Opinião

Três regras do espírito

José Luís Mendonça

Quando era criança, me ensinaram na escola primária três regras do espírito: honrar a palavra dada, amar o próximo e ser educado.

08/05/2021  Última atualização 07H35
A minha professora, Sra. Dona Cândida Pereira Lavado, deu na turma o exemplo de Egas Moniz, aio de D. Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, que estava a lutar para ser independente do rei D. Afonso VII, de Castela. Na iminência de uma guerra, Egas Moniz foi negociar a paz com o monarca castelhano. A troco da paz prometeu-lhe a vassalagem de D. Afonso Henriques e dos nobres que o apoiavam. Afonso VII aceitou a palavra de Egas Moniz. No entanto, um ano depois, D. Afonso Henriques quebrou o prometido e resolveu invadir a Galiza.

Então, Egas Moniz vestiu-se a ele próprio, a esposa e os filhos com roupas de condenados, cada um deles com uma corda ao pescoço e foi se apresentar ao rei castelhano, para que este o julgasse e condenasse à pena que melhor achasse justa, ainda que a capital, pela quebra da palavra dada. O rei nunca tinha assistido a nenhum acto de hombridade e coragem como o demonstrado por Egas Moniz. Perdoou-o e mandou-o em paz. Esta história, que parece afinal uma mera lenda da história de Portugal, ensinou-nos que devemos honrar a palavra dada.

A segunda história que a professora nos contou durante meses, que até tivemos de ilustrá-la com um desenho de banda desenhada (e foi assim que aprendi a desenhar cavalos), foi a história bíblica do bom samaritano. Ate hoje, não dá para esquecer essa história. Descia um homem de Jerusalém para Jericó. Pelo caminho foi assaltado por malfeitores que o despojaram dos bens e o deixaram meio morto na berma da estrada.

Passou por ali um sacerdote, viu o ferido, e passou de largo. Depois surgiu um levita, ministro do culto, e fez a mesma coisa. Mas, um samaritano, viu o homem estendido na berma da estrada, cuidou dele e deixou-o aos cuidados de um estalajadeiro, ao qual deu algum dinheiro para tratar do ferido, até ele regressar da sua viagem. Com esta parábola do bom samaritano, a professora ensinou-nos que o nosso próximo é toda e qualquer pessoa deste mundo que esteja necessitado de cuidado, amor e carinho, não importa a origem ou condição social, a nacionalidade ou a cor da pele.

A terceira lição que a Senhora Dona Cândida nos ensinou na escola foi sobre educação moral e cívica. Ela disse-nos que toda a carta tem resposta, e quem diz carta diz mensagem, telefonema, petição, etc.
Hoje em dia, 50 anos volvidos, é com enorme preocupação que verifico, na vida prática, o esquecimento a que muitos dos meus contemporâneos que andaram na escola colonial votaram essas lições da escola primária. E, por via desse esquecimento, verifico, entre alguns cidadãos de geração mais nova, o provável desconhecimento dessas regras de convivência, reputadas como muito importantes para a harmonia social, conforme nos explicou a Senhora Dona Cândida.

Hoje em dia, até para reunir com o chefe do local onde se trabalha, é como se estivéssemos a pedir audiência ao Papa. Cartas dirigidas aos governantes raramente são respondidas. Telefonemas a antigos colegas que ascenderam na escala governativa ficam aguardando respostas adiadas sine die. Promessas feitas de viva voz jamais conhecem a devida concretização. E os necessitados, mais concretamente as crianças, estão longe de serem os próximos à espera de um bom samaritano.

Porque razão nos ensinaram esses dons da boa convivência, quando éramos pequenos e não sabíamos ainda que este mundo está cheio de sacerdotes e levitas que só sabem passar de lado? Será que esses valores são mesmo valores úteis ao desenvolvimento e ao progresso, ou nos enganaram, nos intrujaram quando éramos imberbes? O que vemos hoje é o triunfo dos que negam redonda e publicamente essas normas da boa convivência. Os que triunfaram no pós-independência são precisamente os que desonraram a palavra dada, os que passaram de lado dos sofridos e os que não falam com quem não é do seu círculo, ou quem é inferior hierárquico na escala administrativa.
Que geração teremos em Angola daqui a 20 anos?

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