02/2021  Última atualização 09H35
Obviamente, esta semana, por uma questão de princípio não posso estar indiferente aos recentes eventos de Cafunfu. Uns e outros têm chamado a atenção ao acto subversivo ou à morte de alguns dos sublevados. Já é consensual que, lamentando acima de tudo a perda de vidas humanas, questionarmos se as mortes serão uma consequência inequívoca da acção irresponsável de alguns cidadãos de um movimento anti-constitucional de duvidável representatividade e legalidade, o famigerado "protectorado Lunda-Cockwe”.
Gostaria de deixar, sobre aqueles eventos, algumas notas:

Em primeiro lugar em termos constitucionais: há vários artigos fundamentais da nossa "carta magna” que podem ser chamados à colação nesta leitura. Do primado do Direito à vida, do primado da unidade territorial do Estado angolano, do primado do direito à manifestação - obviamente desde que pacífica. Se é muito estranha uma manifestação de madrugada, não é seguramente inocente que os manifestantes se dirijam contra uma esquadra da polícia em posse de armas e outros objectos de ataque. De resto, chamar a este acto de manifestação (pacífica) é um aberrante contrassenso. Não está claro do que se tratava, se de uma sublevação, agitada por indivíduos cujo mote é sobejamente conhecido ou se de um acto de desespero por razões difíceis de perceber.

Em segundo lugar, analisando as questões do continente no geral e das questões de defesa e segurança e o que vemos acontecer em alguns Estados africanos, Moçambique é um exemplo de que certas acções, quando não esclarecidas e se necessário, imediatamente encerradas, arrastam os países num descontrole interno e um potencial de perdas de vidas que se torna depois difícil de gerir.  Exige-se sim uma resposta do Estado consentânea e que assente na busca da proporcionalidade. Fica, todavia, a questão sobre qual era o objectivo último do movimento? E que repercussão teria nas demais zonas do País, numa altura em que já vemos os efeitos de uma "cidadania pouco esclarecida” (ou mais exigente?) e onde as pessoas, pensando apenas no eu, ignoram o campo da liberdade dos outros?

Finalmente, chamo a atenção para as questões históricas e de geopolítica. Do ponto de vista histórico, não podemos ignorar o legado colonial dos Estados Africanos que na OUA e hoje União Africana reconheceram os limites fronteiriços da Conferência de Berlim. Por muito que nos custe aceitar os destroços da ambição do chanceler Bismarck, a verdade é que não vemos maturidade política nos povos e lideranças africanas para uma decomposição com base unicamente no critério étnico-tribal. Seria um caos ainda maior. De um ponto de vista geopolítico, é estranha a participação de indivíduos estrangeiros na agitação que se registou em Cafunfo. Queremos, pois, acreditar que se trata de um acto isolado de indivíduos menos esclarecidos e sem qualquer ligação dos seus Estados de origem, de resto, muitos deles, igualmente, com sérios problemas em termos de conflitualidade interna. E precisamos mesmo de estrangeiros que venham acrescentar problemas aos nossos ainda estando cá apenas em garimpagem? Os efeitos da operação restauro se evaporaram?

Por isso, o que se assistiu em Cafunfo é verdadeiramente grave e urge ser esclarecido, evitando-se a tentação de politização do assunto, venha donde vier. Condena-se e ponto!
Será simplório olhar para as causas? E mais do que as assimetrias por si – uma vez que Cafunfo, segundo os dados do Relatório da Pobreza Multidimensional dos Municípios de Angola, apresentado pelo Instituto Nacional de Estatística em finais de 2019, não é o dos municípios mais pobres de Angola encontrando-se no quintil 4 – é a pobreza a principal causa desta situação? E então devemos aguardar por uma sublevação em Curoca, município mais pobre de Angola, à luz do referido relatório?

É certo, como diria um prelado católico: não há dignidade possível na pobreza. Decorre daqui a urgência e celeridade na implementação das reformas económicas e sociais do Estado, conferindo também um papel mais efectivo aos agentes sociais para que possam participar na consciencialização e mudança de mentalidade em relação às práticas que agravam o nosso atraso.
O modelo de ocupação territorial naquelas zonas fronteiriças e de exploração mineral precisa de ser repensado. A elevada dispersão da população no nosso território precisa de ser repensada. Temos ainda muito trabalho de organização territorial que é urgente atacar, resolver, melhorar. Mas é claro que nada será mais urgente do que o combate à fome (o que é inadiável), ao analfabetismo ou a ausência de um lar para as famílias. Nada será mais urgente do que a necessidade de ocupação para os jovens e provendo-lhes rendimento que garanta sustento independentemente da zona do país onde estejam.

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