Opinião

Será mesmo Luanda o Dubai de África?

Adebayo Vunge

Jornalista

A cidade de Luanda, ao contrário de outras, tem uma beleza incontestável, não obstante todas as situações adversas que foi conhecendo ao longo da sua história. Falo, particularmente, do crescimento demográfico sem precedentes, nos últimos vinte anos.

25/01/2021  Última atualização 08H17
Todavia, faço notar que, quando falo da beleza de Luanda não me refiro apenas ao esplendor da Marginal, inspiração de largos poetas e compositores, paixão de muitos cidadãos. Mas a Marginal de Luanda funciona hoje como uma espécie de cortina. Em muitos países africanos, Luanda passou a ser chamada de Dubai de África, devido à volumetria e exuberância dos novos edifícios da Marginal de Luanda, embora nem sempre em harmonia com a arquitectura tropical então dominante.

É óbvio que num primeiro olhar, nós próprios, os que cá habitamos, ficamos perplexos, mas também com uma réstia de orgulho, com a classificação. Pode causar orgulho por causa de tudo o que foi sendo feito ao longo dos últimos quinze anos, mas ao mesmo tempo somos honestamente obrigados a reconhecer que aquela analogia não é justa nem para Luanda nem para o Dubai. Justamente porque a Marginal é uma verdadeira cortina. Quando a destapamos somos forçados a lidar com uma outra cidade cuja realidade é marcada por contrastes e contradições, uma cidade de sonhos e frustrações, quiçá a verdadeira "harmonia dos contrários”.

É essa Luanda dos contrastes que celebra hoje os seus 445 anos de existência, sempre ensolarada e reluzente, mas ao mesmo tempo rastejando por um novo lustro. Acolhedora e encantadora, costumo dizer que Luanda é a mãe das cidades angolanas e se a sua história não for suficiente, então o facto de ter/ser o caldeirão de todos os povos e culturas que compõe o nosso rico mosaico cultural é o motivo suficiente para lhe prestarmos outra atenção. Como Matias Damásio cantou "Luanda é terra de braços abertos”.

A responsabilidade de salvar Luanda não reside apenas no ombro dos seus gestores pois se é verdade que as lideranças e os seus projectos para a cidade jogam um papel importante, não é menos verdade que o que faz uma cidade são as suas gentes. O seu sentido de pertença e a forma como tratam a sua cidade. E neste quesito, sem dúvidas, nós os habitantes de Luanda precisamos de tratá-la melhor, o que obviamente passa por pequenos gestos. Da Mutamba a Catete, do Kinaxixi a Cabo-Ledo Luanda precisa ser repensada. E, portanto, é imperioso que haja um projecto comum… e quando falo de projecto não estou a referir-me às coisas megalómanas. Precisamos de coisas funcionais e soluções em termos de urbanismo e paisagismo. Precisamos de um mind-set diferenciado para não tornar as centralidades em novos guetos na vertical. Precisamos de um novo compromisso com a cidade para que seja pelo menos mais limpa. Precisamos de um novo olhar evitando o que Pepetela há não muitos anos sentenciou: "Luanda hoje é um grande musseque”.

É inquestionável o quanto Luanda precisa de ganhar um novo lustro, modernizar-se mesmo, abraçando equipamentos urbanos de mobilidade, melhorando o seu paisagismo, mas acima de tudo, cuidar das suas pessoas e preservar o seu património histórico. Por isso, a Baixa de Luanda precisa de uma abordagem histórica e arquitectónica urgente e rigorosa que evite a sua destruição, pelo contrário, que preserve e valorize o legado, traçada e confira maior dignidade cultural.

De resto, a cultura é um dos traços mais marcantes de Luanda que se está a apagar mas sobre a qual ainda é oportuna a sua recuperação. Outrossim, era suposto as centralidades fazerem desaparecer alguns bairros e acelerar a requalificação de outros. Está a suceder o contrário: estão a nascer, ante o olhar silencioso e passivo das autoridades, novos bairros exactamente nas cercanias das centralidades. O Estado em Luanda precisa fazer-se sentir. Precisa ao menos de funcionar. Na voz do malogrado André Mingas relembro, com base apenas em títulos de suas canções "o que eu quero é Luanda, minha doce mulher, em tons de azul”, curtir um mufete e no exacto momento em que escrevo, "numa manhã de domingo”. Não é utopia. É realismo!

Luanda tem hoje uma dimensão tal que é comparável a muitos Estados e não falo apenas de insulares. Ser o Dubai não é hoje uma prioridade. A prioridade é vermos uma cidade que ofereça uma vida digna aos seus habitantes. Uma cidade com serviços funcionais. O importante não é a forma. O importante é, pois, o conteúdo.
Parabéns, Luanda!

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