Opinião

Um centro comercial não é um centro cultural

Adriano Mixinge

Escritor e Jornalista

Neles sentimo-nos mais seguros do que nas ruas, assim que quando necessito e posso vou ao centro comercial mais próximo: sentir aqueles perfumes diferentes em cada loja que entrar ou ouvir a música de fundo, ver os mais-velhos de calções e camisolas alegres ou os meninos tão bem vestidos como se fosse uma manhã de domingo, até pode dar gosto.

23/03/2021  Última atualização 09H45
Quando preciso e não tenho mais remédio vou ao centro comercial: interagir com aqueles carinhosos pedintes que se aproximam discretamente e chamam-me sempre de pai, - muitos deles colados ao lado de fora dos vidros das lojas ou dos carros -, rever os guardas de fato, gravata e os seus cheiros exóticos, apreciar aquelas senhoras com os seus vestidos a voarem como se fossem aves coloridas e, sobretudo, chocar com os preços dos produtos à venda calculados mais para os salários dos expatriados, tudo isso me faz sempre sentir um pouco de receio.

No meu bairro existem dois centros comerciais e apesar de não interditarem a entrada a ninguém e neles possamos ir ao cinema, todos sabemos que são lugares exclusivos: os que frequentam são aqueles que têm muito mais dinheiro do que a média dos cidadãos. No meu bairro não existe nenhum centro cultural e, por conseguinte, também, não temos nenhuma biblioteca, nenhuma galeria de arte e nenhum teatro.

Nos centros comerciais do meu bairro existe um par de quiosques de venda de livros, a maioria deles são bestsellers ou livros de auto-ajuda. Se, às vezes, não tenho muito prazer de ir aos centros comerciais do meu bairro é porque no meu subconsciente mora a ideia de que os centros comerciais são lugares de passagem: milhares de pessoas, que não se conhecem umas às outras, passam por lá todos os dias, sem necessidade de criarem qualquer vínculo identitário e afectivo, limitando-se, apenas, a consumir.    

Os centros comerciais – na sua acepção original, estão associados aos mercados - com características muito semelhantes aos actuais, surgiram faz uns bons séculos, mas o certo é que ainda que neles possamos aceder a um número limitado de produtos artísticos e culturais, não sendo propriamente um espaço ideal para a fruição artística, o centro comercial é, sobretudo, um lugar de lazer, de entretenimento e de consumo.

Ler as histórias dos centros comerciais e a dos centros culturais permite darmo-nos conta das diferenças profundas entre as características, a natureza, os objectivos e até mesmo a estrutura arquitectónica de uns e de outros: normalmente, quando bem geridos, os centros culturais tornam-se lugares de convivência, de educação e saber muito populares enquanto, na maior parte das vezes e onde queira que estejam os centros comerciais são símbolos da fractura económica e social.

Nos outros países, os centros culturais se constroem em função da densidade populacional, o interesse público, a vitalidade artística e cultural e as necessidades tanto de artistas como do público: urge melhorar a proporção entre o número de uns e de outros, em Angola.

Desde que, em 2007, surgiu o Belas Shopping, em Luanda, e depois foram surgindo vários Xyami Shopping, em Benguela e no Lubango, entre outros, salvo raríssimas excepções, não só não surgiram outros centros culturais de realce como os existentes não mereceram a atenção que deveriam ter em termos de cuidado e manutenção, de restauro e de operacionalização dos seus recursos humanos, de modo a oferecerem uma programação artística e cultural à altura das necessidades dos cidadãos.

Há gente que vai aos centros comerciais a pensar que eles, também, são centros culturais, pois, não obstante o prazer que eles nos possam proporcionar, eles não são rigorosamente a mesma coisa. Urge pensar, conceber e construir mais centros culturais e conter a construção dos centros comerciais na proporção do estritamente necessário, para que o pequeno e o médio comércio de proximidade sobrevivam.

Talvez, assim, no futuro, sempre que me apetecer irei aos novos centros culturais mais próximos: para apreciar exposições de arte interessantes e que ajudem a valorizar mais o artista e não a erosionar o valor que têm, para participar num seminário/debate/conversa sobre temas artísticos e culturais que sejam pertinentes, para ir – sozinho, com filhos ou com amigos - ver uma boa peça de teatro ou, simplesmente, para ir à biblioteca levar ou recolher livros emprestados para lê-los em casa.

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