Opinião

Sobre Idriss Déby

Sousa Jamba

Jornalista

No dia 11 de Julho de 2009, falando no Parlamento ghanense, o Presidente Barack Obama disse que o continente africano precisava de instituições fortes e não, necessariamente, de homens fortes. Idriss Déby, Presidente do Chade, que morreu, terça-feira, na frente de combate, foi, sem dúvida, um homem muito forte .

23/04/2021  Última atualização 06H00
 Infelizmente, ele deixou para trás um país praticamente sem instituições. O único órgão forte que ele tinha é o seu exército (apoiado fortemente por potências ocidentais na luta contra o terrorismo e composto maioritariamente por membros da sua etnia, Zaghawa). Como disse o jovem político chadiano, que foi barrado de participar nas últimas eleições que deram vitória ao Presidente Déby, no poder há trinta anos, o seu sexto mandato, o Chade não pode singrar na base de exclusão, nepotismo e predominância de uma só família ou grupo étnico. 

Idriss Déby era um dos Presidentes africanos que já vi frente a frente. Isto foi em 2000. Na altura, ele tinha 48 anos e o físico de um comandante impressionante. Em N’Djamena, capital do Chade, um seu antigo colega no colégio militar, que na altura não podia com o homem, disse-me que  Idriss Déby, como vários homens do Norte do país, no deserto do Sahara, tinha a constituição de um camelo — ele aguentava marchas longuíssimas sem precisar de água. A sua coragem física, segundo o mesmo, era também impressionante. Ultimamente, o comandante passou a ser uma figura imponente. Em 2020, numa grandiosa cerimónia, Idriss Déby Itno passou a ser considerado Marechal. Nos noticiários, ele passou a ser designado " Le Maréchal du Tchad ".

Idriss Déby era, como o Presidente do Uganda, Yoweri Museveni,  no passado, muito amigo da imprensa. Museveni, no passado, gostava de interagir com a impressa — mesmo aquela que lhe era hostil; agora fala-se, até, de possivelmente encerrar o Facebook no Uganda. Idriss Déby gostava de interagir com a impressa francesa; não se importava de ser entrevistado por quatro jornalistas ao mesmo tempo e lidar com questões que nenhum jornalista chadiano teria a ousadia de lhe colocar. Há uma entrevista no Youtube em que um grupo de jornalistas chadianos prefaciava as perguntas com louvores ao chefe; Idriss Déby parecia estar visivelmente desconfortável com tal bajulação. Sempre pensei que os grandes ganhos de Idriss Déby ficaram ocultados pela nebulosidade causada pelo culto de personalidade dos seus últimos dias.

Nos Camarões ou Nigéria, quando eu perguntava às pessoas sobre o Chade, todos respondiam que aquela era uma terra de guerras intermináveis. O rio Chari passa por N’Djamena, a capital do Chade; do outro lado do rio já é território dos Camarões, onde se ouve música makossa, etc. Em 2005, a última vez que estive em N’Djamena, o lado chadiano estava cheio de Land Cruisers militares. Na altura, os rebeldes vinham do Sudão; Omar el-Beshir, o grande homem do Sudão, lá em Cartum, não parava de apoiar os rivais de Déby com armas, etc. Até à sua morte, uma boa parte do Chade conheceu uma certa estabilidade. Sim, o curto "boom” do petróleo no Sul do país resultou em muita corrupção e desperdício de fundos. Em todo o caso, o próprio Idriss Déby reconhecia a importância de ter que diversificar a economia. Embora no início ele também se tenha deixado levar pela atracção de projectos agro-pecuários gigantescos, no fim ele estava a dar uma grande importância ao aumento da produtividade em empreendimentos familiares, sobretudo no Sul do país. 

Idriss Déby foi um grande admirador do antigo Presidente da Costa do Marfim, Houphouet-Boigny. A estratégia de Boigny foi sempre de cooptar os adversários políticos, como primeira opção — e usar uma mão dura em última instância. Idriss Déby tratava os seus adversários (não armados) como parentes que se tinham revoltado, mas que voltariam à linha com uma conversa com o Papa. Culturalmente, o Chade é um país muito diverso; como o Sudão, ali a África negra mistura-se com a herança árabe. 

Ao contrário da elite muçulmana em Cartum, no Sudão, Déby sempre defendeu a diversidade religiosa no seu país. N’Djamena tem as suas igrejas e os cristãos têm toda a liberdade e respeito. É por isso que, ultimamente, muitos cristãos no Sul estavam a dar todo o seu apoio a Déby, figura que estava na liderança da luta contra o Boko Haram, extremistas muçulmanos na vizinha Nigéria, que raptavam meninas e matavam cristãos. O exército formidável que Déby criou também foi peça chave no desmantelamento do avanço dos extremistas no Sahel. Segundo a Constituição chadiana, se o Chefe de Estado morrer, quem o substitui é o presidente da Assembleia Nacional. Como no Togo, em 2005, depois da morte de Gnassingbe Eyadema, uma junta militar escolheu o filho de Déby, o general Mahamat Idriss Déby Itno, para liderar a transição. O embaixador francês no Chade já esteve com o novo líder.  Na política chadiana, nada conta mais do que a bênção do Governo francês! 

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