Sociedade

Um vendedor de gasolina que virou filósofo

Rui Ramos

Jornalista

Justino Candimba Chindombe nasceu em 1992, no bairro Luanga, Município do Luau, Moxico. Filho de Justino Lopes e Gabriela Dina, ambos camponeses.

14/03/2021  Última atualização 08H15
Aos 5 anos, Justino Candimba Chindombe refugiou-se na RDC © Fotografia por: DR
Em 1998, com apenas 6 anos de idade, o reacender da guerra civil no país, de forma particular na província do Moxico, obrigou a família a refugiar-se na vizinha RDC, durante 5 anos.
Foi neste país onde começou a estudar, tendo frequentado até à 4ª classe. Em Março de 2003, um ano após o país alcançar definitivamente a paz, a família voltou para Angola.

"De regresso à pátria, fui matriculado na antiga escola primária nº 54, no Luau, tendo sido obrigado a repetir a 2ª classe”, recorda, para acrescentar: "Passei por muitas dificuldades de adaptação e assimilação. Os efeitos da guerra são devastadores, destroem o tecido social, as crianças sofrem ainda mais.”

Apesar disso, o percurso escolar no Luau foi "fantástico”, segundo Justino Candimba Chindombe. "Consegui superar os insultos dos colegas, ou "bullying”, devido a insuficiência na língua de Camões, facto que me obrigou a ser um pequeno "rebelde” com mecanismos de autodefesa nas salas de aula, carácter que ficou profundamente marcado, e carreguei até à Faculdade, mas ainda assim, nunca reprovei.”

De família católica, Justino Candimba Chindombe ingressou no grupo dos acólitos, depois foi convidado pelo Irmão David (hoje padre) para fazer parte do grupo dos vocacionados. "Assim começou a minha longa caminhada religiosa.”
Em 2006, com 14 anos, viajou pela primeira vez para o Luena, capital da província do Moxico, para passar férias na casa de uma tia.

"Vendo as dificuldades que a família enfrentava, pois os meus primos vendiam petróleo e gasolina na "praça do Zorró”, fui obrigado a mergulhar nas vendas, para contribuir nas despesas de casa”, lembra. "Comecei a vender petróleo, depois gasolina.”
Em Janeiro de 2007, Justino Candimba Chindombe teve de regressar ao Luau para continuar os  estudos no Liceu, prosseguindo o negócio que aprendeu no Luena, venda de gasolina no mercado local.

O bispo diocesano do Luena, Dom Tirso Blanco, enviou uma carta, em 2010, à paróquia de Santa Teresinha do Menino Jesus do Luau a solicitar candidatos com a 7ª ou 8ª classes para   o seminário. "Fui o único da paróquia a aceitar o convite. Sempre sonhei  estudar no Luena”. Por isso, apesar da resistência da família, aceitou o desafio.

Foi para o seminário menor Dom Puaty, no Luena, onde, diz, enfrentou inúmeras dificuldades de adaptação. "Eu tinha muitos mimos e estava habituado a ter contacto com o dinheiro todos os dias.”
 Depois Justino Candimba Chindombe foi matriculado na escola Dom Bosco e em 2011 entrou para o seminário propedêutico São João Maria Vianney, matriculado no Centro Educativo Maria Auxiliadora (CEMA). "Fui o primeiro estudante a ter 20 valores numa defesa de trabalho de língua portuguesa com o tema Crítica Literária, com o professor Barnabé Munda.”

Em 2013, abandonou o seminário propedêutico e entrou na Comunidade Religiosa dos Padres Dehonianos, em Viana, Robaldina, Luanda, e na escola do II ciclo do Ensino Secundário João Beirão em Luanda Sul, onde terminou o ensino médio em Ciências Económicas e Jurídicas.
Entra, então, na Universidade Católica, no Instituto Superior Dom Bosco (ISDB) para cursar Filosofia.

Em 2015, saiu do seminário para nunca mais voltar.
A família queria-o de volta ao Luena para continuar os estudos. Mas ele negou e continuou a sua luta diária contra a pobreza, nunca abandonando a formação, levantando-se de madrugada para ir a pé para a escola.

Em 2016 mudou a sua maneira de pensar e de vida. Arrendou um pequeno anexo no Bairro Palanca perto da Faculdade para ir a pé. Inscreveu-se no Cinfotec no curso de redes de computadores e no curso de cabeamento estruturado. Depois das aulas zungava sabão líquido no mercado dos Congolenses, reservando a hora 18 para fazer pesquisas na biblioteca da UCAN. Durante este tempo, dedicou-se  aos estudos filosóficos e leu muitos autores, de Platão a Santo Agostinho, Soren Kierkegaard, Wittgenstein e Heidegger, P. Temples, S. Nguenha e Karl Marx que o inspirou a escrever a monografia com o tema a Luta de Classe na Sociedade Moderna, que finaliza em Março de 2019, enfrentando dificuldades económicas extremas, mas foi aprovado com Bom e com louvor em Filosofia pela Universidade Católica de Angola. Volta  ao Moxico para procurar emprego, entrega o  Curriculum Vitae em todas as instituições onde achou possível, mas em vão. E eis Justino Candimba Chindombe com a sua motorizada de manhã bem cedo até à noite como mototaxista. Então recebe uma chamada do Padre Jorge, do Instituto Superior Politécnico Walinga do Moxico, e é convidado a leccionar. "Três meses depois, saiu o resultado do concurso público da Educação e fui apurado com a segunda nota mais alta dos candidatos do curso de Filosofia”, sendo actualmente também  professor de Filosofia e Lógica Formal no Walinga.

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