Opinião

Tempos desperdiçados

Luciano Rocha

Jornalista

Angola tem falta de quase tudo, principalmente de tempo e dinheiro, sem os quais é impossível construir ou reconstruir o que não foi feito quando devia, pelo que se a tarefa era dificílima sem pandemia, com ela mais ainda.

18/03/2021  Última atualização 10H42
O tempo que vivemos é de trabalho, pois sem ele não há dinheiro, a não ser através de endividamentos ou cedências, circunstâncias que fragilizam o combate pelo desenvolvimento que devia ser travado por todos sem excepção, cada qual na respectiva trincheira, e não apenas por alguns, que hão-de ser sempre poucos, tal a quantidade e diversificação das missões a cumprir e por cumprir.

Angola, reflexo de um passado recente, tem falta de profissionais, na autêntica significação da palavra, em todos os níveis e sectores. Não há um que possa apontar a outro o dedo acusador. A nossa fragilidade neste aspecto é confrangedoramente real. O da Saúde é dos mais relevantes, e não somente agora, com a pandemia que nos assola, durante a qual muitos dos que o compõem têm sido exemplos de abnegação.

Não apenas médicos ou enfermeiros, os mais em foco no vasto exército que se opõe ao inimigo invisível à vista desarmada, ainda por cima, sem cheiro, nem cor, que tem aliados de peso, os que - inconscientemente ou não - lhe facilitam a vida, ajudando a espalhar-se entre a multidão, escaqueirando as barricadas que lhe dificultam os movimentos.

Estranha-se, por isso, que parte destes nossos heróis, chamemos-lhes pelotões, responsáveis por impedir que o invasor se dissemine entre a multidão, tenha optado por um dia de folga! Não que se ponha em dúvida o cansaço físico e mental que sentem e o direito legítimo ao descanso. Pergunta-se, contudo, se não era possível dividirem-se por turnos, de modo a não dar tréguas ao agressor. E se outros aliados seguissem o modelo, como, por exemplo, os dos estabelecimentos hospitalares, militares, de segurança, bombeiros? Isto para referirmos apenas postos fundamentais nesta guerra desigual que travamos, pois é disso que se trata.

Surpresa, porventura maior, foi a forma - escolhida, consentida, sabe-se lá por quem, neste tempo de não perder tempo - de comunicar o encerramento, por um dia, dos postos de vacinação: através de vídeo, que podia ter sido substituído por comunicado, certamente, mais barato.
Em plena pandemia, que continua a causar apreensão, dor e a cobrir de luto tantas famílias, a pergunta imediata que qualquer ser pensante fez, ao tomar conhecimento daquele desperdício de tempo e dinheiro, foi: "quanto custou e que tempo levou a concretizar a ideia?”

A comunicação tem sido, desde o início, o "calcanhar de Aquiles” da Comissão Multissectorial de Prevenção e Combate à Covid-19, responsável pela actualização periódica dos efeitos da pandemia no país. Desde logo, a ordem como são divulgados os factos, deixando para o fim os óbitos, o mais importante para telespectadores e ouvintes.

É como se o comentador de futebol, no final de um jogo, começasse por referir todas as incidências desportivas, lançamentos laterais, livres, apoios ou vaias do público e somente depois anunciasse o resultado, com golos, se os houvesse, e marcadores. Se a ideia é agarrar o público, o desfecho é exactamente contrário, são mais os que mudam de frequência, certos de que alguém lhes há-de contar o que realmente interessa.

A juntar a tudo aquilo, o painel é, salvo raras excepções, que confirmam as regras, demasiado vasto. Em circunstâncias normais, basta a presença da ministra da Saúde ou o respectivo secretário de Estado e, na ausência deste, a directora nacional do sector, pois como ele é médica. Os tradutores de linguagem gestual são, igualmente, indispensáveis.

Os restantes apenas servem para fazer ruído, como se diz na gíria. Podem ocupar o tempo de forma útil, nesta fase em que todos somos poucos para haver quem se dê ao luxo de o desperdiçar.
Foi o que sucedeu, também, com a realização do vídeo, a comunicar que os vacinadores iam todos folgar no mesmo dia. Num e noutro caso, há tempo mal gasto e dinheiro escusadamente desperdiçado.

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