Opinião

Um pai morto no mês da mulher

Carlos Calongo

Jornalista

Substituir o simbolismo carregado nas flores que as mulheres recebem no mês de Março à elas consagrado, pela dor do sangue derramado por facadas que colocam fim a vida de um sacerdote, que do ponto de vista da sua posição social deve ser visto com alguma relevância é, a todos os níveis, um acto deplorável.

13/03/2021  Última atualização 10H01
Mais do que real, o triste cenário do parágrafo de abertura, remete-nos para a ocorrência do dia 7 do mês corrente, no Distrito Urbano do Zango, quando alguém, numa imperfeita e estúpida imitação artística de Hollywood, tentando fazer-nos recordar Trinitá, o cowboy insolente e seus pares, decidiu colocar fim a vida de um padre colombiano, da Igreja Católica, de apenas 36 anos.
Repugnante. Bárbaro. Nojento. Nada menos que isso. Adjectivos que bem servem para (des) qualificar o acto, em pleno mês de Março, o mesmo em que os pais, a reboque, celebram o seu dia, para além de outras efemérides nele celebradas, a exemplo dos dias mundiais da Oração (4), do Paleontólogo (7),=do Telefone (10), da Floresta (21), da Água (22),=e 23, da Meteorologia,etc.

A propósito do Dia do Pai, diz um amigo de longa data, idas e vindas, no tempo da escola Emídio Navarro, que também já foi chamada de Ngola Mbandi, -desconhecemos a actual designação ou numeração-, que a existência do Dia do Pai no mês da mulher, é um acto de benevolência delas.
Para ele, as mulheres aceitaram ceder um dia do mês delas, em recompensa da doação da costela do homem que na concepção divinal é a maternidade da adjutora, para que ele não ficasse só e, quiçá, se efectivasse a máxima segundo a qual, "por trás de um grande homem vem uma grande mulher”.

O adágio acima expresso não se aplica para o caso do padre morto, a considerar o voto de castidade feito pelos prelados da Igreja Católica, mas numa arrojada redefinição cujos riscos assumimos, podemos afirmar que, atrás de um padre há uma comunidade de fiéis que prega o amor, a paz, a fraternidade e outros frutos do espírito, benquistos à vida humana.
Em substância, podemos estar a falar da morte de um pai na fé, comprometido com a pregação da palavra por via da qual a sociedade é apelada a praticar boas obras, nem que estas sejam circunstancialmente resumidas na praxe de oferecer prendas simbólicas quer às mulheres como os pais, no mês de Março.

O que terá falhado no processo de socialização, sobretudo da geração dos jovens nascidos nas décadas de 80 e 90, para adoptarem como protótipo de vida tão elevada capacidade de praticar o mal, ao ponto de matar o pai do outro, apresentado na oralidade africana como nosso pai também, servindo o mesmo para a mulher?
Morre-se todos os dias, claro. Mas, que houvesse alguma trégua no mês de Março, considerando o valor da mulher para a humanidade, em que mais de progenitora é uma fonte de amor inigualável, inolvidável, e outras tantas qualidades que homem nenhum consegue expressar com igual performance.

O mês de Março, que entre os seus trinta dias dedica dois às mulheres, no caso 2 e 8, da "mulher angolana” e "internacional da mulher”, respectivamente, é tão benevolente para os angolanos que nele celebram o dia 23 como feriado nacional, pela libertação da África Austral, na base da Batalha do Cuito Cuanavale.
Respeitando os argumentos de razão das partes envolvidas na referida batalha, pensamos ter maior valor o aproveitamento da data para o exercício de uma profunda reflexão, no sentido de se evitar repetir os erros do passado, que atrasaram o desenvolvimento e crescimento de Angola.

Tudo porque, a crueldade da Batalha do Cuito Cuanavale deixou-nos uma pesada herança colectiva, com laivos de continuidade nas mentes que precisam ser reformatadas, no intuito de construirmos uma Nação em que impera a sã convivência fraternal, baseada no respeito pelas diferenças, direitos e deveres fundamentais.
Dedicamos, portanto, neste mês de Março, uma singela e mais profunda homenagem a todas as mulheres e aos pais, augurando que o melhor tributo seja a consolidação em Angola, de um verdadeiro Estado Democrático de Direito, em memória de todos os heróis e heroínas dos nossos processos de luta, e que não matem mais homens no mês de mulher.

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Opinião