Opinião

Um novo paradigma para o Conteúdo Local

Rúben Brigolas*

O sector petrolífero angolano foi e continua a ser um fórum privilegiado para captação de investimento externo e o seu crescimento permanece alicerçado em fortes regras de Conteúdo Local, i.e., regras de promoção do empresariado nacional, que sempre promoveram a criação de parcerias entre investidores internacionais e empreendedores nacionais.

19/02/2021  Última atualização 15H30
Esta sinergia tem potenciado, não só a domiciliação de investimento estrangeiro em Angola, mas também a transferência de conhecimento, incorporação de bestpracticesna indústria, criação de emprego e capacitação da força de trabalho nacional. O novo regime de conteúdo local, aprovado pelo Decreto Presidencial n.º 271/20, de 20 de Outubro (o "Decreto”), vem densificar substancialmente o regime legal, mas o seu texto levanta uma questão sobre o acesso por empresas "não nacionais”.

O regime de contratação assenta essencialmente na obrigatoriedade de participação de empresas nacionais em certas actividades de apoio às operações petrolíferas e na preferência destas empresas nacionais na adjudicação de contratos de prestação de serviços ou fornecimento de bens. Previamente ao Decreto, o conceito de empresa nacional compreendia empresas angolanas cujo capital fosse detido na sua maioria (i.e., mais de 50%) por cidadãos nacionais ou sociedades por estes detidas, tendo as empresas nacionais acesso exclusivo a certas actividades (regime de exclusividade), ficando as demais actividades sujeitas a regime de iniciativa / parceria ou concorrência. 

O novo regime mantém a estrutura tripartida dos serviços (exclusividade, preferência e concorrência), mas introduz uma alteração significativa no conceito de empresa nacional, que passa a compreender Sociedades Comerciais Angolanas ("SCAs”) – sociedades angolanas detidas integralmente (i.e., 100%) por cidadãos nacionais – e Sociedades Comerciais de Direito Angolano ("SCDAs”) – sociedades angolanas que integram no seu capital sociedades ou cidadãos estrangeiros. 

Esta distinção é relevante, pois o Artigo 11(1) do Decreto estabelece que as empresas petrolíferas devem apenas contratar as SCAs para a prestação de serviços e fornecimento de bens sujeitos ao regime de exclusividade. Contudo, o Artigo 18(1) refere que o regime de exclusividade compreende, também, as SCDAs. Esta aparente incompatibilidade permite dois entendimentos diametralmente opostos: (i) o regime de exclusividade está limitado apenas a empresas 100% nacionais ou (ii) qualquer empresa angolana, independentemente de quem detém o seu capital, pode concorrer a qualquer contrato.

Acreditamos que deve prevalecer o segundo entendimento, em virtude do direito geral de preferência das SCAs na adjudicação de contratos. Ou seja, quando uma SCA concorre para uma adjudicação, ser-lhe-á dada preferência, pelo que a salvaguarda das empresas integralmente nacionais está assegurada. Por outro lado, caso prevaleça o argumento literal do Artigo 11(1), as joint ventures locais não podem ser contratadas no regime de exclusividade, o que pode levar investidores externos a perder o interesse na manutenção de parcerias. Entendemos que o critério principal de conteúdo local evoluiu para um critério de domiciliação do prestador, e não puramente de quem detém o seu capital social. Aliás, a tendência do legislador angolano nos últimos anos tem sido consistente e no sentido de liberalizar os diversos sectores económicos, promovendo oportunidades de investimento externo e dinamização de parcerias internacionais.

Cabe ainda à Concessionária Nacional, ouvida a Autoridade da Concorrência, delimitar a lista de actividades sujeitas ao regime de exclusividade. Pode fazer sentido que, neste processo, se clarifique o regime, confirmando a efectiva liberalização do sector, o que se aplaude, permitindo aos agentes económicos manter e criar novas parcerias no sector petrolífero nacional.*Associado coordenador na área de Corporate M&A e membro da equipa África da PLMJ 

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