Cultura

Sempre vale a pena ser mulher

Analtino Santos

Jornalista

“Vozes de Março” também deu visibilidade às instrumentistas: Ana Panzo (saxofone), Odeth Cassilva (percussão), Filomena (dikanza), Rosa Caetano (baixo) e Fineza Gaspar (violino) tiveram o seu espaço, de igual modo que as cantoras Alexandra Bento, Bevy Jackson, Sandra Solange, Branca Celestre e Diana Kabango.

28/03/2021  Última atualização 11H07
Hino oficioso das mulheres angolanas eternizado por Lourdes Van-Dúnem © Fotografia por: Edições Novembro
O habitual painel com a apresentação de Kizua Gourgel foi "assaltado” por três convidadas:  a comandante de bordo Alexandra Lima, a gestora de recursos humanos Neide e a radialista Carla Pena, que partilharam as suas experiências de vida.   
O concerto também reconheceu o contributo das artistas Dina Santos, Clara Monteiro e Eduina Semedo, que receberam diplomas de Doutoras da Música Angolana por tudo aquilo que têm feito e servido de inspiração para as novas gerações. As homenageadas falaram das lutas que travaram para estabelecerem-se num meio machista e numa sociedade preconceituosa.

Dina Santos, que vem da década de 60 do século passado, afirmou que enfrentou problemas com os familiares, numa época em que a inserção da mulher no meio não era bem encarada por alguns. Clara Monteiro, que apareceu anos depois da Independência Nacional, disse que encontrou uma sociedade um pouco mais tolerante e que teve até o encorajamento de um parceiro que chegava ao ponto de ficar chateado caso não fosse ensaiar. As duas reconheceram o surgimento hoje de novas e boas jovens que, felizmente, conquistaram o circuito. E brindaram os telespectadores e internautas com as canções que marcam as respectivas carreiras artísticas, incluindo "Luta e Amor”, "Semba”, "Kassequel” e "Anel”.

A mais jovem das homenageadas, Eduina Semedo, fez um depoimento muito forte em que apelou a todas mulheres que não desistam dos sonhos. Como instrumentista falou da diferença no tratamento em relação às cantoras e reconheceu as dificuldades que colegas suas tiveram para continuar a tocar, face às pressões familiares, nos relacionamentos e mesmo na sociedade. Felizmente, no seu caso pessoal, segundo disse, sempre teve a família ao lado, com os irmãos e também colegas nos Impactus 4 a serem os seus protectores, assim como o pai e a mãe. No quesito afectivo falou que nem tudo foram rosas, mas que a determinação ditou a sua permanência.

A mãe que até aos oito meses de gestação fez-se ao palco com a guitarra-baixo revelou que não foi fácil quando, um dia, o filho a questionou porque não trabalhava no escritório como as mães dos outros colegas. Felizmente esta fase passou e, orgulhosamente, ela hoje tem a aprovação do agora jovem estudante de engenharia numa universidade do Reino Unido. Eduina manifestou a pretensão de ajudar as novas instrumentistas e acrescentou que, mais do que falar em teoria sobre os aspectos musicais, quer dar primazia ao direccionamento para a vida.  

Diana Kabango, artista que quer mostrar o seu talento e aproveitar as oportunidades, depois da passagem como convidada de Totó ST em finais do ano passado, regressou passeando por vários estilos. Começou com o hit "Saving all my love for you” de Whitney Houston, foi pela chanson  française "Lisboa”, versão de Ângela Teta e pelo soukouss zairense em "Femme Commerçante” de Mpongo Love. Voltou à soul no momento em que partilhou com Bevy Jackson. Em "Malaika”, tema mundialmente conhecido na voz de Mamã África, a sul-africana Mirian Makeba, à cantora juntaram-se Odeth, na bateria, Rosa no baixo e Ana no saxofone, proporcionando assim o momento da invasão ao palco pelas jovens instrumentistas, elas que, como na tradução da palavra Malaiko do swailli, transformaram-se em anjos.

Branca Celeste foi das artistas que entrou em palco a matar, proporcionando momentos espectaculares. Ela cantou e dançou Nany em "Mwana ma kumbue”, que saiu da pena de Cananito Alexandre. Foi visível, pela performance, que conserva bem o que aprendeu nos rituais de iniciação da cultura Cokwe. A jovem mexeu com "Marió”, canção do congolês Luambo Makiadi "Francó”, muito regravada pelas africanas, pois é uma história que acontece em muitas sociedades do continente, sendo o personagem equivalente ao nosso "Pacheco”. Na parte final Branca Celeste levantou a fasquia do concerto em "Omboio”, recolha feita pelo Duo Canhoto, e refeita por Pérola. Os deuses da Dança incorporaram-se na cantora e houve uma bela colaboração com a percussionista Odeth. Branca é oriunda da Lunda-Sul e optou por viver em Luanda, onde tem vindo a conquistar espaço.

Bevy Jackson foi chamada para a abertura do Vozes de Março 2021, trazendo "Amanhã talvez”, tema romântico da brasileira Joana. A intérprete, que tem sido uma das artistas mais solicitadas quando o fado e a morna são as propostas, brindou a audiência com clássicos dos dois estilos - "Que Deus me perdoe” e "Sodade” - ambas conhecidas nas vozes das duas grandes divas Amália Rodrigues e Cesária Évora. Nesta segunda passagem pelo Show do Mês, Bevy, que também navega pela soulmusic, com Diana Kahango deu alma ao clássico "You make me feel like” (Natural Woman). A artista, depois das passagens por Portugal e Inglaterra, tem uma agenda regular nas noites luandenses, partilhando o palco com o produtor e pianista cabo-verdiano Zé Afonso.

Sandra Solange, cantora que carrega em si dois povos amigos, o angolano e o cubano, foi aproveitada para o toque original na salsa e na rumba, consolidado com a presença do cubano Yasmane Santos na percussão. Da tia Nani deu mais açúcar em "La vida es buena”, passeou pelo "Caramelo caliente” e não teve como não cantar "Azúcar negra” de Célia Cruz, uma das principais vozes dos ritmos do Caribe. Sandra desceu um pouco e trouxe o apelo de Alcione, "Não deixa o samba morrer”.  
Alexandra Bento, conhecida como vocalista da Banda FM de Benguela, é uma aposta regular no Show do Mês e no "Vozes de Março”. A cantora foi à terra das praias, mulatas, samba e futebol e deu voz a Alcione em "Loba”. A sua passagem esteve assente na kizomba e no zouk das ilhas de Cabo-Verde. 


Instrumentistas no feminino
Odeth, a jovem percussionista, é estudante de psicologia clínica e integrante do grupo musical Ukai, que reúne meninas. É um dos produtos da escola de formação do Mapess, onde teve como professor Yasmane Santos. Estar ao lado de Chico Santos foi especial para ela, pois não sabia se tocava ou acompanhava o mestre durante os rufos. Ana Panzo partilha a música com uma apertada agenda como médica cardiologista, o  que quase a deixa sem tempo para os ensaios. É no palco da igreja e nas festas particulares que às vezes quebra a rotina.
Em "Aki yaka” fez um dueto com Luís Vasco nos sopros revivendo a época do Kadance, um dos géneros musicais antecessores do zouk.  Rosa Caetano, a baixista, aprendeu com o irmão Akappa e tem na internet outra fonte de formação. Já em Filomena a dikanza está presente de forma natural.
Filha de Jorge Mulumba e neta de Kituxi, o instrumento entrou na sua vida aquando dos ensaios que aconteciam em sua casa. É um dos principais produtos do projecto de valorização e preservação da dikanza. Fineza Gaspar é proveniente de projectos sociais como Orquestra Kapossoca e Orquestra Camerata de Luanda, onde aprendeu a tocar o violino e outros instrumentos de corda.


Diana, a sonhadora
Diana, aos seis anos de idade, em Windhoek, apoiada pelos pais, começou a cantar na igreja. Em 2007 regressa para Cabinda. Em Janeiro de 2018 perdeu a mãe, pessoa que sempre lhe deu o apoio e o sustento. Sem forças para ficar em Cabinda, optou por correr atrás dos seus sonhos em Luanda. Uma amiga registou um momento seu a cantar e Gilmário Vemba postou o vídeo, que viralizou. Conhece Daniel Nascimento e começam as suas aparições na televisão e em pequenos eventos. Em 2019, participou no Festival da Canção da LAC, com um tema de Constantino e conquistou os prémios de melhor composição e interpretação. Mas nem tudo foram vitórias.

 Antes participou no Estrelas ao Palco, mas não foi bem-sucedida. Nesta fase da sua carreira, continuou a aparecer na televisão e em pequenos concertos intimistas com participações de Constantino e Totó St, que a levou para o Show do Mês e para um projecto de Lukeny.  Actualmente, Diana, que participou nos temas  "Sereloide” e "Vou casar contigo”, respectivamente de Naice Zulu e JP. da Malaika, está a trabalhar no seu projecto discográfico. Em breve lançará "O milagre”, tema promocional do disco.  

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