Opinião

Tururú, o varredor de rua

Adriano Mixinge

Escritor e Jornalista

Nestes dias vive,entre nós,um período sabático forçado. Antes, quando trabalhava normalmente, bastava sair à rua para vê-lo esforçando-se a arrastar a vassoura, debaixo de uma máscara improvisada feita de uma camisola ou um pano qualquer enrolado à cabeça e umas luvas, por vezes, em croché prestes a desfazer-se: amiúde debaixo de um Sol escaldante, Tururú – o varredor de rua – surgia no meio da estrada como se, também, fosse um astro.

02/03/2021  Última atualização 07H43
Deambulava sem eixo, não se importava com os cheiros que sentia, nem com a poeira que inspirava: agia prudentemente detrás dos cones de sinalização, na rua, a varrer resignado enquanto os carros passavam e mais frequentemente do que pensamos as pessoas cuspiam ou atiravamm objectos ao chão com total impunidade. Mas, ele mantinha-se atento à escova que raspava as suas cerdas sobre o asfalto para juntar areia que chega: ia fazendo os montículos que, depois, ele próprio ou outro colega recolhia com a pá, deixava aí na berma da estrada, punha no balde ou num contentor de lixo.

Como ninguém limpa nem recolhe o lixo nestes dias, quem está a desfrutar das mesas-sobre-o-chão cheias de detritos que podemos encontrar pelas ruas da cidade de Luanda são os ratos, as moscas e as baratas: o mau cheiro e a putrefacção afastam os indigentes que, quando ainda assim aproximam-me às mesas, preferem as zonas à volta da porcaria. Sabem como lidar com lixo e dão primazia às sobras que há muito aprenderam, a saber, e a distinguir, quais são as mais recentes.

Nestes dias, os indigentes comportam-se como se chegassem tarde a um banquete e estivessem obrigados a sentar-se num banco, na esquina da mesa. Os ratos, as moscas e as baratas sabem que podem empanturrar-se para, depois, guardarem as suas energias para quando a chuva chegar e for mais difícil ter alimentos. Mas, eles, previsores como são, não dispensam estes momentos em que podem passam a maior parte do tempo a se reproduzir com as barrigas cheias e a prepararem-se para, sem o saberem, transmitirem doenças.

Forçado a estar em período sabático, Tururú – o varredor de rua – está desorientado, vê a sua vida a ir para trás, ele sabe que poderá ficar desempregado: quando está triste prefere consolar-se a pensar em que, se bem é verdade que, no mundo, milhares de pessoas comem do lixo a tal ponto de que, onde a qualidade do lixo é melhor, - coisa que também acontece -, haja quem o tenha como a sua primeira opção, não é menos verdade que, em muitos destes lugares, o varredor do lixo é considerado e tratado como um funcionário, um luxo que Tururú não conhece a sua real dimensão.

Quando está sozinho, Tururú recorda com nostalgia os dias em que limpava as ruas da cidade e como, na verdade, os tipos de vassoura sempre o intrigaram: ele já dançou em quintal de terra batida com a de cerdas de piaçá mas fora um momento alegre e de desbunda. Com a vassoura de picos nunca teve muita relação, mas com a de bruxaTururú pensa que apesar da má fama daquela fantasia voadora, até poderia não ser uma má ideia, um dia conhecê-la melhor: se ele voar com ela entre as pernas preferirá fazê-lo sonhando também em que um dia será, em Angola, tratado como um funcionário.

Os varredores de rua deveriam ser funcionários – ou seja, ter uma ocupação permanente e retribuída -: deveríamos respeitar-lhes como o médico ou como o professor, - claro, se nem estes costumamos a respeitar-lhes assim tanto, fica dificil até imaginar o que digo! -, deveríamos proteger-lhes socialmente – certificar-se de que têm seguro médico, que se alimentam em condições, que podem aceder a créditos bancários para comprar casas de acordo com os seus rendimentos e que têm o equipamento apropriado para fazer o que fazem.

Quando isso acontecer, Tururú – o varredor de rua - sairá orgulhoso para ir trabalhar com o seu uniforme, as botas, as luvas, a mochila, - lugar do sanduíche, da fruta e da garrafinha de água -, o chapéu e a viseira a condizer com a dignidade, que bem merece.
Naquelas partes do mundo que têm, também, uma qualidade de lixo melhor do que o nosso e onde é difícil ver os ratos, as moscas e as baratas, os varredores de rua e as empresas em que trabalham são as menos abaladas pelas crises económicas ou as de qualquer tipo, incluindo a provocada pela pandemia da Covid-19.

 A indústria do lixo é quase tão rentável quanto à indústria do luxo que, como sabemos, nunca vive período sabático nenhum: nem sei se Tururú – o varredor de rua- sabe disto. Mas, quem sabe deve agir com todos os meios possíveis para melhorar a situação dos varredores de rua, de uma vez por todas.

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Opinião