Política

TS “aperta” Walter Filipe no “Caso Grecima”

Garrido Fragoso

O Tribunal Supremo (TS) inicia, hoje, em Luanda, a sessão de audição de declarantes no processo de julgamento que envolve o ex-director do Gabinete de Revitalização da Comunicação Institucional e Marketing da Administração do Estado (GRECIMA), Manuel Rabelais, com destaque para o antigo governador do Banco Nacional de Angola (BNA), Walter Filipe.

10/02/2021  Última atualização 10H04
Manuel Rabelais (à direita) tentou influenciar o depoimento do seu antigo colaborador directo © Fotografia por: Agostinho Narciso |Edições Novembro
Walter Filipe já foi ouvido pelo TS no julgamento do "caso CNC”, que envolveu o antigo ministro dos Transportes, Augusto Tomás. Hoje, o antigo responsável do Banco Central é novamente convocado pelo Supremo, para clarificar  "nuvens cinzentas” no "Caso GRECIMA”, com vista a ajudar a instituição judicial a encontrar provas materiais dos factos.
O ex-director do extinto GRECIMA é acusado dos crimes  de peculato, branqueamento de capitais e violação das normas de execução orçamental.

Mário Jorge Correia, Maria Kanguia, António Manuel dos Santos e demais indivíduos, na maioria empresários e responsáveis de instituições públicas, devem, também, ser ouvidos hoje e amanhã pelo TS, para nos dias subsequentes a instituição judicial passar o processo à fase da preparação das alegações, rumo à sentença final dos réus.
O TS concluiu, ontem, o interrogatório ao có-réu Gaspar Santos, que era tido como uma espécie de auxiliar administrativo e colaborava com Manuel Rabelais nos negócios do GRECIMA.

SIC e TVI apontadas como chantagistas O antigo ponta-de-lança de Rabelais no GRECIMA revelou que esta instituição foi obrigada a ceder a "chantagens”, que custavam entre 40 e 50 mil  euros, feitas por órgãos de comunicação estrangeiros que tinham  matérias contra Angola e seus dirigentes.
Os canais de televisão portugueses SIC e TVI foram apontados por Gaspar Santos como os que fizeram a "boa imagem” de Angola a troco de pagamentos do GRECIMA.

Perante o juiz-presidente da causa, Modesto Geraldo, a instância do Ministério Público e dos advogados, Gaspar Santos confirmou que angariava clientes, na sua maioria empresários, para compra de divisas em vários bancos comerciais do país (BCI, BPCe BIC). Com as divisas, explicou que pagava a alguns jornalistas da Euronews, para salvaguardar a imagem das instituições do país e dos seus dirigentes.

Gaspar Santos, pouco seguro nas respostas, atribuía normalmente as principais responsabilidades dos actos do GRECIMA a Manuel Rabelais, salientando que era o ex-director da instituição quem controlava e orientava todas as operações. O jornalista da RNA também se recusou a responder a algumas perguntas alegando "segredo de Estado”.

Explicou ainda que angariava divisas com a ajuda de um amigo, o já falecido proprietário da empresa  "Facar-Angola”, que residia no bairro Miramar, em Luanda. Apontou ainda os nomes de Mário Correia, António Manuel dos Santos, Hermínio Nunes e dele próprio como alguns que mais efectuavam depósitos regulares na conta do GRECIMA, para obtenção de divisas.

BCI: banco mais utilizado

O Banco de Comércio e Indústria (BCI), garantiu, foi a instituição financeira onde eram realizadas a maioria das transacções. Explicou que o câmbio praticado na venda das divisas aos clientes era o mesmo efectuado pelo banco, salientando que apenas era acrescido um percentual de 4 a 5 por cento do valor, que era depositado na conta do GRECIMA, gerida directamente por Manuel Rabelais.

"Todos os valores em divisas solicitados ao BNA destinavam-se ao GRECIMA e o destino dos mesmos apenas a Rabelais cabia”, afirmou Gaspar Santos, para quem o antigo ministro da Comunicação Social controlava, igualmente, as transferências monetárias angariadas no BNA para empresas sediadas no estrangeiro.

Gaspar Santos disse não se recordar da forma como eram obtidas as facturas das empresas exigidas pelo banco como condição para as transferências, ao mesmo tempo que afirmou desconhecer as empresas de Rabelais sediadas no estrangeiro, que em muito se beneficiaram das divisas obtidas dos bancos comerciais.

Enquanto colaborador do ex-director do GRECIMA, Gaspar Santos disse que nunca teve acesso ao dinheiro vindo do OGE, reafirmando que os contra-valores em moeda nacional eram provenientes dos empresários por si angariados.
Desde o início ao fim da audição, Gaspar Santos vincou que é funcionário da RNA e apenas colaborador de Rabelais no GRECIMA. A grande contradição surgiu quando a instância de juízes perguntou como era possível um simples colaborador movimentar com toda a liberdade dinheiro da instituição para o estrangeiro. Respondeu que o fazia mediante credencial previamente emitida por Manuel Rabelais.

Outra questão que inquietou o corpo de juízes e a instância do Ministério Público foi o facto de Gaspar Santos optar em realizar grandes transferências em divisas para o exterior através de pessoas singulares, quando o mais viável seria solicitar uma autorização ao Presidente da República para o fazer, que se calhar orientaria tais operações através de canais diplomáticos.
A esta questão Gaspar Santos apenas respondeu "depende da missão”, interrogando-se depois que "mesmo que o PR autorizasse, como entraria com tantas divisas em Portugal, se o que era estipulado passar pela Alfândega, no aeroporto, não passava dos sete ou oito mil dólares?”

Rabelais quase expulso

A meio da sessão aconteceu um caso insólito. Manuel Rabelais quase foi expulso da sala por ter sido surpreendido pela instância do Ministério Público a tentar influenciar o co-réu Gaspar Santos, enquanto este respondia às questões que lhe estavam a ser colocadas. O juiz da causa, alertado por um magistrado do Ministério Público, mandou, imediatamente, um dos funcionários da sala colocar Rabelais a alguns metros do réu Gaspar Santos, alertando-o que o procedimento era passível de prisão sumária até três dias, sem necessidade de recurso a processos.

Como forma de arrependimento, Rabelais esperou o final da sessão e perante os magistrados judiciais e do Ministério Público pediu "sinceras desculpas”, considerando o incidente uma "acção instintiva”.
Rabelais garantiu, a propósito, que nutre um enorme respeito pelas autoridades judiciais do país.
O juiz da causa, Modesto Geraldo, considerou as desculpas de Rabelais, sem deixar de lembrar que os actos de indisciplina durante as audiências podem conduzir o réu a responder por um processo-crime. "Esta advertência serve não apenas ao cidadão Manuel Rabelais, como outros que por ventura venham a constituir-se réus neste tribunal”, alertou o magistrado judicial.

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